1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2011:
Queridos amigos,
Este “balanço cultural” tem o seu significado, abarca as iniciativas culturais que foram tomadas pelas autoridades portuguesas e seus representantes em Bissau após a independência e até à época do conflito político-militar de 1998-1999.
Não conheço reflexão mais detalhada, quem possuir mais elementos neste domínio, por favor, dê-nos informação.
Um abraço do
Mário
Política cultural portuguesa em África:
O caso da Guiné-Bissau
Beja Santos
Mário Matos e Lemos foi jornalista, colaborador da televisão, conselheiro de imprensa e conselheiro cultural e director do Centro Cultural Português de Bissau entre 1985 e 1998. É autor de vários trabalhos sobre a Guiné, como “A Revolta de 1931 na Guiné”, “Os Portugueses na Guiné” e “O Primeiro Fotógrafo de Guerra Português – José Henriques de Mello”. Em “Política Cultural Portuguesa em África, o caso da Guiné-Bissau, 1985 – 1998”, edição de autor, 1999, procedeu a um balanço sobre esses anos de trabalho na Guiné-Bissau.
Começa por reflectir sobre a vida cultural existente em Bissau em 1985 e as suas estruturas de apoio: Centro Cultural Português, Centro Cultural Francês, Centro Cultural Líbio e Centro de Estudos Brasileiros ainda em construção; não havia televisão e havia a rádio oficial, o jornal “Nô Pintcha” era publicado episodicamente e com uma tiragem duvidosa. O cinema UDIB passava diariamente filmes de todas as nacionalidades imagináveis, preferentemente de guerra ou de pancadaria. Havia uma livraria do Estado onde se encontrava toda a espécie de obras publicadas pela editora progresso, de Moscovo, havia ali revistas soviéticas e revistas e livros cubanos. Livros portugueses encontravam-se os que tinham chegado às prateleiras, sobrantes da I Feira do Livro Português. Esta pobreza cultural não era fruto do acaso: em 1974, ao atingir a independência, a Guiné-Bissau contava apenas com 14 licenciados a trabalharem no seu território; doze anos depois, o INEP publicou estatísticas segundo as quais os quadros médios e superiores ascendiam a 1400 pessoas, com uma formação muito heterogénea. Recorde-se que nesses tempos ainda era frequente ser considerado antipatriota quem falasse bem português e o utilizasse fora de funções oficiais, o que contrariava a política sempre defendida por Amílcar Cabral. Os novos detentores do poder pretenderam transformar o crioulo em língua nacional. À época em que Mário Matos e Lemos chegou a Bissau já se discutia a liberalização que começou a concretizar-se a partir de 1987. Só a partir daqui é que o abastecimento do mercado conheceu alguma abundância foram aparecendo restaurantes e cafés, hotéis e residenciais. Faz ainda algumas observações sobre o acordo de arranjo monetário e a adesão da Guiné-Bissau à zona do Franco CFA (Franco da Comunidade Francófona Africana) que mereceu muita contestação devido à perda de fontes de receita já que as alfândegas constituíam a maior parte da fiscalidade.
Dado este pano de fundo, o autor lança-se sobre o quadro cultural: a questão da língua era gravíssima, falada incorrectamente pela maior parte dos professores, havia a ideia de utilizar o crioulo no ensino, isto quando o crioulo não é uma escrita definida e só lê crioulo quem conhece o português. Mário Matos e Lemos observa que na época existia uma fraca percentagem de guineenses que comunicavam entre si em crioulo e questiona se a língua de ensino podia ser o crioulo e quais os inimigos do uso do português (enuncia os franceses, os suecos e até algumas organizações portuguesas). O Centro Cultural Português procurou reagir enveredando por três áreas de actuação: intensificação dos cursos de português, desenvolvimento da biblioteca e organização de manifestações como espectáculos de cinema ou feiras de livros portugueses. Repertoria seguidamente a evolução da língua portuguesa no Centro Cultural que aparece calendarizada. Dá seguidamente ênfase à presença da língua portuguesa através da formação de professores guineenses. Ao Centro ocorriam muitas solicitações como, por exemplo, as autoridades da Guiné terem mostrado interesse em que Portugal recuperasse os retratos dos antigos governadores, muitos deles já em mau estado. Lisboa nunca deu qualquer resposta. Fez-se uma exposição de fotos dos retratos, era evidente o estado de deterioração de muitos. Valia a pena (este um à parte meu) saber o que restou desta galeria de retratos depois do conflito político-militar de 1998-1999. Destaca-se o acervo da biblioteca, as iniciativas em programa de rádio, os filmes, as conferências, os recitais de música, colóquios de historiadores, edições de livros de autores guineenses.
Outras iniciativas merecem destaque: o Projecto África, do ICALP, a cooperação com a Escola Superior de Educação de Setúbal, a criação da Faculdade de Direito, o projecto da criação da televisão, o restauro do Baluarte de Cacheu, o apoio à conservação dos arquivos guineenses e às novas instalações do Centro Cultural. À guisa de conclusão, escreve o autor: “Os Governos portugueses de depois do 25 de Abril, todos os Governos portugueses, herdaram o dilema de Marcelo Caetano: independentemente de ser Portugal o país doador internacional em todas as áreas – salvo no ensino, o que é significativo – ninguém sabe o que fazer com a Guiné-Bissau. No entanto, tal como Marcelo Caetano disse a Spínola, não se pode abandoná-la ostensivamente e é preferível sair derrotado. Todavia, a guerra travada depois da independência era, evidentemente, outra, era a batalha pela Língua Portuguesa, na qual o aliado era o próprio poder constituído e a maioria do povo guineense e o adversário era o mesmo que, no século XIX, perante a indiferença de Lisboa e o desespero de Honório Barreto, absorveu Casamansa”.
O autor termina o seu livro com uma explicação para a revolta militar de 1998-1999. Vamos referi-la em separado.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7751: Notas de leitura (200): Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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