quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8951: Humor de caserna (23): Uma insubordinação do c... ou uma viagem pelo polissémico país do c...!!!

1. Termos (ou expressões) considerados “insultuosos” no meio civil, à luz das nossas regras de boa educação e urbanidade, incluindo as regras do nosso blogue (ou livro de estilo),  podem ter outra leitura, apreciação ou abordagem,  vistas  de dentro da “caserna da tropa" e, consequentemente,  à luz do sacrossanto  RDM.

É, pelo menos, essa opinião dos senhores jurisprudentes, civis e militares… Ou, pelo menos,  de alguns. O termo em causa é o nosso tão familiar c..., típica forma de “linguagem de caserna”... Mas podiam  ser outras armas de arremesso do nosso arsenal de insultos verbais, em contexto castrense ou fora dele, algumas usadas até no nosso blogue, no calor das nossas batalhas que, felizmente, são apenas verbais: por exemplo,  fascho, comuna, corno, tuga, turra, filho da puta, cabrão, panasca, fujão, penetra…).


Das Caldas (onde o Bordalo Pinheiro transformou o  c... em faiança artística, e onde no RI5, no CSM, eramos tratados de c... para baixo) a Tavira (onde sofremos pra c... nas salinas), de Mafra (onde o cadete na formatura, na parada do EPI, não podia mexer uma pestana nem que lhe passasse um c... pela boca) a Bedanda (onde o obus 14 dava um coice pra c ...), enfim, por toda a parte onde andámos fardados e calçados pela tropa o dito c... acompanhou toda a nossa alegre e divertida vida militar... 


Mais: é um verdadeiro ferrete, faz já parte do nosso ADN... Falo por mim que já não o dispenso no meu léxico, com 4 anos de tropa mais... 36 anos de conbíbio com a gente nortenha pela bia uterina... 

Esta peça de jurisprudência, de que já dei conhecimento ao nosso “alfero Cabral” (sendo ele um fino e erudito colecionador desta produção dos nossos jurisconsultos), merece figurar (em forma de excerto e link) no nosso blogue e na nossa série Humor de caserna… 


Aqui fica, para os efeitos que foram julgados convenientes ou que se mostrem devidos (memória futura, enriquecimento linguístico, resiliência ao stress, reforço do sistema imunitário, preservação dos usos e costumes, desopilanço dos tabanqueiros, proteção da dentadura do proletariado, etc.) (LG)


PS - Ah!, já me esquecia,  tiro o quico e bato a pala ao senhor relator...



Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  (reproduzido parcialmente com a devida vénia...)


Processo:  1/09.3F1STC.L1-9
Relator:  CALHEIROS DA GAMA
Descritores:  INSUBORDINAÇÃO POR OUTRAS OFENSAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão:  28-10-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:  NEGADO PROVIMENTO



(...) Sumário

I - A palavra “caralho”, proferida por militar (Cabo da Guarda Nacional Republicana), na presença do seu Comandante, em desabafo, perante a recusa de alteração de turnos, não consubstancia a prática do crime de insubordinação por outras ofensas, previsto e punível pelo artigo 89º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar.

II - Será menos própria numa relação hierárquica, mas está dentro daquilo que vulgarmente se designa por “linguagem de caserna”, tal como no desporto existe a de “balneário”, em que expressões consideradas ordinárias e desrespeitosas noutros contextos, porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalações da GNR) e inter pares (o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º Sargento, com quem tinha uma especial relação de proximidade e camaradagem) e são sinal de mera virilidade verbal. Como em outros meios, a linguagem castrense utilizada pelos membros das Forças Armadas e afins, tem por vezes significado ou peso específico diverso do mero coloquial.

