quinta-feira, 3 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13360: Manuscrito(s) (Luís Graça) (34): Aerograma para a Sophia que me emprestou o Livro Sexto, quando o T/T Niassa me levou para longe da minha praia



Foto: © Luís Graça (2011)


Aerograma para a Sophia 
que me emprestou o Livro Sexto,
quando o T/T Niassa me levou 
para longe da minha praia


Poderei não suportar o dia 
em que o mar se retirar 
da minha praia.

Poderei adoecer,
ou até mesmo morrer,
se me tirarem o mar
da minha rua, 
da minha porta.

E o pôr do sol
sobre a linha do horizonte da minha janela.
E o cheiro a maresia
no meu almofariz de cheiros.
E a tua estrela,
que na noite da guerra se recorta.
E as neblinas matinais
lavando os meus olhos.

Não sei se conseguiria fazer o luto
da morte do mar que já foi meu,
que já foi nosso.
Emigrarei para o hemisfério sul
quando me tirarem o mar do norte,
o mar do Serro,
as Berlengas ao fundo,
o meu querido mês de agosto,
o vento nos canaviais
na Praia do Paimogo.

Posso amar as tuas montanhas
e as tuas albufeiras
e as tuas florestas de castanheiros e carvalhos,
a gente rude e franca do norte,
mas preciso de regressar ao sul,
de vez em quando,
para respirar como as baleias.

Um exército de lapas
move-se de rocha em rocha
como sinal premonitório
da transmigração do mar.


Praia da Peralta,
8 de Setembro de 2007

Lisboa, v5 2 jul 2014
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13312: Manuscritos(s) (Luís Graça) (33): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VI): O novo bairro da Ajuda (1965/68), um "reordenamento" na estrada para o aeroporto...

18 comentários:

antonio graça de abreu disse...

"Chego à praia e vejo que sou eu
O dia branco." Sophia de Mello Breyner Andresen


Agora um poema meu intitulado "Um barco, para Sofia", publicado no livro "A Sophia, Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen". Lisboa, Ed. Caminho, 2007, pag. 27.



Gaivotas pontilhando os espaços do nada,
brumas flutuando no vacilante deslizar das ondas,
vagas desmaiando nos braços abertos da praia,
meus passos diluindo-se na sombra das areias.

Tudo limpo e puro na madrugada azul,
no grito do sol, no assobio do vento,
na espuma salgada subindo pelas rochas,
na luz dos deuses descendo pela falésia.

O dia avança,
o mar, ébrio de espelhar as nuvens,
é um outro nome da terra.
E os meus olhos
são um barco,
singrando ao acaso pela brisa.

António Graça de Abreu


Luís Graça disse...

A VISITAR:


Sophia de Mello Breyner Andresen :: Biblioteca Nacional de ...
purl.pt/19841/1/
Sophia de Mello Breyner Andresen no seu tempo. Momentos e Documentos. Selecção, conteúdos e organização por Maria Andresen Sousa Tavares ...


http://purl.pt/19841/1/

Luís Graça disse...

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
o dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

in O Nome das Coisas, 1977

Joaquim Luís Fernandes disse...

Rendido à beleza e ao encanto da Poesia.
Ela faz de nós Seres superiores! Com alma!
Revela a essência de que somos feitos.
Sem ela, o que seriamos?...

Abraços
JLFernandes

Bispo1419 disse...

O SOLDADO MORTO
Os infinitos céus fitam seu rosto
Absoluto e cego
E a brisa agora beija a sua boca
Que nunca mais há-de beijar ninguém.

Tem as duas mãos côncavas ainda
De possessão, de impulso, de promessa.
Dos seus ombros desprende-se uma espera
Que dividida na tarde se dispersa.

E a luz, as horas, as colinas
São como pranto em torno do seu rosto
Porque ele foi jogado e foi perdido
E no céu passam aves repentinas.

Sophia de Mello Breyner Andresen em MAR NOVO, 1958


QUANDO
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão de bailar
As quatro estações à minha porta

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta
Como se eu não estivesse morta

Sophia de Mello Breyner Andresen em DIA DO MAR, 1947

Com um abraço a todo o pessoal desta Tabanca
Manuel Joaquim

Bispo1419 disse...

Meu caro Luís Graça, pelo que conheço da Sophia e do seu amor pelo mar, penso que ela gostou deste teu aerograma.
Eu gostei muito.

Um grande abraço do
ManueL Joaquim

Luís Graça disse...

Obrigado, amigos e camaradas, António Graça de Abreu, Joaquuim Luís Fernandes e Manuel Joaquim por se associarem à festa da poesia...

