sexta-feira, 22 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16001: Nota de leitura (832): “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Atenda-se ao que Carlos de Matos Gomes escreve no prefácio desta narrativa que possui os requisitos para fazer parte da investigação histórica indispensável:
"Os relatos das reuniões de militares na Guiné desmontam pela base as calúnias que por vezes surgem sob a forma de interpretações históricas, atribuindo à contestação dos militares que roubaram a ditadura a uma mera e mesquinha motivação corporativa. O livro de Jorge Golias expõe a desonestidade desses adeptos do antigo regime e do colonialismo".
Em boa hora Jorge Sales Golias passou a escrito e deu sequência a factos históricos que a generalidade do povo português, e mormente as novas gerações precisam de conhecer para clara certidão da verdade de um teatro de operações que se encaminhava para uma tragédia do tipo de Índia.

Um abraço do
Mário


A descolonização na Guiné-Bissau e o movimento dos capitães (1)

Beja Santos

Oportunidade única de conhecer pela boca de um dos seus protagonistas o que foi o processo de descolonização da Guiné encetado formalmente a 26 de Abril de 1974, com a tomada do poder pelo núcleo do MFA da Guiné. A narrativa é de um capitão de Operações de Transmissões que acompanhou a génese do MFA da Guiné e terá um papel preponderante nos acontecimentos que antecedem o reconhecimento da independência da República da Guiné-Bissau: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016.

Jorge Sales Golias chega a Bissau em Junho de 1972, viaja na companhia do Capitão Miliciano José Manuel Barroso, jornalista do “República”, que irá desempenhar relações de funções públicas no Gabinete do General Spínola e do Capitão (Comando) Carlos de Matos Gomes que ia para a sua terceira comissão. Ficará colocado no Agrupamento de Transmissões, explica-nos as suas missões, a sua relação com o Comandante do Agrupamento Tenente-Coronel Mateus da Silva, outra figura preponderante no 26 de Abril de 1974 em Bissau e período seguinte. Em pinceladas grossas, descreve a situação militar na Guiné, ao tempo da sua comissão: a reocupação do Cantanhez, a perda da supremacia aérea, os acontecimentos de Guidage, Guileje e Gadamael e o estado de desmoralização das tropas, cada vez mais acantonadas aos seus destacamentos. Com detalhe, menciona a reunião dos Altos Comandos de 15 de Maio de 1973 e a perceção de tragédia que lhe está subjacente.

A narrativa inflete para a origem do Movimento dos Capitães, reuniões que passam a ter lugar a partir do final do ano de 1972 e que têm o seu pico alto em 12 de Agosto de 1973 quando se discute, no Clube de Oficiais de Bissau, o decreto-lei n.º 353/73, reunião que dá lugar a outra e pela primeira vez ouve-se a palavra revolução, a 28 de Agosto surge uma carta que irá recolher 52 assinaturas, aquela que, segundo o autor é a carta fundadora do Movimento dos Capitães. Os contactos extravasam para Lisboa, e depois para o país. Alguns dos subscritores da carta dos 52 passam a participar nas reuniões na metrópole. Começa a evoluir-se para um golpe de Estado que apeie Marcello Caetano e derrube o seu regime. O MFA da Guiné, por sua conta e risco, preparou o Plano B do MFA, no caso de falhar o golpe em Lisboa, seria a vez dos militares em Bissau.

Em 25 de Abril, os serviços de escuta das Transmissões trouxeram as primeiras notícias pelas 5 de manhã, começam então em Bissau reuniões no Batalhão de Caçadores Paraquedistas, estão presentes o seu Comandante e oficiais de outras Unidades, como Raúl Folques, Matos Gomes, Zacarias Saiegh, Sosua Pinto, Pessoa Brandão. À tarde delineiam-se os planos de operações para controlar todos os pontos sensíveis e chegar à fala com o Governador Bettencourt Rodrigues e outras figuras preponderantes das Forças Armadas. Sabe-se que Bettencourt Rodrigues não só não reconheceu a Junta de Salvação Nacional como deu instruções à PIDE para seguir os movimentos dos oficiais do MFA.

Na manhã de 26, estes militares do MFA Guiné dirigem-se à Amura e entram no gabinete do Governador e Comandante-Chefe. Ocorre uma altercação que envolveu o Brigadeiro Leitão Marques, mas tudo acaba corretamente, fazem-se detenções formais e o Tenente-Coronel Eduardo Mateus da Silva é convidado pelo MFA da Guiné para encarregado do Governo, o Comodoro Almeida Brandão só aceitou desempenhar as funções de Comandante-Chefe. Jorge Sales Golias é nomeado Chefe de Gabinete de Mateus da Silva. Entra-se em conversações com os representantes da sociedade civil, procede-se à libertação de presos políticos, tiveram lugar alguns desacatos tanto em Bissau como no interior, caso de assaltos a casas comerciais. Procede-se à primeira organização de estruturas de apoio ao Governo até que em 7 de Maio o Tenente-Coronel Carlos Fabião foi designado por Spínola para novo encarregado do governo. Traz instruções precisas de Spínola: negociar o cessar-fogo; tratar o PAIGC como um partido igual aos outros; promover um referendo com vista a uma solução federativa. Mas Carlos Fabião apercebe-se rapidamente que tudo mudara, no contexto internacional, na evolução da guerra, no próprio estado de espírito das Forças Armadas Portuguesas. A especificidade do MFA na Guiné garante a sua presença na estrutura executiva do Governo, Mateus da Silva vai a Lisboa com uma agenda que inclui em todos os pontos entrar em negociações com o PAIGC. Spínola revela-se dramático, vai criando a sua própria agenda, pensa mesmo ir a Bissau a um Congresso do Povo, seria aclamado e subverteria os propósitos de independência do PAIGC. Enquanto tudo isto ocorre, a diplomacia move-se em Dakar, Londres e Argel, as nossas tropas começam a conviver com as forças do PAIGC, logo em 19 de Maio o Capitão Silva Ramalho, da Companhia de Sare Bacar, convive com as forças de Quemo Mané, é patente uma grande desorientação entre os comissários políticos e os comandantes militares do PAIGC.