(...) Decisão Texto Integral:

(...) Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:  


(...) Se bem compreendemos, parece que para a Digna Magistrada do MP a ser por alguém proferida a palavra “caralho” esta terá de ser sempre entendida, seja em que circunstancialismo for, como ofensiva do bom nome honra e consideração quiçá de todos quantos estejam à volta de quem a proferiu, ainda que não lhes seja dirigida (vd. conclusões C) e D) do recurso).

Afigura-se-nos que, manifestamente, sem razão.

Segundo as fontes, para uns a palavra “caralho” vem do latim “caraculu” que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada.

Com efeito, é público e notório, pois tal resulta da experiência comum, que CARALHO é palavra usada por alguns (muitos) para expressar, definir, explicar ou enfatizar toda uma gama de sentimentos humanos e diversos estados de ânimo.

Por exemplo “pra caralho” é usado para representar algo excessivo. Seja grande ou pequeno demais. Serve para referenciar realidades numéricas indefinidas (exº: "chove pra caralho"; "o Cristiano Ronaldo joga pra caralho"; "moras longe pra caralho"; "o ácaro é um animal pequeno pra caralho"; "esse filme é velho pra caralho").

Por seu turno, quem nunca disse ou pelo menos não terá ouvido dizer para apreciar que uma coisa é boa ou lhe agrada: “isto é mesmo bom, caralho”.  Por outro lado, se alguém fala de modo ininteligível poder-se-á ouvir: "não percebo um caralho do que dizes" e se A aborrece B, B dirá para A “vai pró caralho” e se alguma coisa não interessa: “isto não vale um caralho” e ainda se a forma de agir de uma pessoa causa admiração: "este gajo é do caralho" e até quando alguém encontra um amigo que há muito tempo não via “como vai essa vida, onde caralho te meteste?”.

Para alguns, tal como no Norte de Portugal com a expressão popular de espanto, impaciência ou irritação “carago”, não há nada a que não se possa juntar um “caralho”, funcionando este como verdadeira muleta oratória. 

Assim, dizer para alguém “vai para o caralho” é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade “ai o caralho” ou simplesmente “caralho”, como parece ter sucedido na situação em apreço nestes autos. No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto que, ao invés, no segundo caso a expressão é tão-só designativa de admiração, surpresa, espanto, impaciência, irritação ou indignação (cfr. Dicionários da Língua Portuguesa da Priberam e da Porto Editora 2010).

Para a primeira hipótese vale aqui, entre outros e por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 1997 (in www.dgsi.pt) onde se expendeu em síntese que: “Integra a prática de um crime de injúrias, qualificado em razão da qualidade profissional do ofendido, subchefe da PSP, aquele que, ao dirigir-se-lhe, no exercício das suas funções, diz "vai para o caralho".” (…)

(...) DECISÃO

Em conformidade com o exposto, tudo visto e ponderado, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando, nos seus precisos termos, o despacho recorrido de não pronúncia do arguido A....
Sem custas, por não serem devidas.
Notifique-se nos termos legais. (O presente acórdão, integrado por vinte e uma páginas com os versos em branco, foi processado em computador e integralmente revisto pelo desembargador relator, seu primeiro signatário – artº 94º, nº 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 28 de Outubro de 2010

Desembargador J. S. Calheiros da Gama
Juiz Militar Major-General Norberto Bernardes (...)

______________

Nota do editor:

18 comentários:

Anónimo disse...

Com esta "ultima ratio regum" cada vez se compreendem mais as origens da....CRISE.

Anónimo disse...

Esta gente tem uns ouvidos "maricones"

ESTA SENTENÇA FAZ JURISPRUDÊNCIA..CARALHO....

C.Martins

G.Tavares disse...

No tempo da Justiça Militar a sentença por certo seria outra. Com justiça desta não se vai a lado nenhum. Só admira que o juiz militar que até é licenciado em direito tivesse admitido este monumento ´a ignorância da vida militar à sua disciplina que a rege e no caso vertente em tropa profissional. Claro que este "juiz" nunca calçou botas nem ouviu tiros.Gabriel Tavares

Torcato Mendonca disse...

