Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O Carlos Filipe, radiomontador, da CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias. Com hepatite C... (Embora luta contra outra doença, não infectiosa, mas não menos tramada...Daqui vai, para ele, um abraço camarigo de toda a Tabanca Grande, dando-lhe coragem e esperança).
Houve homens, camaradas nossos, como Carlos Rios, que lá passaram anos, por estes sítios, alguns tenebrosos como o Texas... Esperemos que nos cheguem, ao blogue, mais testemunhos destas dolorosas estadias no back office da guerra... Em relação ao Hospital Militar Principal, em Lisboa, na Estrela, quantos anexos afinal havia ? Campolide, Artilharia Um, Graça (*)...
Foto © Juvenal Amado(2008). Todos os direitos reservados.
1. Excertos de mensagens e comentários sobre o famigerado Anexo Texas, do Hospital Militar Principal (Estrela), sito na Rua Artilharia Um (**)... Tudo começou com o António Santos a contar como foi parar ao HMP, para fazer caixões de pinho, enquanto não o mandavam para a Guiné:
Carlos Rios
Ex-Furriel Mil
CCAÇ 1420
(Fulacunda, 1965/67)
(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal.
Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72. O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.
Imagina um Oficial de dia quase maneta e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.
No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados. Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém.
Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil Cart 643, Águias Negras
(Bissorã, 1964/66)
(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas, [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de Fevereiro de 1966 a meados de 1967.
De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º Sarg Enf por ele não ter chamado á atenção de um Fur Mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)
(…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas, frequentemente tíonhamos consultas no HMP Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…)
Jorge Picado
Ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885,
Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72
(...) No Hospital, Anexo ou Texas, existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa. Isto aconteceu talvez nos finais de Setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico Mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.
Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para
um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)
António Tavares
Ex-Fur Mil
CCS/BCAÇ 2912
(Galomaro, 1970/72)
Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do HMPrincipal, R Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...Impossível a sua descrição.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)
(**) 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8438: (Ex)citações (141): Hospital Militar Principal: Sofri as piores atribulações naquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo, o Texas (Carlos Rios, ex-Fur Mil, CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)
12 comentários:
Camaradas
Eu sempre ouvi o pior daquele sítio.
Falava-se que os mortos e estropiados eram descarregados às escondidas do barcos. O feridos eram depois encaminhados para o celebre anexo de má memória.
É pena não se saber mais sobre o assunto.
Ainda lá ou noutro local haverá estropiados de guerra?
É uma história por contar no blogue.
O nome desse tiranos devia ser mencionado para se saber quem eram els e ver se hoje não serão respeitáveis clínicos na nossa praça.
G.Tavares
Querido Juvenal:
È nosso dever (e é a missão do blogue) fazer o "cadastramento" e a "descrição" das várias "estações" do nosso Calvário, de Mafra a Missirá, de Tavira a Bambadinca, de Vendas Novas a Guileje, do HM241 aos Anexos do HMP (Estrela, Lisboa)... Socorrendo-se das nossas memórias, das nossas fotografias, dos nossos aerogramas (quantos deles já definitivamente perdidos)...
Daí eu ter reunido estes "comentários" sobre o "Texas"... Há muito "material" interessante nos "comentários" aos postes que muitas vezes passam "desapercebidos" ao leitor/visiatnte... Desde que passámos a ter o seu registo em arquivo, há coisa de ano e tal, já lá vão mais de 23 mil e 200...
PS - Tens tido notícias do Carlos Filipe ? Estará melhor ? Dá-lhe o nosso abraço.
Tavares:
Ficou claro, desde o princípio,que o nosso blogue não é nenhum tribunal, muito menos popular... Não temos (nem queremos ter) poder judicial, muito menos inquisitorial... Não perseguimos ninguém, não denunciamos ninguém, não acusamos ninguém, e muitos menos condenamos...
Tal não obsta a que, em privado, tu e eu, cada um de nós, possamos fazer o juízo moral dos homens (camaradas e superiores) que connosco fizeram a guerra, uns no "front office", outros no "back office" (como os médicos, os capelães, os engenheiros, os contabilistas...).
Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, Na Rua de Artilharia Um, a Campolidade, em dois momentos diferentes da minha carreira militar. Primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68). Em Outubro iniciei a formação do Batalhão e em Fevereiro parti para a Guiné. Vamos ao Hospital. A Estrela, após o inicio da guerra, foi equipa com o que de melhor havia e nela trabalhavam obrigatóriamente, a nata da classe médica portuguesa. O Anexo de Campolide funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os hnecessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialides médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório PORQUE ERA PRECISO CRIAR VAGAS PARA OS CASOS MAIS GRAVES NO HOSPITAL PRINCIPAL. Sim, tem razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem digniddade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana. Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescência os mutilados, era um lugar à parte. DIGNO. E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.
Sim, de acordo, o Director era uma besta! E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais. Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal. Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o< meu abraço camarada.
armando pires
ESTUPEFACÇÃO INCREDIBILIDADE E POR ÚLTIMO NOJO.
COMO MÉDICO SINTO-ME NAUSEADO.
CAMARADAS, ACEITEM AS MINHAS DESCULPAS, POR TER HAVIDO GENTE QUE DE MÉDICO APENAS TERIA O NOME.
