segunda-feira, 28 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9956: Memória dos lugares (184): Gadamael Porto e Gadamael Fronteira na região de Tombali (Manuel Vaz / Cherno Baldé)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > O porto ou cais acostável, construído pelo Exército português.

Foto: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Enquanto procedia à publicação do trabalho do nosso camarada Manuel Vaz, verifiquei que tínhamos dois marcadores no Blogue, um Gadamael e outro Gadamael Porto. Consultando a carta de Cacoca - 1954 verifiquei que não existe o topónimo Gadamael, mas sim Gadamael Porto e Gadamael Fronteira. Resolvi então consultar o nosso camarada Manuel Vaz para saber se ele saberia esclarecer-me.


Neste recorte da Carta de Cacoca de 1954 pode-se verificar-se a existência de Gadamael Porto junto a um braço do Rio Cacine e Gadamael Fronteira, que como o nome indica, mais próximo da República da Guiné.


2. Segue-se a resposta do camarada Manuel Vaz:

Amigo Vinhal:
Só agora consegui espaço e tempo para te responder. Desde que fui avô, há pouco mais de uma semana, o meu correio não pára de mandar e receber mensagens e fotografias relativas à Anna, a minha neta nascida na Alemanha e que por força disso, se escreve com dois "nn". Já estás a perceber a razão pela qual só agora respondo*.
[...]
Passando à questão que me colocaste, é redundante e até provocou algumas confusões ao ponto do Nuno Rubim, há uns tempos apelar ao esclarecimento de datas de extinção dos Destacamentos de Ganturé, Gadamael Fronteira, entre outras coisas da zona.

Ora bem, há 45 anos poderia ter esclarecido muitas coisas com o Régulo Habib, mas não o fiz e resta-me o conhecimento genérico.
A palavra "Gadamael", provavelmente tem um significado que eu desconheço, ligado aquela zona.
A palavra "Gadamael" aparece associado em três circunstâncias:
- Rio Gadamael; Gadamael Fronteira; Gadamael Porto.
- Gadamael Fronteira está a 2 Km da mesma e está associada ao Rio que se situa junto dessa povoação.
- Gadamael Porto está localizado, junto ao braço do Rio Cacine, o que se vê no recorte da Carta Militar que apresentei.

Moral da História:
- Se a palavra "Gadamael" tem um determinado significado, influenciou a designação da povoação, acrescentando-lhe Fronteira por estar perto desta. Aliás esta povoação deve ter uma origem muito antiga, pois era do tipo "cerrada" e quando a tropa chegou a Gadamael estava abandonada, como todas as outras. - Gadamael Porto era o local da zona, onde existia o "Porto" e por essa razão foi assim designado e por existir um "Porto", começou a atrair população.

Finalmente, em termos militares e para efeito do Blogue, Gadamael é só um, em Gadamael Porto pois só existiu Tropa aqui. Em Gadamael Fronteira nunca teve qualquer destacamento. O Destacamento de Gadamael era em Ganturé, sede do Regulado, a cerda de 2,5Km, também representado no recorte da Carta Militar. Gadamael ou Gadamael Porto é a mesma localidade e refere-se ao mesmo Aquartelamento.
[...]
Boa Noite e um abraço.
Manuel Vaz

Nota do editor:
(*) Deixei ficar de propósito aquela referência particular ao nascimento da pequena Anna. Parabéns vôvô.


3. Por decisão do Editor Chefe, vamos manter um único marcador, Gadamael, quando nos referirmos a Gadamael Porto ou, eventualmente, a Gadamael Fronteira.


4. Em tempo:
Porque não se pode nem deve desperdiçar as sempre oportunas intervenções, que muito agradecemos, do nosso amigo tertuliano guineense Cherno Baldé, aqui ficam as suas notas explicativas a propósito do topónimo Gadamael:

Caros editores,
O nome de Gadamael é, sem dúvida, de origem fula e é composto pelas expressões: Gada que significa margem (de um rio ou de um curso de água da bolanha que corre na época da chuva) e Mael que significa pequeno rio (afluente), um diminutivo da expressão Mayô (rio, mar).

