domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15718: Efemérides (212): O Carnaval de 1970 (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

1. Em mensagem de ontem, dia 6 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72) fala-nos do Carnaval de 1970, sem dúvida um dos mais tristes da sua vida.


CARNAVAL DE 1970 

Como o tempo passa…
Foi há 46 anos… mas tenho ainda bem presente essa época carnavalesca da minha vida…
Não por qualquer acto festivo e alegre próprio de folias, brincadeiras, diversões ou outras actividades burlescas usuais do entrudo. Antes pelo contrário. Por ser Carnaval, o que me pregaram foi, no mínimo, uma “partida de mau gosto”… e só podia advir da Instituição Militar, pois já não era a primeira vez que o faziam.

Embarquei para a Guiné no dia 9 de Fevereiro de 1970, segunda-feira de Carnaval. Assim, no domingo, dia 8, efectuado o almoço de despedida, antecipado, já que naquele tempo a viagem de automóvel para Lisboa era bem demorada e, os que me iam levar, teriam de regressar nesse mesmo dia a esta santa terrinha ilhavense.

Habitava então uma casa arrendada na Rua de Camões, bem perto da dos meus Pais e numa área onde decorreram os melhores anos da minha infância e parte da juventude.
Presentes, todos os familiares mais chegados, fazendo os adultos os possíveis por “camuflar” o triste momento do significado deste acto que nos reunia em volta da mesa, já que os meus filhos e sobrinho, pensava eu, que dada a pouca idade, de tal não se apercebessem.

Embarque rápido, para evitar cenas mais patéticas, acompanhado por meu sogro e no assento traseiro ladeado por dois dos meus filhos, Jorge e João, assim seguimos rumo a sul, pela EN2, via Vagos-Figueira da Foz, até apanharmos a EN1 em Leiria.
Caminho tão conhecido por tantas vezes percorrido, mas com outra disposição, nas minhas frequentes idas e vindas para Lisboa. Só que neste dia sabia que ia… mas… e o regresso?

Percurso tão longo, em que os silêncios eram maiores do que as poucas frases que pretendiam ser animadoras, mas sem efeito visível. Eu já não era o mesmo de há meio ano atrás. Desde que tinha interiorizado que a partir do CPC, não poderia evitar um qualquer lugar numa das Colónias em guerra, pratiquei, digamos, uma auto-terapia de mentalização, tipo “narcoterapia” que “descondiciona” a pessoa, diminuindo-lhe a ansiedade e fazendo-a andar “meio adormecida”. Enfim, tipo “anda no mundo por ver andar os outros”.

Por isso naquela viagem, já quase não dava por nada. Só senti um leve despertar, quando ao desembarcar nos Restauradores, onde pernoitei numa Pensão que existia quase junto do cinema Eden, vi o meu filho Jorge atirar-se para o assento do carro meio a chorar. Ficou em mim gravada essa imagem e a ideia de que afinal, ele com os seus pouco mais de seis anos apercebia-se da minha futura ausência. Mas, posso ainda garantir, que mesmo isso pouco me afectou, pois já “andava nas nuvens”, como depois sempre pela Guiné andei.

Embarquei portanto na segunda-feira de Carnaval, com bom tempo e a “partida de mau gosto”, sentia então mais funda, quando o N/M Alfredo da Silva sai a barra e… ruma a Norte, quando o destino era o Sul!
Aí sim, tive um momento de lucidez e senti uma grande revolta interior. O navio não seguia como TT, mas em viagem normal que eu bem conhecia. Lisboa-Leixões-Mindelo-Praia-Bissau e volta.

Privaram-me de menos dois dias de companhia com a família, já que poderia embarcar na terça-feira durante a tarde em Leixões. E quão importantes eram, naquele tempo de incertezas, todos os momentos passados junto de quem amávamos. Só quem viveu esse período das nossas vidas sabe dar valor a esses pormenores, que afinal eram bem grandes.

