O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra , facultou-nos uma cópia digital. (O Virgínio, com a sua santa paciência e a sua grande generosidade, gastou mais de um ano a ajudar o Amadua a pòr as suas memórias direitinhas em formato word, a pedido da Associação dos Comandos...).
O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de 120 referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar. As folhas manuscritaas foram entregues ao Virgínio Briote com a autorização para as transcrever (e eventualmente publicar no nosso blogue). Desconhecemos o seu conteúdo, mas já incitivámos o nosso coeditor jubilado a fazer um derradeiro esforço para transcrever, em word, o manuscrito do II volume (que ficou incompleto). E ele prometei-nos que ia começar a fazê-lo, "para a semana"...
O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) |
(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;
(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)
(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;
(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);
(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;
(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,
(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.
(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.
(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;
Um dia ouvi chamar pelo meu nome.
− Amadu, passa ali na minha casa.
Fui a casa dele. Quando entrei, a primeira coisa que o homem fez foi fechar a porta da rua. Era perigoso falar connosco.
− Olha, eu sou fulano, não tenho nada com política da Guiné, mas tu, Amadu, és meu amigo há muito tempo. Se precisares de sair da Guiné, conta comigo.
Respondi-lhe que ia pensar, que se fugisse quem ia ficar a tomar conta da família, a minha mãe estava muito velha, as minhas mulheres podiam ir para qualquer lado, ir para casa dos seus pais ou voltar a casar, agora os meus filhos, o que ia ser deles?
Eu não queria morrer, como veio a acontecer a companheiros meus, sem a minha família saber onde estava, se tinha fugido ou sido morto.
− Eu não vou fugir, mas muito obrigado, foi a minha resposta.
Antes, as pessoas procuravam-nos para nos conhecerem melhor, para serem nossos amigos.
Depois de 25 de Abril e até 20 de Agosto de 1974, quando entregámos as armas, o comportamento das pessoas mudou, passou a ser diferente. Ninguém queria ser nosso amigo, nem acompanhar os comandos. Agora, a maioria eram nossos inimigos, e outros, a quem antes tínhamos feito favores, começaram a prender as pessoas, Comandos ou não.
Antes de 11 de Março de 1975, foram mortos o tenente Bacar Djassi, o tenente Jamanca, o alferes João Uloma e o 1º sargento Lalo Baio[1], todos Comandos.
Foi uma era muito difícil para todos os que estiveram com os brancos. Poucos falavam connosco, éramos marginalizados completamente pela gente que, antes, estava à nossa protecção e que, depois, passaram a ser os nossos maiores inimigos.
Foi também uma grande experiência, que ajudou quem sobreviveu a viver tranquilo para o resto da vida.
O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.
Durante esses onze anos, de 1974 a 1985, eu não podia falar do que passei, em nenhum lado da terra onde nasci e cresci. Passei a ser insultado nas reuniões e obrigado a bater palmas aos insultos que me faziam.
Diziam na minha cara que, no dia 22 de Novembro de 1970, na ida a Conacri, os portugueses saltaram os seus cães com dois pés, isto é, nós.
Desses tempos, em Bafatá, pouco depois de março de 1975, fui assistir ao funeral de um vizinho. Quando cheguei ao local, estava lá muita gente. Cumprimentei as pessoas, algumas responderam, outras não. Notei que um presente fez um gesto com a cabeça para um militar do PAIGC, que não me conhecia.
O militar deu a volta − para outro lado e mandou um miúdo chamar-me. Chegou junto de mim e disse:
− Tio, um militar mandou chamar-te.
Segui o menino até ao militar do PAIGC. Dois militares, que estavam numa varanda com armas nas mãos, deram-me voz de prisão. Um à esquerda e outro à direita, conduziram-me em direcção ao quartel, onde era antes o esquadrão de Cavalaria. Chegado ao último cruzamento, vi um jipe a aproximar-se de nós. Subimos para o passeio e vi o Suleimane Djaló, 2º comandante do batalhão. Era da minha etnia, embora a gente não se conhecesse.
Quando me aproximei, acompanhado dos dois soldados da sua unidade, perguntou:
− O que é que se passou?
− Fui eu que o prendi, meu comandante! − respondeu o militar.
− Por quê? − perguntou o Suleimane.
− Ele é alferes dos Comandos!
− Então, podemos prender qualquer militar, sem ordem de ninguém? De onde é que vieste? Quem te deu ordem para vir cá prender gente?
− Desculpe, meu comandante, ninguém me mandou!
Suleimane Djaló, o comandante, olhou para mim:
O que me prendeu era beafada, chamava-se Ansumane Injai. Na altura em que me prendeu, estava bem fardado, de oficial, com calça e camisa de terylene e sapatos bem engraxados, fio de ouro e mascote, tudo grosso.