Até há bem pouco tempo, induzido pelo nome, pensava que era habitada por fulas mas, na realidade, mesmo se há habitantes fulas, já não constituem a maioria nem são donos do chão, actualmente, embora o nome do antigo régulo, citado por António Vaz, se pareça muito com nome de fula, facto que poderia confirmar a origem do nome desta localidade.

PS: - Ainda, como referência histórica, importa referir que, a partir da segunda metade do sec. XIX, esta região tinha passado para o domínio das autoridades de Labé (estado autocrático de Futa Djalon), e o primeiro encontro/confronto das duas forças conquistadoras (fulas e portugueses) ocorreria em Buba.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9816: Memória dos lugares (183): STM - Aldeia Formosa e Bissau (Álvaro Vasconcelos)

9 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro Manuel Vaz,
caros editores,

O nome de Gadamael é, sem dúvida, de origem fula e é composto pelas expressões: Gada que significa margem (de um rio ou de um curso de água da bolanha que corre na época da chuva) e Mael que significa pequeno rio (afluente), um diminuitivo da expressão Mayô (rio, mar).

Até há bem pouco tempo, induzido pelo nome, pensava que era habitada por fulas mas, na realidade, mesmo se há habitantes fulas, já não constituem a maioria nem são donos do chão, actualmente, embora o nome do antigo régulo, citado por António Vaz, se pareça muito com nome de fula, facto que poderia confirmar a origem do nome desta localidade.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

Cherno Baldé disse...

PS: Ainda, como referencia histórica, importa referir que, a partir da segunda metade do sec.XIX, esta região tinha passado para o dominio das autoridades de Labé (estado autocrático de Futa Djalon), e o primeiro encontro/confronto das duas forças conquistadoras(fulas e portugueses) ocorreria em Buba.

Cherno

Anónimo disse...

Camaradas Vinhal e Cherno Baldé:
Ainda bem que há quem saiba destes assuntos. Quando respondi ao Vinhal fiquei com alguma frustração, por o esclarecimento não ser total e convincente. Ainda bem que o Cherno completou. Mas relativamente à "referência histórica" de que gostei saber, talvez a antiga Tabanca de Labé e o rio com o mesmo nome, junto fe Gadamael Fronteira, tenham alguma relação com o "estado autocrático" de que o Cherno fala.
Finalmente, como não é todos os dias que temos a possibilidade de falar com conhecedores destas matérias, que explicação tem o Cherno para a sigla ASCO, no encume de uma das casas de construção europeia que existiam em Gadamael Porto? Um abraço
Manuel Vaza

Anónimo disse...

PS
1 - Esclareço que o Régulo cujo nome nunca vi escrito, mas que por homofonia escrevo Habib, era da etnia Biafada;
2 - A explicação da origem da Palavra Gada + Mael aplica-se perfeitamente ao rio com o mesmo nome, junto de Gadamael Fronteira;
3 - Interpretando a lógica das coisas, o rio que assumiu este nome, por força da explicação dada pelo Cherno, determinou o nome de Gadamael Fronteira, pela localização, junto desta. Gadamael Porto, por sua vez, passou a ser assim designado por ser o "porto" daquela região. Espero não sofrer um anátema dos entendidos !...
Manuel Vaz

Cherno Baldé disse...

Caro António Vaz,

Por mim, a explicação que deu desde o inicio, mesmo depois de 39 anos, faz muito sentido e é prova de uma grande honestidade pessoal e de curiosidade intelectual.

A minha contribuição baseou-se simplesmente nos conhecimentos da lingua e um pouco da história da região onde a Guiné está inserida. Não conheço o local e nunca lá estive.

O chão, inicialmente, seria Beafada, depois partilhado com os Nalus. Os Fulas e outros grupos viriam mais tarde precedidos pelos exércitos de Futa-djalon.

