quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7748: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (59): Na Kontra Ka Kontra: 23.º episódio




1. Vigésimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


23º EPISÓDIO

Nos dias seguintes o Alferes continua a fazer os patrulhamentos diários à volta da tabanca, cada vez mais longe. O não aparecimento de vestígios do inimigo é um bom presságio para o casamento. Durante os percursos vai sempre pensando como resolver os problemas que daí podiam resultar. Decide que no próprio dia reforçará as sentinelas metidas na mata. Morança tinha a sua, que chegava perfeitamente. É preciso arranjar uma cama para colocar ao lado da sua onde se deitará a Asmau… para dormir. Com toda a certeza ela trará a sua. Passa-lhe pela cabeça a ideia de continuar com a mesma lavadeira, que além de lavar a sua roupa lavaria também a da sua princesa, pois princesas não lavam roupa. Rapidamente chega à conclusão que seria uma péssima ideia colocar a Asmau sem nada que fazer. A própria deverá querer, à boa maneira africana, tratar da roupa do seu homem.

Tudo parece que se está a resolver de forma simples para o nosso Alferes. Está a esquecer-se dum “pequeno pormenor” que só detectará depois do dia do casamento.

1969. Princípios de Julho. Dia marcado para o casamento. O Alferes não deixou de dormir um pouco em sobressalto, como qualquer outro noivo. Com a noiva possivelmente ter-se-ia passado o mesmo.

Levanta-se, “enfia” uns calções e as botas militares que, juntamente com o ar ensonado lhe conferem um aspecto nada próprio de um noivo. É sua intenção ir direito à fonte tomar o seu primeiro banho. Ao sair da morança começa a achar que já não deve ser assim tão cedo pois há muito pessoal por ali, o que não era habitual. Também nota que o pessoal africano, sobretudo as mulheres, estão vestidas com panos mais garridos. Cheira a carne assada. Cai em si, havia festa na tabanca. Ia haver casamento, o seu. Tão rapidamente toma banho, como se veste a preceito. Enverga pela primeira vez a “sabadora” encomendada aos milícias que tinham ido fazer compras ao “Regala” em Galomaro. Também pela primeira vez se apercebe da frescura que aquela roupa proporciona, contrariamente às vestes europeias.

Depois do café não pôde deixar de deambular pela tabanca recebendo e retribuindo cumprimentos. Está algo emocionado por se sentir integrado naquela comunidade. Não deixou de passar pela morança do Adramane. A Asmau era o seu objectivo mas ela não apareceu ou não quis aparecer, o que não incomodou o Alferes pois já sabe que é francamente correspondido.

Fora da morança vê o que lhe parece ser o seu recheio posto a arejar. Estará ali tudo que se pode ter numa casa africana: Muitas meias cabaças, tachos, panelas, uma arca aberta com roupas e panos, aparentemente a tomar ar, algumas garrafas com bebidas, mais panos, um gorro de lã, vários embrulhos.

O gorro que deram de prenda ao Alferes.

Está o Alferes a contemplar aquele estandarete quando um dos seus homens se lhe dirige:

- “Manga” de prendas, meu Alferes.

Só aí é que ele compreendeu a situação. Eram as prendas para o casal que, como é costume, se expõem à porta da morança da noiva para todo o pessoal ver.

Conversa com um, conversa com outro, depressa se aproxima a hora do almoço melhorado, que irá ser precedido da cerimónia propriamente dita, o casamento. Em Madina Xaquili, tabanca pequena, não há mesquita nem “imami” cabe pois ao Chefe de Tabanca, Adramane, muçulmano convicto, realizar a cerimónia. Quando todo o pessoal, excepto as sentinelas, se reúne ao pé da sua morança dá início à cerimónia, palavras não compreensíveis para os europeus não muçulmanos. Depois de ter lido umas passagens do Corão, porventura semelhantes às de um casamento católico, vira-se para o casal, à sua frente, e declara-os casados.

Todos foram desejar felicidades ao casal e o pessoal africano vai-se dispersando em grupos entoando cantares nas línguas das suas etnias, totalmente incompreensíveis para o Alferes e o seu pessoal metropolitano. A alegria era muita e sincera.

A seguir todo o pessoal vai comer e beber. Há duas mesas cheias de perfeitas iguarias, para aquele fim de mundo. A da noiva, junto da morança dos pais e a do noivo, a mesma onde comia todos os dias. Em ambas há de tudo à fartura: Cabrito assado, arroz branco, “siga” de galinha com óleo de palma, caldo de mancarra, diversos bolos à base de mancarra, de confecção local e, pasme-se, há dois bolos perfeitamente europeus, de aspecto e sabor, um de laranja e outro de chocolate. É uma surpresa do João. Tinha mandado comprar no comerciante “Regala” em Galomaro dois bolos enlatados que depois de se retirarem da lata parecem acabados de fazer.

Foi bebedeira para uns, festa para todos, excepto para o milícia Samba que, depois de comer se retirou. O Samba sempre tinha gostado da Asmau só que ainda não tinha conseguido o dinheiro suficiente para dar ao pai dela. Felicidade de uns, infelicidade de outros.

O nosso Alferes, embora já esteja liberto do acordo com o Adramane, ainda não se sente muito à vontade com a, agora, sua mulher. De qualquer modo conversaram mais, chegam a abraçar-se, beijam-se.

Está a chegar a noite. Os dois vão comer mais alguma coisa e antes de se recolherem são avisados que precisam da sua presença no “bentem”. O Braima, músico da tabanca, queria dedicar e oferecer ao Alferes uma composição musical. Não faz da música e do canto a sua profissão, ou seja não se considerando “jideu” não ganha a vida à custa de loas dedicadas a “homens grandes” importantes, que vaidosamente lhes pagam. O momento é inesquecível para o nosso Alferes que, comovido às lágrimas, muito agradece. Não tarda que, finalmente, o Alferes leve a Asmau para a sua morança.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7743: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (58): Na Kontra Ka Kontra: 22.º episódio

3 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Conforme referido no 1º comentário do 1º Episódio:

Glossário do 23º episódio:

MANGA: Muito, muita.
MANGO: Fruto do mangueiro.
IMAMI: Chefe religioso.
SABADORA: Veste, normalmente branca, até aos pés, dos africanos.
JIDEU: Judeu, compositor musical profissional.
SIGA: Cozinhado à base de amendoim, quiabo, jacatu e óleo de palma.


Um abraço a todos e até ao próximo.
Fernando Gouveia.

Anónimo disse...

http://prixviagrageneriquefrance.net/ commander viagra
http://commanderviagragenerique.net/ prix viagra
http://viagracomprargenericoespana.net/ viagra
http://acquistareviagragenericoitalia.net/ costo viagra

Anónimo disse...

http://achatcialisgenerique.lo.gs/ achat cialis
http://commandercialisfer.lo.gs/ cialis vente
http://prezzocialisgenericoit.net/ tadalafil comprare
http://preciocialisgenericoespana.net/ cialis generico