Passados uns anos, um dia, eu estava com o cunhado do meu irmão mais velho, meu conhecido desde muito novo. Andávamos juntos muitas vezes, o pai dele foi meu professor do Alcorão e o meu irmão mais velho tinha casado com a sua irmã mais velha.
Eu e o meu parceiro tínhamos um Peugeot 404, uma station com sete lugares. Ele também tinha sido tropa, foi condutor da 1ª CCmds. O nosso carro estava na oficina a mudar peças e, nós estávamos à porta do mercado de Bafatá.
A certa altura, chegou uma pessoa à minha frente e cumprimentou-me, apertando-me a mão. Era uma pessoa magra, estava suja e cheia de nódoas. Ele olhava para mim mas eu não o conhecia. Perguntou-me se eu não o reconhecia.
− Eu, não!
− Fui eu quem te prendeu! No choro do homem do Bairro de Caibra.
− Ah, foste tu?
− Sim, fui. Olha, desde que te prendi, nunca mais passei bem. Estive preso um ano e dois meses, libertaram-me, passados alguns dias voltaram para me prender mais dois anos. Saí há 5 dias da prisão.
Antes de eu sair da prisão, faleceu um meu primo em Bambadinca. Não tenho dinheiro para o transporte, foi um amigo que me deu boleia de Bissau até Bafatá. Agora, eu peço-te, por favor, que me arranjes 20 escudos para pagar o transporte para Bambadinca, para ir cumprimentar os familiares do meu falecido primo.
Não lhe disse nada. Meti a mão ao bolso, tirei uma nota de 50 escudos e dei-lhe. Ele agradeceu e foi embora. O meu companheiro disse-me que eu era um burro.
Eu não tenho ódio, Deus pagou-lhe o que merecia. Ele prendeu-me durante uma hora, esteve preso mais de três anos. O que é que eu vou querer mais dele ? Nada!
Aqueles anos foram de fome, não havia arroz. No governo de Luís Cabral, desembarcou um barco com rações de milho para os burros para dar à população. Fizemos tudo por tudo para comermos aquele milho, mas não conseguimos, era ração para burros. Mas, vendo bem, o Luís Cabral não devia ser o único culpado. O ministro do Comércio era filho da Guiné e o 1º ministro também.
Depois de 14 de Novembro [de 1980], acabaram-se as perseguições. Até esse dia fui perseguido dia e noite. Estava cadastrado no aeroporto, como todos os africanos que tinham sido militares portugueses. Todos os cadastros foram levantados. Dentro do meu coração, não deixo de louvar o 'Nino' Vieira[3], Presidente da Guiné-Bissau.
Nunca esquecerei os primeiros anos do governo de Luís Cabral, desde 1 de janeiro de 1975 até janeiro de 1976. A partir de 11 de março, a emissão do rádio acabava à noite com a frase “a pena de morte continua”, o recolher era obrigatório, a partir das 20h00 tínhamos que fechar as portas e apagar as luzes. Acendíamos as lanternas, algumas fabricadas por nós próprios. Era assim até ao nascer do novo dia.
Lembro-me de ouvir falar de um acontecimento passado em Farim[4]. Noventa e tal pessoas, Comandos e outros militares e milícias, que viviam na região de Casamansa, foram presos no Senegal pela polícia e por militantes do PAIGC. Trouxeram-nos em viaturas até à fronteira e depois, em viaturas do PAIGC, para Farim.
Depois, meteram-nos nas covas, que durante a guerra serviram de depósitos das granadas de artilharia. Ficaram lá presos. Não havia nenhum buraco, nem nenhum furo, por onde entrasse ar. Fechados lá dentro bateram à porta, gritaram, ninguém ouviu nada.
Quando 'Nino' fez o 14 de novembro, não admitiu no seu governo o autor deste massacre, mas mandou dar-lhe uma carrinha para governar a sua vida, que ficou como a sua reforma.
Com o golpe de 14 de novembro, a Guiné mudou muito. Começou livre e a fome acabou. Passou a haver arroz, não milho para burros, chegaram mais mercadorias para a Guiné, o aeroporto ficou aberto para todos os guineenses, que estavam na Europa. Os guineenses podem agradecer tudo isto a 'Nino' Viera, um filho da Guiné.
Deixámos o passado para trás. Por quê o ódio? E a vingança? Qual é o destino da vingança? É a guerra! Qual o destino final da guerra? Estropiados, sangue, lágrimas, pobreza, suor, trabalho.
FIM do I Volume (Publicar-se-ão a seguir os Anexos)
______________________
Notas do autor ou do editor VB:
[1] Lalo Baio, mandinga, sobrinho do chefe da tabanca de Morucunda, em Farim, tinha pertencido ao PAIGC, nos primeiros anos da luta. Por qualquer motivo, tomou a decisão de se apresentar às autoridades portuguesas, trazendo com ele dez elementos e as respectivas armas.
