1. Quadragésimo sétimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 14 de Março de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
47º EPISÓDIO
Um dia resolve ir a Bafata, mais para reviver os velhos tempos e também os guineenses amigos que lá deixou. Na Asmau não deposita grande fé. Dada a apregoada esperança de vida dos guineenses o mais certo seria ter morrido. Se ainda viver, com cinquenta e muitos anos, deve estar velha e enrugada. Num Domingo mete-se à estrada. Passa por Safim onde é obrigado a parar por várias barreiras, policiais e do exército. São barreiras caricatas que obrigam os carros a parar com o auxílio de umas velhas cordas, com farrapos pendurados para se verem melhor. Uma pessoa é obrigada a parar e um guarda muito calmamente começa a dar voltas ao carro. Nada acontecerá enquanto o condutor não der o chamado “mata-bicho” ao polícia. Magalhães Faria depressa se apercebe como resolver a situação e passa a andar no “tabelier” com uma embalagem de barras de cereais. Em cada paragem uma barrita é suficiente para baixarem logo a corda.
Continuando a conduzir para Bafata, passa por Nhacra e Jugudul onde um velho amigo tem uma destilaria de aguardente de cana. No regresso parará ali para o cumprimentar. A estrada, agora uma recta com uns vinte quilómetros, atravessa as zonas de Madina Belel e Mato de Cão, ao tempo santuários do PAIGC. Não deixa de sentir alguma emoção. Chega a Bambadinca, que está perfeitamente irreconhecível. Tinha crescido imenso. Só consegue reconhecer o local do antigo quartel pelas antenas. O mercado de rua ajuda à confusão. Dentro da tabanca aparece um cruzamento. Para a esquerda diz Bafata 28 km, para a direita Xitole e Saltinho. Pára o Jeep. A placa com a palavra Bafata mexe com ele. Só ao fim de alguns minutos é que resolve arrancar.
A palavra Bafata “mexe” com Magalhães Faria.
(Foto de José Manuel)
Não virou à esquerda como devia mas sim à direita. Estava-lhe a custar enfrentar a realidade. Tinha acabado de resolver ir primeiro ao Saltinho, que não conhecia e sabia ser um local muito belo. Almoçaria lá e à tarde iria a Bafata. Nitidamente Magalhães Faria estava apreensivo em relação ao que podia vir a acontecer em Bafata. Chegado ao Empreendimento Turístico do Saltinho, que ocupa parte do antigo quartel e, antes de almoçar um óptimo prato de peixe bica, vai refrescar-se no Rio Corubal, que atravessa a nado depois de lhe confirmarem que por ali já não havia crocodilos. Embora tenha almoçado na esplanada, não deixa de ver na sala de refeições, as coloridas pinturas que as diversas Companhias da tropa portuguesa fizeram nas paredes. O Senhor Fernando, dono do empreendimento, leva-o a visitar todas as instalações mostrando-lhe até um tanque, com uma alta vedação de rede, onde tem os seus crocodilos de estimação. Magalhães Faria não deixa de ter um calafrio por ter andado a nadar calmamente no Corubal.
Magalhães Faria junto ao Corubal.
Despede-se do Senhor Fernando e ruma a Bafata. Em Bambadinca não pára, mas não deixa de reduzir a velocidade como dando tempo para os seus pensamentos se ordenarem, quiçá, dar meia volta e ir para casa. Absorto como ia, só dá conta que está a chegar a Bafata quando atravessa a ponte sobre o rio Colufe. Também não reconhece Bafata. Cresceu tanto que até há construções onde existia a pista de aviação. Resolve ir ver o que foi o seu quartel, o Comando de Agrupamento. Ainda funciona como quartel. Os militares presentes não põem quaisquer obstáculos e o ex-alferes chega a tirar uma fotografia sentado na, que deve ter sido, a sua cama de ferro, ainda utilizada. Uma grande emoção.
Magalhães Faria sentado no que pode ter sido a sua cama há 40 anos.
Princípio de tarde e o calor aperta. Magalhães Faria resolve ir beber uma cerveja a um café-restaurante, no rés do chão dum prédio situado na parte de construções coloniais, agora quase toda em ruínas. Por cima é a sede dos Médicos do Mundo. O restaurante pertence a um casal de portugueses mais ou menos da sua idade. Palavra puxa palavra, grande NA KONTRA, o dono é, nem mais nem menos, a mesma pessoa que há quarenta anos lhe deu boleia de Bambadinca para Bafata, na primeira vez que o ex-alferes regressou à Guiné, após férias na Metrópole.
O civil que há 40 anos deu uma boleia ao então
Alferes Magalhães.
Depois de tirar uma fotografia, despede-se e promete voltar para recordar os velhos tempos. Já no jeep, com ar condicionado, resolve definitivamente ir procurar a Asmau, quanto mais não fosse para a ajudar em alguma coisa que precisasse, caso ainda fosse viva. Pensa que será junto de algum africano que poderá obter informações do paradeiro duma mulher grande, de quem só sabe o nome. Lembrou-se do ourives de Bafata, de nome Tchame, que conhecera há quarenta anos na Tabanca da Ponte Nova. Ouvira dizer que na oficina, estava agora um filho. Para lá se dirigiu. Disse ao actual ourives que tinha conhecido o seu pai e que nesse tempo lhe tinha comprado umas peças. Achou a oficina igual à que conhecera quarenta anos atrás. Finalmente perguntou:
- Conhece uma mulher grande chamada Asmau?
O filho do célebre ourives de Bafata, Tchame.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7939: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (82): Na Kontra Ka Kontra: 46.º episódio
1 comentário:
Fernando Gouveia
Isto aos bocadinhos é um "põe quase..."
Já não apanho tudo. Espero o livro. O Ourives de Bafatá era um artista.
Vai tratando do livro e um abraço do T.
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