1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 15 de Julho de 2009, mais uma curiosa estória passada com a sua companhia:
UMA EMBOSCADA À… DISTÂNCIA?
Existiam informações que davam conta da possível passagem de um grupo IN (que parece já era habitual), por um caminho já nosso conhecido, que fazia cruzamento com a estrada entre Ingoré e Barro.
Era natural a existência desse corredor, que se situava a sul da margem direita do Cacheu e a norte da estrada Ingoré - Barro.
Passada essa estrada a meia dúzia de quilómetros ficava a fronteira com o Senegal, e Ingorézinho localizava-se a poente.
Era, aquilo a que se designava então em termos militares, um importante corredor…
Face à informação recolhida, foi decidido montar uma emboscada no citado cruzamento, tendo-se previamente, como mandavam as boas regras “emboscadoras”, feito um cuidado e meticuloso reconhecimento ao local.
Já no quartel, delineou-se um plano para montar a emboscada, tendo-se tomado as devidas providências que, incluiu a antecipação da hora do jantar que foi servido mais cedo que o habitual (pouco depois das 16h00), após o que partimos para o local transportados em viaturas.
A certa altura descemos das viaturas, que regressaram à base, e todo o pessoal seguiu apeado, em direcção para o local estipulado.
Nada de anormal até aqui, o que veio a seguir é que “estragou” tudo.
Como já era hábito e conhecido, quando o horizonte se apresentava escuro, era presságio de aproximação de mau tempo. Passada cerca de meia hora, o presságio passou a certeza, pois desabou tamanho temporal em cima de nós, tipicamente tropical, com o consequente e rápido escurecimento da paisagem à nossa volta.
Não se enxergava nada a mais de um metro de distância.
A técnica já velhinha para não nos perdermos, foi seguir o caminho em fila indiana, agarrados aos casacos dos camaradas da frente, com uma das mãos.
A chuva desabou a cântaros, a trovoada era constante e iluminava perfeitamente toda a zona. Nas botas, a lama já pesava mais que as mesmas.
Os trovões ribombavam constantemente, com um ruído mais ensurdecedor que o dos disparos dos canhões e obuses.
Os efeitos luminosos das faíscas e os estrondos dos trovões, à nossa volta, eram mais espectaculares que qualquer fogo-de-artifício de S. João, que algum dia tivesse visto.
Mas lá fomos sempre a andar. Estava decidido que não voltávamos para trás, pois o temporal, tal como os outros anteriores, havia de passar e o nosso capitão estava decidido a levar a bom termo a emboscada.
Até que a certa altura, no meio daquela escuridão, o capitão manda parar, e refere que lhe parece ser ali o local onde a operação sobre o grupo IN devia ser montada.
O dispositivo das forças foi então distribuído, de acordo com o esquema pré-delineado, partindo do princípio que estávamos no local correcto.
Em pequenos grupos ou individualmente, como no meu caso, lá ficamos abrigados nos respectivos esconderijos, esperando pelo momento de entrar em acção.
Vimos as horas a passar e… nada!
Quando a manhã raiou é que constatei bem do local que me coube em sorte. Eu estive a noite toda deitado, debaixo de uma árvore de porte e altura enormes.
“Xiça, que perigo - pensei eu naquele momento -, com aquele temporal e trovoada, e eu debaixo deste “pára-raios”! Meu Deus, que sorte a minha, nenhum raio ter atingido esta árvore. Com esta altura toda… uma faísca por aqui abaixo e lá ia o filho do meu pai desta para melhor, sem apelo nem agravo!
Ao raiar a aurora, o capitão deu ordem de reunião.
Respirei com alívio e fui-me juntar aos meus camaradas na estrada, com lama em cima de medir ao palmo, e passamos a bater a zona periférica à procura de eventuais indícios da presença inimiga.
Grande bronca, pois começamos por constatar que havíamos ficado emboscados a cerca de 150 metros, acima do cruzamento pré-referenciado!
Acercámo-nos do dito local e detectamos várias pegadas humanas fresquinhas, naturalmente de pessoas, que por ali haviam passado.
Conclusão, nós não demos pela passagem do IN e eles não deram pela nossa presença…
Foi assim uma emboscada… fracassada… da CCAÇ 462.
Nota: - Aproveito esta oportunidade para enviar uma foto rara, que mostra com direito a placa identificativa e tudo, a Fonte Longa de Ingoré, onde nos abastecíamos de água salobra. Era a única nascente natural vários quilómetros em redor. Mais tarde, outros camaradas nossos chegaram a ser ali emboscados, com resultados catastróficos. Fui lá muitas vezes buscar abastecimentos aproveitando para tomar umas boas banhocas. Era vulgar encontrarmos lá, também, muitos nativos a fazerem o mesmo.
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
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