MAS O FALO É O POLISSÉMICO OU É O PAÍS OU ALGUÉM ENSANDECEU?

EU NEM QUERIA ACREDITAR AO VER ASSIM TRATADO SEMELHANTE COISO.

AGUENTEM-SE OU SÓ UM ...ELE HÁ CADA UMA...

Anónimo disse...

" ÓH MENINAS!Há que manter as bocas fechadas!Estamos no mês em que os jacaralhos têm asa!" (Instrutor aquando dos "crosses" das Sexta-Feiras em Mafra).

Anónimo disse...

Boa noite camaradas
Confesso que se não tivesse estado na tarde de hoje no almoço real da Tabanca do Centro poderia dizer que há muito não me ria com tanto gosto.Mas como rir nunca é demais posso afirmar que este humor de caserna do P8951 foi o complemento ideal de um dia muito bem passado.
A douta sentença é notável e como em novo andei pelos Tribunais sei que há textos notáveis, que na minha humilde opinião, bem merecem ser divulgados no nosso blog.
Um dia destes contarei duas ou três histórias.
Um grande abraço de Alcobaça,
JERO
PS- Luís como está o teu joanete? Deve ter-te doído comó c.......!As melhoras.

Anónimo disse...

Caro Sr. Gabriel Tavares

Venho por este meio, e sem qualquer intenção de o ofender, por-lhe as seguintes questões:
- Fez tropa ?
- Se fez,calçou botas e ouviu tiros ?
É que o seu comentário baralhou-me completamente os neurónios.

Atenciosamente

C.Martins

G. Tavares disse...

Sr C.Martins
Fiz tropa e calcei botas e oubi tiros durante 24 meses em zona de 100%
Gabriel Tavares ás suas ordens

G.Tavares disse...

Corrijo o "ouvi".
G.Tavares

Anónimo disse...

Já conhecia esta decisão e não pensava dar-lhe qualquer destaque ou importância, mas perante o interesse e comentários aqui vai também o meu.

II - "...porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalaçõoes da GNR) e inter pares..."

Até aqui eu percebo, mas fico confuso logo a seguir quando acrescenta "...(o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º sargento..."

Quer dizer, não sei se o juz é novo ou "velho", se vestiu ou não uma farda. Sei que é um daqueles que, qualquer um de nós está sujeito a apanhar se um dia formos a tribunal e isso preocupa-me, a competência.

Por outro lado é notório o que nunca se perdeu, por muitos 25 de Abril que passem, as elites.

Um abraço,
BSardinha

Luís Graça disse...

Não quis (mas podia...) o nosso douto e sábio jurisconsulto entrar por outras vias, quiçá mais eruditas, na exploração da riqueza polissémico do dito c...

Por exemplo, pela literatura que o levaria ao incontornável Bocage, esse grande e maldito poeta, tuga, que foi o Bocage, Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-185) e às suas poesias eróticas, satíricas e burlesca... Um delas, mui conhecida do pessoal da caserna, dever merecer a honra de figurar, se não na montra do blogue, pelo menos na vitrina das traseiras... Por que humor em tempo de guerra, também se precisa(va)!... Mas o nosso blogue tem regras, que são para cumprir...

Soneto do Pau Decifrado
(Disponível aqui, para quem não conhece este soneto)

http://normattoso.sites.uol.com.br/
comopesar.htm

Anónimo disse...

Atenta a factualidade vertida neste douto acórdão, não posso deixar de concordar com a decisão.

Relativamente ao Sr. Juiz (desembargador) Militar, o Sr. Major Gen. Norberto Bernardes, que teve a amabilidade de na altura da decisão me o ter remetido, gostaria de dizer, para quem não saiba, que tal como nós foi combatente na Guiné, com o posto de capitão caçador para-quedista e que a sua actividade, bem como a dos seus homens a muitos de nós terá beneficiado.