É um período de intensos boatos, de reagrupamento de forças políticas, conflitos de trabalho, de greves. É neste contexto que se institucionaliza o MFA na Guiné e Jorge Sales Golias pormenoriza a orgânica da Estruturação Democrática do MFA.

Encetam-se conversações com as forças do PAIGC, disciplinam-se os relacionamentos hierárquicos, travam-se exageros e radicalismos. As tensões políticas metropolitanas refletem-se na Guiné-Bissau entre moderação e extrema-esquerda. No centro político estava o Alferes Miliciano João Ferreira do Amaral, na extrema-esquerda o Alferes Miliciano Celso Cruzeiro, dinamizador do Movimento para a Paz que reivindica à cabeça o cessar-fogo imediato, sem condições. Sales Golias comenta: “Oportunistas que na altura eram mais revolucionários do que os capitães do MFA. Consequência de o MFA na metrópole não ter ainda definido as linhas principais de atuação e estar dependente da vontade de Spínola e do governo”.

E em 1 de Julho de 1974 realizou-se a primeira Assembleia-Geral do MFA na Guiné. O ponto alto da Assembleia foi a aprovação por aclamação de uma moção em que se apelava para o Governo português reconhecer a República da Guiné-Bissau, para que se reatassem as negociações com o PAIGC, após o impasse de Argel, e apelava-se para que os militares portugueses encarassem a sua presença atual e futura na Guiné como forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15987: Nota de leitura (831): “As guerras coloniais portuguesas e a invenção da História”, por Luís Quintais, Imprensa de Ciências Sociais, 2000 (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

"... Começa a evoluir-se para um golpe de Estado que apeie Marcello Caetano e derrube o seu regime".

Mas Marcello com um ou dois Éles, alguma vez teve pedalada para ter algum regime próprio?

Ou foi Marcelo que foi posto e mantido no governo de 1968 a 1974 com apoio dos militares, e que esteve sempre refém daquilo que os militares decidissem?

A nossa imaginação é incrível, ou estou enganado?

Lá foi para o Brasil de Chaimite, o nosso Marcelo e não quis regressar, nem morto.

Mais uma de BS para ajudar a reconstituir a história.



JD disse...

Salienta o Autor:
«As tensões políticas metropolitanas reflectem-se na Guiné-Bissau entre moderados e extrema-esquerda. No centro político estava o Alferes Miliciano João Ferreira do Amaral, na extrema-esquerda o Alferes Miliciano Celso Cruzeiro, dinamizador do Movimento para a Paz que reivindica à cabeça o cessar-fogo imediato, sem condições. Sales Golias comenta: "Oportunistas que na altura eram mais revolucionários eo que os capitães do MFA. Consequência do MFA na metrópole não ter ainda definido as linhas principais de actuação e estar dependente da vontade de Spínola e do governo"».
Daqui resultam duas ideias principais: que o MFA na sua ambição de evitar a guerra pela fuga e abandono dos territórios, não se preocupou com a organização revolucionária, deixando-a sujeita a caprichos do acaso, como serem dois milicianos a revelarem-se líderes de coisa nenhuma, melhor, de um processo vergonhoso cujos autores pretendem evitar responsabilizações. Eles foram e são coveiros de Portugal.
A outra ideia, na sequência da anterior, reflecte a incompetência e desorganização do movimento, a ausência de mecanismos de controle, a arbitrariedade a que estavam sujeitos os intervenientes, a evidência do desastre nacional que emanou do MFA. Também na metrópole o MFA argumentava com os 3 Dês para justificar a traição, e disso ter tirado dividendos do povo ingénuo que acreditou.
O que aconteceu, foi que passados estes anos, e esgotadas as reservas financeiras, bem como destruído o aparelho produtivo a troco de benesses para alguns políticos, Portugal tem vivido de mão estendida, de empréstimos que anualmente agravam as dívidas nacionais e os sacrificios da população, à pála de eleições quadrienais de arremedo democrático, que parecem dar legitimidade às mais infames ofensas e roubos cometidos pelos sucessivos governos ditadores. É o que devemos recordar do MFA: conjunto imberbe, que se meteu na mais desastrada e traiçoeira das aventuras, que não me canso de denunciar.
JD