quarta-feira, 16 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7952: Notas de leitura (219): A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Março de 2011:

Queridos amigos,
Depois de ler o trabalho de Dalila Mateus (ainda há outro para fazer recensão) fica-se com a ideia que é totalmente inglório propor uma história consolidada da guerra de África sem passar a pente fino os arquivos da PIDE, hoje na Torre do Tombo, afinal há mesmo informação sobre aqueles anos ainda na penumbra, entre 1960 e 1962. Os historiadores que não ignorem este caudal informativo.

Um abraço do
Mário



A PIDE/DGS na guerra da Guiné (2)

Beja Santos

A tese de doutoramento de Dalila Cabrita Mateus continua a ser o documento mais completo que se possui sobre as actividades da PIDE/DGS na guerra colonial (“A PIDE/DGS na Guerra Colonial, 1961-1974”, por Dalila Cabrita Mateus, Terramar, 2004). No texto anterior, procurou-se, de acordo com a organização da investigação, sumariar e implantação e o modo de funcionamento da PIDE em África, quais os métodos de repressão utilizados e como estes se conjugavam com o aparelho judicial e, por último, passou-se em revista a natureza das linhas de actuação ao nível de assassinatos, operações militares, sabotagem e desmantelamento de redes. O capítulo 4 aborda as informações, é o prato de substância das implicações das actividades da PIDE na Guiné. A investigação de Dalila Mateus também se debruça sobre as relações externas da PIDE/DGS, mas que muito pouca influência teve no seu funcionamento na Guiné e as representações desta polícia política em escritores portugueses, mas nenhum deles combateu na Guiné.

As informações, estima a autora, terão sido o principal contributo da PIDE para a guerra colonial. A notícia das origens do PAIGC encontra-se nos apontamentos elaborados pelo inspector José da Costa Pereira e remontam à presença de Amílcar Cabral, em 1952, na Guiné, e à tentativa de se criar uma associação recreativa e desportiva. A massa de informações acompanha, no essencial, o que já é conhecido, no entanto há que reconhecer que este material carece de ser carreado para a história da Guiné, naquilo que são apontamentos substantivos do pré-anúncio da guerra. Regista que a propaganda do PAIGC apareceu em 1962 e que a polícia logo procurou capturar os responsáveis, o que veio a acontecer com as prisões de 13 de Março desse ano, foram detidos o presidente do partido e um membro do Comité Central. Nesse ano houve ataques violentos à aldeia de Morés, foram efectuadas muitas prisões, 250 africanos foram enviados para o Tarrafal. Bissau viveu o recolher obrigatório em certas épocas. No âmbito destas informações, aparecem registados os diferentes endereços do PAIGC em Conacri e em Dakar. Igualmente os arquivos guardados na Torre do Tombo contém informações sobre divisões no seio do PAIGC. Por exemplo, a referência em Setembro de 1972 de um grande descontentamento reinante entre os elementos guineenses, por estarem a combater enquanto os cabo-verdianos ocupavam lugares de destaque em Conacri, vivendo com desafogo.

Quanto à organização militar do PAIGC, há o registo da criação das FARP – Forças Armadas Revolucionárias Populares, da Guerrilha Popular e da Milícia Popular e há notícias sobre a divisão em áreas, zonas e regiões, dados que vieram a demonstrar-se serem fidedignos. A relação das bases do PAIGC é bastante detalhada no que toca àquelas que estavam implantadas na República da Guiné. No interior da Guiné-Bissau, de acordo com a documentação existente, há dados sobre as bases na Inter-Região Sul e na Inter-Região Norte. Na primeira, há elementos sobre Madina do Boé, Injassame, Caboxanque, Calambante, Canhamina e outras, o hospital de Incamar, as bases de Banta e Uname, perto de Buba, Baranson na área de Tite. Refere-se concretamente que na base de Queneba, na área do Boé, o PAIGC teria dois lança-mísseis e na base de Cassacá um canhão sem recuo. Quanto à Inter-Região Norte, a base de Morés era a posição principal mas são referidas muitas outras. Há igualmente dados sobre as rotas de abastecimento, como o material chegado a Conacri era encaminhado para diferentes campos e bases, todos estes relatórios dão também conta da evolução do armamento. A partir de 1973 há informações alarmantes: a chegada de tanques de guerra e veículos anfíbios, carros blindados, canhões D-44 de 85 mm, etc. A pedido do Secretariado de Defesa Nacional, a PIDE fornece dados sobre os meios navais e aéreos do PAIGC: três vedetas rápidas do tipo P6, três a sete lanchas de desembarque, um barco de transporte, um estaleiro de reparação; e a informação de terem vindo da União Soviética vários pilotos de avião e apontadores de armas antiaéreas. A PIDE também informa que o PAIGC tencionava utilizar em breve pistas de aviação em Madina de Boé para os aviões MIG que possuía em Conacri. E afirma que o PAIGC pretendia efectuar bombardeamentos aos principais centros urbanos. Permito-me duvidar desta informação, não só não é credível a possível utilização de pistas de aviação em Madina de Boé como todos os depoimentos dos altos dirigentes do PAIGC têm ido em sentido contrário, não há nenhuma notícia de que os aviões MIG iriam ser utilizados sobre o território guineense. É facto que estes aviões chegaram a Bissau depois da independência, mas não há nenhum relatório indiciador da sua utilização durante o conflito.

A PIDE registou informações sobre cursos de dirigentes, mesmo com o pormenor dos centros de instrução militar estrangeiros em que se efectuaram. Toda a situação militar na Guiné é acompanhada com detalhe, a partir de 1963.