Portanto, quanto a esta questão de se saber se calçou botas ou se ouviu tiros, estamos conversados.

O nosso Camarigo Miguel Pessoa, quando foi "strelado" e se encontrava na mata, bem sabe quem é que o encontrou e lhe manteve a segurança até ser evacuado.

Um abraço Camarigo, do
Joaquim Sabido
Évora

Anónimo disse...

Obviamente esta Tabanca é grande! Com mais "aralhadas",ou...menos.

Anónimo disse...

Para quê dar corda a um relógio estragado se não pela ligação que a ele temos.

Não sou puritano e confesso-me até por vezes um pouco nortenho na maneira de falar, para não ofender os carroceiros, embora hoje seja profissão acabada, penso eu.

As amizades são, ou devem ser, irrelevantes na apreciação dos factos.

Não foi nem é meu propósito colocar em causa ou atacar a operacionalidade de ninguém, porém, isso, não deve nem pode servir para confundir-se com outras áreas.

Para não me alongar muito e situarmos no que interessa, posso lembrar que, por uma queixa, não uma participação, uma simples queixinha, levou-me de Mansoa para Aldeia Formosa.

Quero com isto dizer que podemos, nós talvez já não, pelo menos a maioria, por não termos o prazer de ter vivos os nossos pais, mas os nossos filhos mandarem-nos para o CARALHO, entende-se que não é relevante no meio familiar ou o condenado quando não concorde com a sentença proferida pelo juiz, por ser um ato espontâneo irrefletido e dado não estar a falar com o Padre da Freguesia, com o Deputado ou Ministro ou o Presidente da República.

Um abraço a todos,
BSardinha

Gabriel Tavares disse...

O Calçar botas a ouvir tiros nada tem a ver com o maj gen que é apenas juiz auditor,não sei se este é termo exacto, e não tem poder decisório.Apenas aconselha e quando muito pode votar vencido se a sentença for deste calibre. Conheço o curriculum dele e nunca esteve em causa a sua qualidade militar. A referência era para o juiz togado que é um civil e desse é que tenho dúvidas quanto ao seu conhecimento da vida e vivência militar.Poderia entrar em considerações rebatendo a ligeireza com que diz que o cabo e o sargento são primus inter pares ( O primeiro entre os iguais) por assim não ser, e as consequências nefastas para a disciplina numa tropa profissional. Mas fico por aqui. Penso ter sido claro e e por mim assunto encerrado.
Gabriel Tavares

Anónimo disse...

Soldado "Tripeiro" para aspirante (moi):
- Dá-me licença meu aspirante..caralho.
Ouça lá, o meu nome não é esse.
Desculpe..caralho, mas ..oh..oh..meu aspirante..caralho.

Esta deve ser a palavra mais polissémica deste País.

Confundir vernáculo linguístico,linguagem de caserna,etc. com intenções de ofender ou ofensa, na minha opinião ,só se for débil mental,ou tiver défice cognitivo,ou estiver de má-fé.
Refiro-me evidentemente, neste caso, ao meio militar.

C.Martins

Anónimo disse...

ESCLARECIMENTO

Para quem é mais sensível às elites.

A GNR é uma força policial militar, e a PSP é uma força policial civil.
Na PSP não há classe de sargentos, há apenas policias com diferentes graduações e oficiais de policia.
Em termos hierárquicos um 1.º cabo da GNR e um sub-chefe da PSP são equivalentes, um pode comandar um posto e outro uma esquadra.
Isto não invalida que não devam existir regras e comportamentos de urbanidade.
No caso em discussão, aquilo que me pareceu, foi um desabafo,que só tomou estas proporções devido à susceptibilidade auditiva de uma das partes.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Deve ser da p.d.i.

Então não é que pensei que tinha sido com um sub-chefe da PSP.
Peço desculpa.
Mantenho o final do comentário anterior..(um desabafo..etc.)

C.Martins