[2] O morto. antes de ser enterrado, é embrulhado num pano e envolto numa esteira. As mulheres põem luto, vestindo-se de branco, sem qualquer enfeite ou adorno, a não ser um lenço branco.
[3] Nota do editor: João Bernardo Vieira, 'Nino' Vieira, 'Nino' ou 'Kabi Nafantchammma' como também era chamado, nasceu em Bissau, em 27 de Abril de 1939. [ Tem 165 referências no nosso blogue.]
Foi eleito deputado em 1973 e, posteriormente, Presidente da Assembleia Nacional Popular, que proclamou no Boé a República da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973.
Após a independência foi Comissário do Estado para as Forças Armadas.
Com o novo regime, as primeiras eleições tiveram lugar em 1994. 'Nino' Vieira, concorrendo contra Kumba Yalá, foi eleito Presidente da República à 2ª volta, tomando posse em 29 de Setembro de 1994. Quatro anos depois, ainda conseguiu suster um golpe que visava a sua destituição. Mas não por muito tempo.
A propósito de um nunca esclarecido fornecimento de armas para a guerrilha de Casamansa, em Junho de 1998 travou-se uma violenta guerra civil entre partidários de Ansumane Mané e forças fiéis a 'Nino'. Mané destituiu-o em 7 de Maio de 1999 e 'Nino' Vieira foi obrigado a refugiar-se na Embaixada Portuguesa em Bissau, de onde só saiu em Junho para Portugal.
Fazendo jus à sua antiga imagem de combatente, 'Nino' regressou a Bissau em 2005 para anunciar a candidatura às presidenciais de Junho de 2005, que venceu à 2ª volta contra Malan Bacai Sanhá. Mas a sorte, que tantas vezes o protegeu, estava prestes a abandoná-lo.
Há Guineenses que dizem que, depois do regresso de Portugal, 'Nino' nunca conseguiu recuperar os poderes políticos e militares, que antes detivera. Que o poder militar se mantinha nas mãos dos que o tinham exilado e que, apesar das várias tentativas para fazer e compor alianças, o poder político se mantinha longe dele. Outros afirmam que 'Nino' foi tão bom combatente como mau político.
De herói da luta de libertação nacional a vilão e tirano, é como o retratam alguns camaradas, depois de o verem à frente dos destinos da Guiné-Bissau durante 22 dos 36 anos de Independência.
Companheiros cabo-verdianos na luta pela libertação, não esquecem que foi 'Nino' que, em 14 de Novembro de 1980, matou o sonho de Amílcar Cabral de unir os dois países. E não se coíbem também de referir que, com o golpe militar que derrubou Luís Cabral, 'Nino' abriu caminho a uma violência que durou até aos nossos dias.
Ironias do destino dos antigos camaradas de luta e adversários depois: os corpos de “Nino” Vieira e o do general Tagmé Na Waié, também vítima, um dia antes, de uma explosão violenta no seu gabinete e ambos companheiros na luta pela independência, repousaram juntos, bem perto um do outro, na morgue do Hospital Simão Mendes, em Bissau, antes de serem sepultados no cemitério de Bissau, em extremos opostos.
[4] Nota do editor: em depoimento a Nelson Herbert, editor-sénior do serviço em português para a África, da Radio Voice of Amrrica (Voz da América), Luís Cabral refere-se assim ao acontecimento:
Último poste da série > 1 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25126: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLII: No rasto do PAIGC, a última saída da CCAÇ 21: apanhada de surpresa, em Canjufa, pela notícia do golpe de estado do 25 de Abril (pp. 272/276)
6 comentários:
O Amílcar Cabral e o seu partido e os seus comandantes, a começar pelo 'Nino', teriam ficado na História, se tivessem deposto as armas tal como os tugas o fizeram, feito as pazes com todos e lançado as bases da reconciliação e do futuro...
Tinham preparado o seu país para um sociedade democrática, pluralista, pluriétnica, pluripartidária, pacifista, e formado os quadros que não tinham, com apoio da antiga potência colonial (agora um país reconciualiado com a sua tradição de sociedade democrática, aberta e plural) e dos novos amigos (a Suécia, etc.), durante um periodo transitório de dez anos...
Ao fim deses dez anos, fariam eleições livres... Mas não, não era essa infelizmente a sua matriz ideológica, baseada no pensamento único de um único homem... (que não conseguiu pòr os outros a pensar pela sua própria cabeça).
Era o modelo do partido único, o que estava a dar nos anos 60/70 em África e no resto do chamado Terceiro Mundo... E ainda o é, tragicamente, o que predomina, na maior parte do planeta, da China à Rússia, do Irão à Arãbia Saudfita, e por aí fora...