Em jeito de conclusão, a autora recorda a reorganização da polícia política no início da década de 60, observa que o quadro legal desta polícia em Angola, na Guiné e em Moçambique cresceu exponencialmente até ter atingido um total de 2222 elementos em 1972, não deixando apontar que os lugares do quadro estavam longe do preenchimento. “Mais de metade do pessoal da polícia tinha apenas a 4.ª classe, embora nos seus quadros superiores existissem licenciados. Cerca de um terço dos efectivos viera de corpos policiais e militarizados, como a GNR, a PSP e a Guarda Fiscal. A guerra colonial atraiu à PIDE bastantes militares e agentes de outras polícias. Os grandes contributos da PIDE para a guerra colonial foram: a repressão, o desenvolvimento de um muito variado tipo de operações e a recolha e tratamento de informações. Está registada a sua violência, a sua acção repressiva, a sua actuação nas prisões e campos de concentração e o acervo de informações é de um valor indiscutível para o estudo mais aturado dos três teatros de operações. O registo sobre o moral das tropas não pode ser ignorado, sobretudo no caso da Guiné.

“A História da PIDE”, de Irene Flunser Pimentel, é oferecida à biblioteca do blogue.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7946: Notas de leitura (218): A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974 (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Terreno minado Mário B. Santos.
Terminaste a parte dois e ultima.

É curioso que, mesmo depois de aqui nos trazeres tantos e tantos livros, ainda, um ou outro não compreenda o teu modo de apresentar a escrita e as ideias de outros. Sem ser amorfo ou caixa de ressonância....vidas.

Abraço Do T.

JC Abreu dos Santos disse...

... «um ou outro não compreenda o teu modo de apresentar a escrita e as ideias de outros».

Oh oh, se compreendo! Os seus modos; e não só. De há muito; e muito antes de Mário António Beja dos Santos, aqui nos aparecer, em recensões.

JC Abreu dos Santos disse...

Caro Torcato José Mendonça da Silva, que combateu em matos, lalas e bolanhas do centro-leste da Guiné.
Quem habitualmente visite este blogue, conhece o seu desempenho militar, o que pensa e opina, e modos como se expressa em comentários.
Falta conhecer o que pensa, substantivamente, sobre os tais "modos" pelos quais - segundo esta sua interpretação das capacidades de um qualquer visitante deste blogue -, o seu camarada MBS parece não logra "passar a mensagem"... Posto que, "burro sou eu", bem acompanhado: por fulano, beltrano, sicrano, etc., escusando-me citar pessoas que aqui também lêem e sabem muitíssimo bem interpretar o que lêem, o que lhes é proposto ler, quer em forma como em "conteúdos" e "modos", mas simultaneamente quais os subliminares objectivos, pontuais ou de mais longo alcance, os critérios bibliográficos, etc., de quanto respeite à nossa História recente desde há meia-dúzia divulgada via internet, por exemplo, por intermédio deste blogue especificamente "dedicado à partilha de memórias de quem cumpriu serviço militar na Guiné".
Se o comentário de Torcato não visa a matéria do livro e o que, daquele, nos é apresentado pelo recensor MBS, visa exactamente o quê? Ou quem? Ou trata-se, apenas, da continuidade do seu estilo de entrecortados comentários avulso, que nada adiantam para o esclarecimento do que quer que seja?
Se é comigo, quem sobre o proposto tema colocou pertinentes questões, 'de la palisse', então uma vez mais sou forçado a interromper o princípio de não comentar comentários. Tanto mais que, ao fim e ao resto, Torcato nos oferece a imagem de co-educador do povo: sabe interpretar, neste caso, a escrita de MBS; enquanto aos demais, passa implícito atestado de iletrados funcionais.
Quanto ao seu presumido aviso, a quem patrulhe o trilho: cuidado, "terreno minado"... Por quem, e com que obscuras intenções, fará a fineza de explicar, para meu benefício e dos demais leitores... asininos, se a albarda a algum sirva.
Nos livros de DCM, além da "história oral", encontram-se emaranhadas transcrições - nas partes que interessam à defesa da "causa anticololonalista" -, de bastos "relatórios" passíveis de encontrar em bibliografia vária, para além de fontes primárias no acervo do ANTT, Bibliotecas Nacional e Municipal de Lisboa, etc, tudo atinente à "Guiné antes da independência". Apenas como exemplo, refiro um livro: da autoria de JPCastanheira que em 18Abr95, após prolongadas e apuradas investigações, deu à estampa um primeiro ensaio sobre "Quem mandou matar Amílcar Cabral", o qual contém material de apoio a investigadores, ou interessados, sobre a Guiné; e não apenas sobre a PIDE, o PAIGC, a violência colonial e mais-não-sei-quê...
Proponho que coteje os dois livros: talvez chegue a conclusões muito interessantes; ao menos, do ponto de vista académico.
Dir-se-á: pois, mas nem todos os leitores deste blogue, têm acesso a livros, ou tempo para os ler, ou... ou... ; 'ergo' ainda bem que existe MBS, que resuma e interprete para quem não acede a livros, etc. etc. Mas falando "clarinho clarinho para paisano entender", é sempre bom ter "alguém" para escolher o que interessa difundir, resumir, enquadrar... Não é?
Quanto à alvorada do estado de insurreição "na Guiné", sua evolução em limpezas étnicas e actos terroristas sobre população não aderente à endoutrinação IN, escalada para pontuadas de guerrilha toca-e-foge e consequente ordem de batalha das NT em termos de contra-guerrilha, nenhum dos livros de DCM adianta coisa alguma para o melhor conhecimento que, à Geração Que Fez a Guerra e fundamentalmente aos seus descendentes, importa. Não apenas "neste momento" de infausta evocação cinquentenária, mas muito para além.
Retribuindo desde já, em dobro, tudo quanto me queira desejar, aceite os m/cordiais cumprimentos.