sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7763: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (61): Na Kontra Ka Kontra: 25.º episódio




1. Vigésimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 10 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


25º EPISÓDIO

Não se sabe se houve mais dizeres em fula naquela noite. Cansados acabaram por adormecer.

Ao acordar pressentem que há alguém junto da entrada da morança. A ex-bajuda continuou deitada e o agora o seu homem prepara-se para ir tomar um banho à fonte. Pega na toalha e no sabão, abre a porta e sai. Acto contínuo três ou quatro “mulheres-grandes”, das que estavam à porta, precipitam-se para dentro da morança. O Alferes que já se afastava em direcção à fonte pára a fim de presenciar o que se estava a passar.

Não demorou muito que as mulheres saíssem da morança do Alferes e da agora sua mulher, Asmau. Uma delas trazia na mão um pano muito branco que foi agitando de modo a que todos vissem. Claro, o Alferes não percebeu de imediato o que se estava a passar. Como se seguiu uma algazarra por parte do pessoal que se ia apercebendo do pano branco que a mulher ia agitando, teve que perguntar o porquê de tudo daquilo.

O Alferes não percebeu logo o alcance da primeira explicação: As mulheres tinham ido passar o pano “pela Asmau” e como vinha com manchas vermelhas podia concluir-se que efectivamente ela tinha ido para o casamento com o “cabaço”.

Só mais tarde, em conversas com o João é que ficou a saber tudo. Primeiro era uma questão de honra para os pais da Asmau terem-na entregue para o casamento ainda virgem, depois era sabido que naqueles confins ainda se fazia questão disso. O nosso Alferes, apesar de saber pelo seu amigo Ibraim de Bafatá que aí as bajudas nem sempre se casavam com cabaço, aqui, como já tinha ouvido ao João, o pessoal queria assim.

Também ficou a saber que era importante para os pais da bajuda, constatarem a consumação do casamento, pois no caso de um hipotético divórcio isso era muito importante: Num divórcio sem consumação, ou se a bajuda já não levar cabaço, o noivo pode devolver a mulher aos pais recebendo o dote de volta. Num divórcio com consumação o homem entrega a mulher aos pais sendo o dote devolvido, metade para o homem e a outra metade para a mulher.

O Alferes compreendeu todas as explicações sobre o assunto. Não deixou de considerar um tanto degradante para a mulher a cena do pano branco, embora se saiba que em muitos locais do chamado mundo ocidental foi prática não muito distante, exporem-se os lençóis da noite de núpcias, com os mesmos fins. Não deixou porém de pensar no que é o acto mais aviltante para as mulheres africanas, praticado em bajudinhas de dez, doze anos: O fanado. Uma mulher grande calcando com os joelhos os braços da bajudinha, outras segurando-lhe cada perna mantendo-as afastadas e uma outra com um qualquer objecto cortante faz-lhe a ablação de tudo o que mais tarde poderia proporcionar prazer sexual à bajuda. Teve sorte a bajuda Asmau e também o nosso Alferes.

Logo no primeiro dia após o casamento, os dois pombinhos passam a comer na sua morança. Ainda tinham restos de carne pelo que a Asmau se limitou a fazer um pote de arroz. O aspecto do arroz fumegante era óptimo. O nosso Alferes conseguiu sem grande dificuldade que a sua mulher passasse a comer o arroz com uma colher e não à mão, como era costume com todo o pessoal da tabanca. Comerem do mesmo tacho, como também era habitual, não afligia o Alferes, pois se tratava da sua mulher com quem agora tinha todas as intimidades.

Antes o nosso Alferes ainda vai à mesa onde já estavam os seus homens à espera que o “legionário”, o cozinheiro, lhes servisse o almoço. O Dionildo, com um c… f… pelo meio, não deixou de lhe perguntar se tinha dormido bem. Os outros, já meios desinibidos, não deixaram também de “brincar” com o seu Alferes. Este quando já não estava a achar graça à brincadeira, pega em duas cervejas que estavam embrulhadas com um pano molhado para as arrefecer e dirige-se para o pé da sua amada.

Ambos sentados numa esteira à porta da morança iniciam a sua primeira refeição. Com a primeira colherada de arroz que o Alferes mete à boca faz uma careta, sorri para a Asmau, engole-o, levanta-se, vai ter com o “legionário” e pouco depois está novamente sentado para continuar a refeição.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7755: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (60): Na Kontra Ka Kontra: 24.º episódio

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