E os demais camaradas que gostam de poesia e admiram Sophia, podem divulgar aqui alguns dos seus poemas favoritos... Eles são tantos e antológicos... Ajudaram-me a manter-me vivo na Guiné...

Unknown disse...

para a Natália correia.

O esquivo rosto contrito
do pensador consequente
revela visualmente
a antologia do grito.

depois recluso e contracto
no contrato contra tempo
que se faz com o abstrato
projecto de sermos gente.

nascer é ficar aflito
depois estender a mão
pedir pão ao infinito
que é também abstracção.

O coração é o grito
que o pensamento repete
vem daí que a reflexão
é a aflição de quem reflecte.
consequência não reflicto.

Não ter a mínima ideia
por contíguos sons achar
sobre o papel o território
E ternamente o habitar.

com marques de almeida.

Unknown disse...

para a Natália correia.

O esquivo rosto contrito
do pensador consequente
revela visualmente
a antologia do grito.

depois recluso e contracto
no contrato contra tempo
que se faz com o abstrato
projecto de sermos gente.

nascer é ficar aflito
depois estender a mão
pedir pão ao infinito
que é também abstracção.

O coração é o grito
que o pensamento repete
vem daí que a reflexão
é a aflição de quem reflecte.
consequência não reflicto.

Não ter a mínima ideia
por contíguos sons achar
sobre o papel o território
E ternamente o habitar.

com marques de almeida.

Unknown disse...

para a Natália
núpcias químicas.
Coração de vidro cortei-me num sonho com um diamante se virem um
bêbado é a minha alma poeta com rio como leva a vida morta nos seus braços a vida bacante que só ressuscita quando afoga o bêbado na água do rio.
gaivotas do instinto vestem-se de gala para entrar nos portos o bêbado é bêbado o bêbado é alma nem sequer repara que leva nos braços a Deusa que ordenha o leite dos mortos gaivotas do instinto que estranhas feições nos pintais na cara!

Que gado nocturno no pasto dos sonhos! oh bêbado oh dono da noite que rosna! a noite é um cão se a ouvem ladrar um cheiro a laranjas entontece os ramos da árvore do sono e se a gente as come fica-nos o gosto de não acordar.

vê que ainda há anjos são os funcionários anjos com lunetas por pouco eram homens se não fosse as asas que trazem nos pés enchem com o sangue que não derramaram as suas canetas porque um dia deus virá mesmo nos cafés.

Ouve esse piano que dantes havia no terceiro andar ou em vez do piano a ideia dele ou ainda a jarra não toques oh alma oh musico bêbado as teclas do mar! que o mar é um velho piano lusíada com som de guitarra.

Espera por mim onde houver a lua e onde houver um banco se me esperares sentado irei ter contigo num dia de festa irei ter contigo com minha nudez de vestido branco e se me beijares talvez uma estrela me ilumine a testa.

Espera por mim talvez num domingo talvez a remar tudo colocado como num jardim um céu de magnólias espera por mim como se existisse um bosque no ar onde os nossos olhos vão colher amoras.
com marques de almeida

Unknown disse...

Para o Alexandre O'Neill
lamúria dum cego que antes o fosse.

QUANDO ERA CEGO EU PREVIA
(QUE FREGUESIA!)
O QUE IA ACONTECER, ERA O QUE SE DIZIA...

MAS AGOR QUE BEM VEJO
SÓ AGOIRO O QUE VEJO
E JÁ NINGUÉM ME QUER CRER...

PORQUÊ
SE TODOS O PODEM VER!
COM MARQUES DE ALMEIDA

Unknown disse...

PARA O O'NEILL
AOS VINDOUROS SE OS HOUVER...

VÓS QUE TRABALHAIS SÓ DUAS HORAS
A VER TRABALHAR A CIBERNÉTICA,
QUE NÃO DEIXAIS O ÁTOMO A DESORAS NA GANDAIA,POIS TENDES UMA ÉTICA;

QUE DO AMOR SABEIS O PONTO E A VIRGULA E VOS ENGALFENHAIS LIVRES DE MEDO,
SEM PEÇÁRIOS,CALNDÁRIOS,PÍLULA,
JACULATÓRIAS FORA, TARDE OU CEDO;

CONPUTAI, CONPUTAI A NOSSA FALHA
SEM PERFURAR DE MAIS VOSSA MEMÓRIA, QUE NÓS SOMOS PRÁQUI
UMA GENTALHA
A FAZER PASSEMANTES COM A HISTÓRIA;
QUE NÓS FOMOS(FATAL NECESSIDADE)
QUADRÚMANOS DA VOSSA HUMANIDADE.