O topónimo Gadamael tanto pode ter existido antes como pode ser produto do trabalho meticuloso de geografos, comerciantes e agentes coloniais que teimavam em dar nomes, marcar, localizar e catalogar tudo e todos. A titulo de curiosidades, note-se que a maior parte das denominações dos diferentes grupos etnicos são pura invenção de escribas e administradores coloniais por ex: Balanta, Papel, Manjaco, Mancanha e por ai diante.

Inicialmente, é bem provável que não se tratava de uma tabanca no sentido próprio do termo, dentro dos costumes locais. por ex: Gã-turé ou Ganturé é uma tabanca tipica, pois faz referencia clara a familia fundadora (Turé), do grupo mandinga ou a ele assimilado, por ex: Beafada.

Mas Gadamael significa tão somente um local de passagem, o outro lado do rio ou de um curso de água, um embarcadouro. Nele não existem os habituais laços de propriedade, de pertença, de identidade patrimonial com os fundadores.

Sobre a sigla ASCO, não sei explicar, aliás já se falou muito aqui no Blogue, mas parece que ainda continua um enigma.

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Caro Cherno Baldé:
Quero começar por pedir desculpa do à vontade com que,anteriormente o tratei, no pressuposto de que estava a "falar" com um antigo camarada, o que concluí não ser verdade, ao consultar ba Lista dos Amigos do Blogue.
Depois, agradeço imenso a lição de toponímia e da História daqueles lugares. Eu!... que ainda há bem pouco tempo andei à procura de um naco da História de Gadamael!...
Quanto ao fcto de eu não ser António, mas Munuel, não tem mal. Obrigado e um grande abraço de um Gadamaelense que aí viveu 20 meses e três dias.
Manuel Vaz

Luís Graça disse...

Manel:

O Cherno não foi militar, foi um "djubi" que cresceu e fez-se adolescente entre a nossa tropa... Temos por ele (e ele por nós) um especial carinho... Tratamo-nos por tu com toda a naturalidade... É, além disso, um homem erudito, culto e sábio, três qualidades que não fáceis de juntar numa só pessoa... Um abraço para ele, o meu "amigo e irmão" Cherno!

Cherno Baldé disse...

Caro Luis,
Caro Manuel Vaz,

"Djubi" é um nome bastante lisonjeiro para um rafeiro da minha classe.

Depois, eu queria muito ser um "Furriel" mas ao mesmo tempo, não queria era ser tropa "macaco", pois se já o era sem a farda como seria com ela no corpo.

Por isso, faziamos muito treino de correr, rastejar e saltar, sobretudo correr, pois segundo o Cherno Comando, ser tropa especial, também, requeria saber correr e bem, quando era necessario, como foi o caso no ataque a barraca de Cumbamory (as palavras são dele) e falava-nos também do Marcelino da Mata e dizia: Quem vai atrás dele é homem morto, pois ele tem "baktcham"*

É como diz um ditado popular: Se queres atacar um "kumbo de baguera" tens que aprontar as pernas.

Quero dizer ao Manuel que um mais velho não tem que pedir desculpas aos mais novos. E, de certo modo, eu represento aqui no blogue, os vossos antigos camaradas que já estão retirados da vida activa e são todos Homens Grandes a sério e não têm tempo para brincadeiras de brancos, esses eternos "Crianças grandes".


* poderes especiais que o tornam invisivel em momentos de grande aperto.

Cherno Baldé

Anónimo disse...

INFO.

Voltei a gadamael em maio de 2006.
O régulo era fula e o "ajudante",também fula, foi furriel de um pelotão de milícias.
Segundo informações do régulo a maioria dos habitantes do regulado de gadamael eram fulas.
Também havia nalus e até sossos.
Muitos destes habitantes deslocaram-se para a zona após a Independência.
É bom recordar que até finais do século 19 esta região "quitafine" pertencia à França,tendo nessa altura Portugal cedido a região de Casamansse em troca com o Quitafine.
Parece que os habitantes mais antigos eram nalus e sossos.

C.Martins