Escusado será dizer, que nessa terça-feira, durante aquelas horas que passamos em Leixões, apenas deambulei pelo cais e proximidades, não telefonando sequer para casa, para não agravar mais a saudade.

E assim foi o meu Carnaval de há 46 anos.
Viagem por terra para Lisboa, cruzeiro marítimo para Leixões, passeio pelo cais nesse porto sem vislumbrar qualquer mascarado, mas fantasiado de Capitão do Exército com um grande melão.

Abraços para todos os Tabanqueiros do
JPicado
 
Em primeiro plano, à direita, o Cais Sul da Doca 1 do Porto de Leixões, local habitual para atracação dos navios da Sociedade Geral a que pertencia o "Alfredo da Silva". A foto não representa a época.

Foto: Fonte Internete, com a devida vénia ao eu autor
Legenda: Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15714: Efemérides (211): "Desastre na Guiné", título de caixa alta, da 2ª edição do "Diário de Lisboa", de 8/2/1969

5 comentários:

Juvenal Amado disse...

Jorge gostei de ler

A estupidez de quem nunca prestava contas é no teu caso um bom exemplo.

Um abraço

Anónimo disse...



Camarada e amigo Jorge Picado:

Meu capitão, que o poderias ter sido em Mansabá, quando comandaste a Cart. 2732, por onde eu passei mais tarde, quando o comandante já era outro. Temos tido alguns encontros e desencontros. Já nos encontramos na Tabanca de Matosinhos, mais tarde no lançamento de um livro, procurei-te há alguns dias no lançamento de outro livro na messe de oficiais no Porto, e não estavas.
Sobre isso falei ao Carlos Vinhal esse camarada sempre tão diligente e eficiente na nossa companhia de Mansabá como neste blogue.Sentimos a tua falta e desejamos que não houvesse problemas de saúde que te impedissem de estar presente.
Por outro lado fui para a Guiné no mesmo navio "Alfredo da Silva" que te levou, cerca de um mês depois, fiz o mesmo percurso, com embarque em Lisboa, escala em Leixões. Mindelo e Praia. Tal como tu desconhecia esse percurso antes de embarcar. Em Leixões, onde o navio esteve um dia atracado , fui com mais três camaradas a almoçar a uma casa solarenga dos tios e padrinhos de um deles perto de Entre-os-Rios, a cerca de 40 kms do Porto, de taxi, que esse camarada, filho de gente da alta sociedade de Cascais, pagou.
A tua partida foi naturalmente mais penosa do que a minha, eu era somente um dos sete filhos de bons pais, mas tu já tinhas uma companheira e eras pai de duas crianças que precisavam do teu amor, da tua companhia e da tua ajuda para viverem e crescerem com saúde e equilíbrio. Eu confesso, que por razões que a minha cabeça não tinha digerido muito bem, me deixei ir como quem vai para o sul empurrado pela corrente. Por lá vegetei dois anos nas dúvidas e sem razões que levei. Não se falava de nada, o silêncio era a regra, ninguem sabia ou queria explicar.
Mas para lá do sofrimento provocado por razões existênciais, politicas e afins de alguns, imagino o sofrimento imenso de tantos camaradas, como tu, já casados e pais de filhos.
Saúde e um grande abraço. Francisco Baptista