Unknown disse...

PEDRA FINAL.
TANTA GENTE TANOS ENREDOS
ATÉ FICARMOS PARA SEMPRE QUEDOS!

PARA SEMPRE?NÃO!
QUE OUTROS( MINIMOS)SERES
JÁ TRABALHAM NA NOSSA REMOÇÃO.

PARA O'NEILL

COM MARQUES DE ALMEIDA

Unknown disse...

PARA MIGUEL TORGA

NEGRURA

NSETE DIA DE LUZ QUE ME ANOITECE,
QUE ME SPULTA INTEIRO,
ATÉ DE MIM MINHA DOR SE ESQUECE
PARA QUE EU SEJA UM MORTO VERDADEIRO.

CHOVE TRISTEZA FRIA NO TELHADO
DO CASTELO DO SONHO; NUA, NUA A CLÇADA QUE SUBO, JÁ CANSADO, DE TANTO ANDAR PERDIDO NESTA RUA.

DUMA OLAIA CAÍU, MORTA,AMARELA,
QUALQUER COISA QUE FOI PRINCÍPIO E FIM;
E BEM OLHADA, BEM PENSADA, É ELA
AQUELA FOLHA QUE LUTOU POR MIM...

SOZINHO E MORTO OUÇO CANTAR ALGUÉM,
MAS É LONGE DEMAIS A MELODIA...
E O OUVIDO QUE VAI NUNCA MAIS VEM
TRAZESR-ME A LUZ QUE FALTA NO MEU DIA.

Unknown disse...

Peço desculpa do facto de não me ter apercebido antes de publicar estes comentários, dos erros ortográficos ou gralhas que vão aparecendo em cada texto.
Espero ser perdoado porque isto é tão só, da pouca experiência que tenho nestas andanças

com um abraço marques de almeida

Unknown disse...

só António Gedeão poderia escrever assim.

AMADOR SEM COISA AMADA.

RESOLVI ANDAR NA RUA
COM OS OLHOS POSTOS NO CHÃO,
QUEM ME QUIZER QUE ME HAME
OU QUE ME TOQUE COM A MÃO.

QUANDO A ANGÚSTIA EMBACIAR
DE TÉDIO OS OLHOS VIDRADOS,
OLHAREI PARA OS PRÉDIOS ALTOS,
PARA AS TELHAS DOS TELHADOS.

AMADOR SEM COISA AMADA,
APRENDIZ DE COLEGIAL
SOU AMADOR DA EXISTÊNCIA,
NÃO CHEGO A PROFISSIONAL

Unknown disse...

O GEDIÃO CONTINUA A BRINDAR-ME COM ESTES RACIOCÍNIOS GENEAIS.
ATENTE-SE

O CERTO É QUE A REALIDADE REAL
DIFERE BASTANTE DA REALIDADE PENSADA,
OS HOMENS NÃO ESPERAM MESMO NADA,
EU É QUE ESPERO E ESSE,É TODO O MAL.
GRAVO A DOR DO MUNDO IMAGINANDO-A;
CORO DE SANGUE E FEBRE OS OLHOS DISTRAÍDOS;
CONSTRUO A VOZ AMARGA, IMPLICO-A DE SENTIDOS,
PISANDO-A,TRITURANDO-A, MACERANDO-A.

O MUNDO É CORPO.É UM CORPO SEM FORMA.NEM LIMITES
E COMO CORPO NELE,
UNS SÃO CARNE OUTROS PELE, OUTROS VENTRE,OUTROS BOCA,OUTROS RETINA,OUTROS MUSCOLO TENSO E FORÇA BRUTA;
CADA UM SEU SISTEMA DETERMINA.
CADA QUAL A SEU MODO SE EXECUTA.

Unknown disse...

Penso no ser poeta, andar disperso
na voz de quem a não tem;
No pouco que há em mim em cada verso,
No muito que há de tudo e de ninguém.

Anda o cego a tocar La Violetera,
E eu a velo e a cegar;
E a pobre da mulher esfregando e pondo cera,
E eu a vê-la e a esfregar.

Que riso perto, que aflição distante,
que ínfima débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
Que rasga ,revolve e asfalta
a subterrânea estrada?

Postulados e leis e teoremas,
tudo o que afirma e jura e diz que sim,
teorias doutrinas e sistemas,
Tudo se escapa ao autor dos meus poemas.
A ele e a mim.
com um abraço
marques de almeida