INCLINO-ME RESPEITOSAMENTE PERANTE O VOSSO SOFRIMENTO.
c. martins
Quero deixar aqui o meu comentário sobre este anexo, fui várias vezes visitar o meu irmão,Ex-Furriel Miliciano, que foi reclassificado em Atirador de Artilharia Luís Carlos das Neves Ventura e que foi para a Guiné (Gampará)72/73 e que passado pouco tempo veio Gravemente ferido para Portugal e para o Anexo do Hospital Militar Principal, quando fui visitar o Meu Irmão já estava mobilizado para a Guiné, quero aqui dizer que aquilo era medonho, a nossa juventude estropiada, sem pernas, sem braços, cegos enfim era uma coisa que eu nunca pensava em ver, mas para além de todas estas desgraças eles ainda brincavam uns com os outros, jogando ao toca e fica, uns de muletas, outros em cadeiras de rodas, tenho um episódio lá, uma fim de semana em lugar de ir dormir em Sacavém havia uma cama vaga e eu dormi, na segunda de manhã quando eles começaram a chegar de fim de semana viram-me a dormir e começaram a dizer uns para os outros, temos carne fresca, donde veio, ate que disseram que eu era irmão do Ventura, ainda hoje tenho recordações desses dia que ia visitar o meu Irmão.
Amilcar Ventura
Caros amigos
Nem todos eram "maus", Um dos médicos que me acompanhou na doença, era o Ortopedista DrºMacário Tapadinhas, não só era impecável como o foi para mim, mas para todos os doentes, era um HOMEM de grande valor humano.
MUITO OBRIGADO DRº TAPADINHAS
O meu nome é Manuel Dias.
Não fui combatente da Guiné e por isso peço licença para entrar no v/ blog. Vi aqui referido o Depósito de Indisponíveis da Graça. Prestei ali serviço de 1970 a 1972 como chefe da Contabilidade e lá conheci vários evacuados da Guiné, Moçambique e Angola. Deixem-me recordar alguns nomes: António Semedo, Santa Clara Gomes, Trindade, Baptista, Cruz, Lopes, Cristo da Conceição, Lourenço, etc, etc.
As condiçoes não eram nem de longe nem de perto as ideais para as pessoas que ali tinham que viver dias amargurados, mas pelo menos uma coisa não faltava: camaradagem.
Sobre as escalas de serviço, e porque vi referido que os Indisponíveis eram obrigados a fazer serviço corrijo parcialmente. Recordo que alguns comandantes que ali conheci,entre eles o Ten Cor Mariano Martins, se opunham a tal, só o autorizando quando se tratava de indisponíveis sem grandes limitações, e todos os que por lá passaram sabem que os havia. Para o DI eram deslocados os militares em tratamento que não necessitavam de cuidados continuados especiais. Lembram-se que a enfermaria estava quasi sempre vazia. E dos 1500 homens que por vezes estavam "à carga" nem um terço lá estava realmente.
Foi um tempo perdido, mas não guardo rancor. Ede todos guardo saudades.
Caros companheiros!
Estive no Anexo de Campolide desde 24 de Junho de 1972 a Maio de 1973. Exerci a função de enfermeiro no Serviço de Sargentos. Jovem com 21 anos vivi os pesadelos de muitos militares. Recordo principalmente o António Manuel Pereira Neves e o José Eduardo Gaspar Arruda. Volvidos que são quase 45 anos ainda não os esqueci. Era eu quem escrivia as cartas para as suas namoradas! Esquisito, a maneira de as ditar, principalmente o Zé. Também recordo o nome da sua namorada que por motivos obvios não menciono.Sabia que me esperaria também um dia o meu embarque. Tanto assim que quando algum a quem faltava uma perna ou um braço. achando eu que era um mal menor, pedia a todos os santos que regressasse, nem que fosse assim. Formávamos uma família! Com eles conheci lugares que os meus magros recursos tornavam proibitivos. Elefente Branco, Boite Hipopotamo, etc. Estive já duas vezes com o Zé que infelizmente não me recordou. Com o Neves tive o privilégio de com ele confraternizar em Castelo Branco. Para todos os meus amigos e camaradas um grande abraço
João Alves
Bom dia , em 1973 depois de ter tirado a especialidade de auxiliar de enfermeiro em Coimbra , fui colocado no Anexo de Campolide do Hospital Militar no Serviço de Ortopedia dos acamados de feridas de guerra. O chefe do Serviço era o Sargento Valverde , As enfermeiras Ilda , Zulmira e Isabel , se a memória não me atraiçoa. Um serviço de muito trabalho braçal ,por parte das Senhoras enfermeiras e um bom desempenho em tratar bem os internados, pelo que pude observar. Eram tempos antes 25 de Abril , os praças ganhavam muito pouco e o regime era de disciplina e de bom comportamento. Antes de embarcar para Angola fui promovido a 1º cabo Auxiliar de enfermeiro , e colocado numa Companhia Independente para operações
militares ao mato em Angola , fazenda Maria Fernanda. Cumprimentos a todos os leitores.
Nunca fui a África mas fui cabo mil. no anexo, serv. de Ortopedia. Tive a sorte de já apanhar as novas instalações,bastante dignas. A maior parte dos feridos eram guineenses com quem consegui bons laços de entendimento. Trabalhei diariamente com as enfermeiras Ilda e Isabel e, um belo dia, despertei, saí para o exterior, vi o portão fechado. Que raio se passa? Era o 25 de Abril.como ganhei o meu curso fiquei na Metrópole. Pena tenho de ter perdido o contato com todo o pessoal.
Henrique Silva
Ex furriel Mil.Enfermeiro
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