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Jorge Picado

Olá camarada e amigo!
Ao ler o teu relato, não posso deixar de confidenciar / comentar o seguinte.
À data do teu embarque para a Guiné, prestava eu serviço na Marinha Mercante como Artífice, mais propriamente na Sociedade Geral e no N/M Alfredo da Silva.
Andei nessa vida dos dezoito aos vinte e um anos, tendo em Janeiro de 1971 sido chamado para o serviço militar, por ter recusado prestar serviço na frota da pesca do bacalhau, a que estaria obrigado durante seis longos anos... Era esta a "oferta" que me faziam para "escapar" à tropa.
Curiosamente ou não (parece que tinha o destino marcado), no final de 1971 foi mobilizado para a Guiné, depois de durante os três anos em que estive na Marinha Mercante, ter feito dezenas dessas viagens Lisboa - Leixões - Funchal - S.Vicente - Praia - Bissau - Lisboa.
Toda esta explicação, para chegar à conclusão que, mais que certo que fizemos essa tua viagem de Carnaval de 1970 juntos, e depois que na Guiné provavelmente também nos teremos cruzado, pois estive colocado durante todo o ano de 1972 na C.Caç.3306 do B.Caç.3833, em Jolmete, cuja sede era Pelundo, onde me desloquei por diversas vezes, e uma vez por outra a Teixeira Pinto. Mais tarde, aquando do regresso dessa unidade à Metrópole, fiquei colocado no Depósito de Adidos em Brá.
Um grande e forte abraço com votos de muita saúde.
Um forte abraço

Anónimo disse...

Camaradas Comentadores

Foi assim a minha ida para a Guiné.
Aconteceu embarcar a 9 de Fevereiro de 1970 e regressar, mas de avião, em 9 de Fevereiro de 1972. Portanto, é justo, que se comemoro a data triste da partida, também tenho de comemorar a data feliz da chegada e assim à noite, lá vai um "Whiskyzinho", que já marchou.

Amigo Francisco Baptista, apenas uma ligeira correcção nas tuas gratas palavras. Tinha 4 filhos e os que me acompanharam foram o 2.º e 3.º.

Quanto ao amigo Augusto Silva Santos, foi uma coincidência, pois de certeza que iria nessa viagem, mas apenas me lembro do Of Telegrafista, como escrevi quando contei esse episódio.
De facto naquele tempo, para fugirem ao serviço militar "normal", tinham de penar nos mares frios da Terra Nova e da Gronelândia naqueles navios da "Frota Branca".
Quantas centenas ou milhares? de conterrâneos meus tiveram de fazer isso, antes de darem o salto ou para o estrangeiro ou para a mais limpa Marinha Mercante.

Na Guiné, já não nos devemos ter cruzado, pois em 1972 só lá passei praticamente o mês de Janeiro em Teixeira Pinto, sem deslocações ao Jolmete e julgo até que nem saí da sede do CAOP1 a não ser para ir várias vezes a Bissau, tratar da minha substituição, já que o próprio Cor Rafael Durão me incentivava a tratar da "minha vida", pois assim que tivesse substituto me passava a guia de marcha.
Abraço
JPicado

JD disse...

Caríssimo Jorge,
Fomos contemporâneos nessa aventura africana, pois também embarquei em Fevereiro de 1970, mas a partir do Funchal. Relativamente a ti, parti com muito menos preocupações, na medida em que já tinhas casado e quatro descendentes. O Estado precisava do contributo dos seus melhores filhos, ou daqueles que decidia serem carne para canhão.
A leitura que proporcionaste fez-me entrar em comparações. Por aquele tempo(1971/2) MRS acabava com boa nota o curso de direito. Era uma das esperanças primaveris do Estado Novo. Beneficiou de adiamento para evoluir na carreira, pelo que não teve tempo de concretizar o seu patriotismo na defesa do ultramar.
Depois vieram os cravos, que simbolizaram a "pacificação" nacional, e o principio da igualdade entre todos os portugueses, embora à custa de dramáticas amputações e de sucessivos créditos externos que marcaram lugar de permanência em todos os Orçamentos de Estado. Ainda assim, pensamos que progredimos muito, apesar deste OE retirar verbas à Educação e acrescentar à Defesa. Deve ser por causa dos superiores interesses da nação.
Entretanto MRS foi eleito presidente, que ainda não sabemos se vai ser tão proficuo quanto foi comentador, ou vai ser tão enganado quanto se deixou enganar, enganando quantos nele acreditavam religiosamente, ou tão prosélito que o Braga chegue a campeão nacional.
A história deste país parece redonda, e voltamos a um dos pontos de partida: desespero para muitos, e alegrias para alguns.
Recebe um grande abraço
JD