domingo, 6 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7734: Agenda cultural (107): Hoje, na SIC, Grande Reportagem, às 21h15, retoma-se um episódio bem amargado da guerra na Guiné, já tratado exaustivamente no nosso blogue há mais de 3 anos...





Guiné > Região do Cacheu > Bula > CAV 2487/BCAV 2862 (1969/70) > Sábado, 18 de Outubro de 1969 > Dois mortos e um ferido no final da Op Ostra Amarga (também ironicamente conhecida como Op Paris Match)... As NT (2 Gr Comb da CCAV 2487, comandadas pelo Cap Cav Sentieiro, hoje Coronel), caiem num emboscada do PAIGC... O combate é presenciado por jornalistas estrangeiros e registado em filme por uma equipa da televisão francesa, "embebbed" nas NT...  Entre esses jornalistas estava Geneviève Chauvel (na foto, em primeiro plano, sentada e, em segundo plano,  o Cap Cav  Sentieiro, no rescaldo da emboscada).  


Foto: © José Sentieiro (2007) (Gentilmente cediada ao nosso co-editor, Virgínio Briote).


1. A SIC, no seu programa Grande Reportagem, na edição de hoje, às 21h15, dedicada ao início da guerra colonial há 50 anos, em Angola (4 de Fevereiro de 1961), diz no seu sítio que o episódio de hoje, "A Emboscada", conta a história de um ataque a uma patrulha portuguesa na Guiné... E garante: "Imagens inéditas... A guerra colonial como nunca a viu" (*)... 


Na realidade, este episódio já foi aqui tratado por nós há mais de 3 anos, de maneira exaustiva e com grande profissionalismo, graças sobretudo à competência e ao empenhamento do nosso co-editor Virgínio Briote... Não sabemos se há ou não factos novos na apresentação e análise deste episódio de guerra (ocorrido no sector de Bula, num sábado, 18 de Outubro de 1969, no ano em que o homem pôs o pé na lua...), por parte da equipa da Grande Reportagem (no vídeo de menos de 4 minutos que está disponível do sítio da SIC > Grande Reportagem,  há apenas curtas intervenções do Cor Cav Ref José Sentieiro, da ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande, Rosa Serra, e ainda e do nosso camarada, natural de Peniche, Leonel Martins, que viu morrer a seus pés o seu amigo e conterrâneo Henrique Ferreira da Costa; o outro morto foi o António da Silva Capela, de Ponte de Lima; as NT pertenciam à  CCAV2487 / BCAV 2862, Bula, 1969/70)...


Mesmo que a televisão trate, em geral,  com superficialidade este e outros acontecimentos da nossa história contemporânea, já recomendámos aos nossos leitores a atenção para a emissão da Grande Reportagem de hoje... Mas não se diga que as imagens são "inéditas" (sic): o trabalho da SIC utiliza excertos do vídeo produzido pela equipa da televisão francesa, ORTF (**), e já amplamente divulgado e enquadrado por diversos postes nossos em Novembro e Dezembro de 2007, portanto há mais de 3 anos... 


Também Diana Andringa e Flora Gomes, no seu documentário As Duas Faces da Guerra (2007), já haviam utilizado excertos desse vídeo, francês, de 14 minutos... No filme, já eram entrevistados o Cor Cav Ref José Sentieiro e outros dois  protagonistas dos acontecimentos,  o Leonel Martins e o Pedro Gomes (este entretanto falecido).


Não sei se a equipa da Grande Reportagem conseguiu contactar, como pretendia, alguns dos jornalistas franceses que iam "embebbed" na coluna emboscada (antes de se tornar moda)... Como dissemos na altura, havia pelo menos uma mulher, uma jornalista francesa (hoje, escritora, autora de romances históricos,  Geneviève Chauvel , de seu nome)... Ela terá sido uma das raras mulheres, jornalistas, estrangeiras, a testemunhar uma cena de combate no TO da Guiné, no período da guerra colonial, no decurso da Op Ostra Amarga (também designada ironicamente por Op Paris Match) (***).

Recorde-se aqui o excelente trabalho dessenvolvido pelo Virgínio Briote (VB): Na sequência de contactos com Cor Cav Ref José Sentieiro, a viver em Torres Novas, o nosso co-editor localizou, na Internet, a bela e misteriosa jornalista francesa e correspondeu-se com ela...

Já demos conta desse aventura... à procura do tempo perdido, publicando parte da correspondência entre ambos...

Como editor do blogue, manifestei, na altura,  o meu grande apreço pelas diligências feitas pelo VB, a sua persistência, a sua inteligência emocional, a capacidade de utilização da sua rede de contactos sociais (ou não tivesse sido ele um homem do marketing farmacêutico, a par de um grande operacional, comando, na Guiné)...







Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > Sábado, 18 de Outubro de 1969 >  Spínola, que dera cobertura à operação jornalística, apressa-se a aparecer no local, acompanhado pelo seu ajudante de campo, Almeida Bruno bem como pelo comandante do BCAV 2862, Ten Cor Morgado... Na foto, de costas, o Cap Cav José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485, que por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir este patrulhamento. ~


Imagem obtida no rescaldo da emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487. Cópia da imagem do Paris-Match.






O General Spínola, ladeado pelo Major Alameida Bruno (de G3 e luvas), Major João Marcelino (2º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o Ten Cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada no  local, no rescaldo após a emboscada. Imagem extraída da edição do Paris-Match nº 1071, de 15 de Novembro de 1969.




2. Sobre o General Spínola, escreveu Chauvel no semanário Paris-Match, quase um mês depois da emboscada:

Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.



Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”. 


Fonte: Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).(****)


__________


Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 >Guiné 63/74 - P7679: Agenda cultural (103): Programa na SIC com o Cor. Sentieiro - o Capitão da "Ostra Amarga" – 6 Fevereiro 2011 (Virgínio Briote)

(**) 8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)


(***) Vd poste de 15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)


Vd. também os postes de:


8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)


11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)


13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

13 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Por vezes o silêncio vale mais que mil palavras.
não se fica com uma muito correcta do "soldado português"...parece-me.

Não quero continuar. é o tal silêncio...
para quem lá esteve e caiu ou montou emboscadas ficou com uma recordação, para quem só de longe ouviu tiros e rebentamentos ou outros que nem por isso passaram terá outra...e ao ver este documentário e montagem ficará com que pensamento sobre a guerra???

Uma que me parece abrangente, a guerra é uma merda!!!

AB T

Anónimo disse...

Vi!

Não foi novidade de fato dado já todos julgo eu, termos debatido e visto as imagens dos jornalistas franceses.

Pois é foi a guerra!

Quantos casos idênticos ou piores aconteceram?

Obrigado ao sr. coronel Sentieiro e à nossa querida Rosa Serra, fluindo extraordinariamente nos seus comentários.

Terminando!

Será que este país se apercebeu que ainda há centenas de milhares de ex-combatentes que viveram momentos identicos?

Será que alguém vai dar a volta ao ostracismo a que esses combatentes foram votados?

Lá longe!

Aos de côr, deram-lhe um tiro na nuca ou cortaram-lhe as mãos.

Aqui bem perto!

Silenciaram-nos.

Valeu a pena!

Acorda povo triste!

Do tamanho da Guiné o fraterno abraço a todos os combatentes.

Mário Fitas

Anónimo disse...

Meus Amigos!

Nunca pensei que 50 depois do princípio da guerra, me emociona-se tanto com a reportagem de hoje.

Sempre vos admirei, mas hoje, quero prestar-lhes a minha desnecessária, mas contudo sentida solidariedade e dizer-lhes do meu apreço pelo vosso esforço para defender uma causa injustificada.

O meu obrigada sincero a todos que obrigados, arriscaram e perderam a vida e praticaram actos que indubitavelmente os marcaram para sempre.

Hoje compreendi melhor a dimensão do caso.

Aceitem por favor, o meu abraço sentido.

Felismina Costa

Luís Graça disse...

Afinal, a Geneviève Chauvel sempre apareceu... Do seu depoimento, conclui-se o seguinte: (i) inicialmente, o comando do batalhão (?) ter-se-á oposto à sua integração na força que ia sair em patrulhamento, com o argumento de que era mulher e era preciso caminhar toda a noite; (ii) na Guiné teve o seu baptismo de fogo e ficou chocada com a imagem do corpo, nu, despedaçado, do António da Silva Capela, que teve morte imediata: não terá conseguido fazer fotos do morto, por pensar que nenhum jornal as publicaria...; (iii) fala de Spínola como um militar "aristocrático", "corajoso"... (Terá havido ainda uma flagelação, a seguir à emboscada, já com o Spínola no terreno; toda a gente se deitou ao chão; Spínola manteve-se com uma postura digna, só com um joelho no chão e apoiado no pingalim)...

Impressionante foi a entrevista da viúva do soldado clarim Henrique Ferreira da Anunciação Costa, natural de Ferrel, Atouguia da Baleia, Peniche... Ficou viúva, com uma filha nos braços, nunca mais se voltou a casar...

Pode no entanto perguntar-se o que faz um soldado clarim na cabeça de um Grupo de Combate num patrulhamento ofensivo...

Luís Graça disse...

Veja-se o sítio da Geneviève Chauvel, que agora se dedica à escrita de romances históricos

http://www.genevievechauvel.fr/

Do seu passado de "repórter", ficou uma centena de fotos, incluindo
"portraits de chefs d'Etat ou de personnalités comme Yasser Arafat, Hussein de Jordanie, le Président Vietnamien Nguyen Van Thieu, l'empereur Haïlé Sélassié, le général Spinola, le colonel Kadhafi, le Président Sadate, le général Dayan, le roi Constantin de Grèce, le Shah d'Iran, Chapour Baktiar, les émirs du Golfe"...

Para ver estas fotos no portal Cornis (incluindo a do General Spínola, em 18 de Outubro de 1969),
clicar em:

http://pro.corbis.com/Search/SearchResults.aspx?q=Chauvel+Genevieve

manuelmaia disse...

Com enluvada mão p`ra não sujar,
o delicado dedo polegar
AB busca holofotes/projecção...
Na foto Paris-Match, ar gurrilheiro,
os óculos Ray-ban,porte altaneiro,
G3 traz levantada posição...

Anónimo disse...

Impressionante, realmente, o depoimento da viúva. Que dignidade!
Conheço um caso idêntico em que a viúva ficou com dois filhos e um a chegar. Também não voltou a casar. E o mesmo deve ter acontecido com inúmeras viúvas de Guerra.
Haverá, Luís, algum estudo sociológico sobre as viúvas de guerra?
Um abraço,
Carlos

Silva disse...

Caro Luis Graça,
Perdoa-me por não conhecer o processo, tratado há 3 anos. Confesso que vou agora consultá-lo ao de leve.
Após tanta propaganda, sobre esta reportagem inédita, senti curiosidade em vê-la. Porém, cedo me apercebi que aquela encenação, com artistas convidados, devidamente catalogados por divisas, galões, luvas, pingalins, monoculo e óculos ray bant, e em poses cinéfilas, não eram da minha guerra. Desculpem, mas quem andou lá mesmo no barulho, não actuava assim. Pois, a coisa acabou mal para alguns, o que era normal e quotidiano e, afinal, acabou bem para a reporter e até para a SIC.

É realmente de uma tristeza confrangedora, identificar isto com a realidade do que lá passámos.

Um abraço de solidariedade para todos os que, com mais ou menos azares, sofreram na pele essa guerra inglória.

Silva da Cart 1689

Luís Graça disse...

Gostei também, muito particularmente, do depoimento da Rosa Serra, ex-enfermeira pára, e membro da nossa Tabanca Grande, que, se bem entendi, estava de serviço nesse fatídico dia e veio no heli para a evacuação dos feridos…

Merecedora do meu respeito é a sua sensibilidade, a sua experiência e a sua reflexão sobre as reacções dos muitos feridos que tratou e acompanhou, até ao HM 241, em Bissau (ou noutros teatros de operações) em, condições sempre dramáticas…

Em grande sofrimento, muitos desses feridos, lutando entre a vida e a morte, preocupavam-se, não com eles, mas com a mãe, a mulher, a namorada… Sempre a figura protectora da mãe: ”O que vai dizer a minha mãezinha?!”…

Luís Graça disse...

Meu caro Silva, a guerra também se ganha(va) no campo "mediático"... A autorização veio de cima, do Com,-Chefe.. Os franceses pescavam-nos o olho e vendiam-nos material de guerra...Daí toda esta agitação, em Bula, à volta dos jornalistas francesas e sobretudo da "mademoiselle"...

Anónimo disse...

Caríssimo Luís Graca! Um obrigado sincero por,depois de ler o teu último comentário,ter finalmente compreendido porque é que o Sr.General "Cá olho Baldé" usava monóculo. É que os franceses........"PESCAVAM-NOS" o olho! Aquele abraco!

Anónimo disse...

Mas meu Caro Editor! "à volta dos jornalistas...francesas"? E estou eu,aqui,a falar Mirandês com as minhas renas! Skål!

Anónimo disse...

Eu faço uma ideia.Depois do regres_
so a França,eles e provávelmente
militares combatentes da Indochina
(Dien Bien Phu)e ou Argélia,a gal_
hofa à nossa"pala".A má preparção e
ingeniudade ao mesmo tempo(aquele
camarada a fumar em plena patrulha
largando o fumo e o cheiro do taba_
co)a completa desorganisação após
os rebentamentos,não se vê uma se_
rança do perimetro,era o in querer
e apanhava-los á mão.Deve ter sido
a ideia que tiveram de nós,ao verem
a"peça".Não estive na Guiné.Em Mo_
çambique também fomos visitados por
reportéres franceses,quatro homens
um deles com cara de oriental,já
tinham estado na Argélia e no Viet_
man,sabiam mais de guerra de guer_
rilha,que nós todos juntos e eu
comprovei que assim era.Pelas suas
narrativas e algumas fotos.trouxe_
ram-me à lembrança Jean Lartéguy e
Jules Roy,que eu havia lido como
uma "advertência"para aquilo que me
esperava.A França não aguentou o
"balanço"apesar da suas Elites,
quanto mais nós.Também não trataram
com respeito os seus soldados e os
franceses no entanto,têm outra visão destas coisas.Não se fazem de coitadinhos ou de martires,nem
têm que pedir desculpa a ninguém e
eles fizeram das"boas".Nós meus se_
nhores andamos a "chorar"pelos
cantos e a mendigar o merecido
respeito.A França apesar de tudo ñ
mudou de"donos".Nós, os ventos ago_
ra sopram doutros quadrantes,se
eramos ignorados,agora por razões
óbvias,ainda mais.Ainda tinha mais
para dizer,mas para ser crucificado
é quanto basta.
Alberto Guerreiro.







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