O poder estava na ponta das espingardas, à esquerda e à direita., e o mundo bipolarizado.. E viu-se: os Cabrais, os 'Ninos', etc., foram uma desastre a governar... e acabaram por se trucidar uns aos outros.
De que é que o PAIGC tinha medo ? Se calhar de si próprio... Não era dos fulas nem dos comandos (que podiam perfeitamente integrados num futuro exército nacional)... Claro que era preciso dinheiro ("divisas") para alimentar o povo... O arroz não cai do céu...
Caro amigo Luis Graça,
O PAIGC tinha medo sim, tinha medo dos fulas, mas nao de todos e foi essa particularidade que salvou o nosso Amadu Bailo Djalo que, na verdade, arriscou muito ficando em Bafata, mas também a desgraça e a morte estavam em todos os lados, muitos que tinham fugido, depois foram recambiados.
A meu ver, o Paigc tinha medo dos régulos fulas que tinham recusado, na sua totalidade e sistematicamente, aderir as ideias e a ideologia da luta da libertaçao nacional, dirigida por uma elite urbana de Caboverdianos e de Grumetes de Bissau com os quais nao se identificavam e nao tinham nenhuma confiança quanto ao futuro do territorio. Nao sei e nao posso dizer quem teria razao, mas a verdade é que os seus interesses e perspectivas eram divergentes e, logo apos a independencia, a primeira medida de segurança que tomaram foi decapitar os poderes tradicionais das comunidades (fulas e manjacos) que tinham tido um comportamento recalcitrante senao contra a luta do partido libertador.
Sobre a foto da casa Gouveia, sou de opiniao contraria. Esta foto deve ser dos finais da década de 1970 ou inicio de 80. Os sinais: Nao se vê nenhum veiculo militar, não se vê nenhum branco, civil ou militar, a circular no largo do mercado, o que nao seria normal no periodo anterior a independencia. Os edificios estao um pouco degradados e as paredes parecem sujas com falta de pintura, o parque ao lado tem sinais de degradaçao e nao se vêm sinais de embelezamento e parece reinar uma certa apatia, abandono e tristeza ao redor. O Camiao da marca "Bedford" nao é da casa Gouveia cujas portas parecem fechadas e ha uma aglomeraçao anormal a frente das portas que denota desordem e abandono. Nao, Luis Graça, esta imagem é dos tempos novos e tristes que se abateram sobre Bafata e a Guiné no periodo posterior que eu bem conheci porque acampanhei, entre 1975/79, como estudante do Liceu local.
O Camiao deve estar a espera de poder ser alugado para cargas ou passageiros assim como o Toyota Hylux noutra berma, adaptada para transporte de pessoas e de cargas porque ja nao havia colunas militares nem para as localidades proximas e/ou longinquas. Muitos dos antigos soldados condutores na situaçao de reformados tinham adquiridos meios de transporte como forma de continuar a trabahar e sustentar a familia.
O Amadu Djalo diz, no seu texto, que 3 anos depois ofereceu ao Ansumane Injai, o homem que o tinha feito prisioneiro 20 escudos, mas na realidade deviam ser Pesos Guineenses (PG) porque em meados de 1978 ja nao circulavam os escudos do periodo colonial.
A morte por sufoco dos presos do Senegal em Farim (de que também ja denunciei aqui no Blogue) resultou de um acordo que o regime do Luis Cabral tinha assinando com o Presidente LS Senghor em contrapartida da pesca nas nossas aguas territoriais. Aquela nota redigida por Luis Cabral a lamentar as mortes de pessoas recambiadas de forma indiscriminada pelas autoridades do Senegal nao passava de lágrimas de crocodilo, pois dentro do PAIGC ninguém era inocente dos atropelos e crimes que eram cometidos, todos sabiam o que estava a acontecer e todos podem ser considerados cúmplices, porque existia uma especie de consenso interno desde os tempos de A. Cabral.
(cont...)
(cont...)
A. Cabral, sobre o destino reservado aos traidores da pátria a que, apesar da ferocidade aparente, no entanto, alguns puderam fazer tabua rasa ajudando os seus conhecidos e/ou entes queridos. O Aladje Mané deputado da ANP na época colonial foi depois membro influente e dirigente do Paigc, o Cadogo Junior e muitos outros nao foram incomodados, estando a viver em grande e em Bissau.
Após a leitura, ontem, de um extrato muito interessante do livro de memórias do comandante Pedro Pires (antigo Presidente de CV), descrevendo o seu periodo de travessia de deserto, quando foi obrigado a sair nas eleiçoes que seguiram a abertura politica de 1991. E, ao ler, hoje, o desabafo do Amadu Djalo, antigo combatente CMD, sobre o ser humano “ O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.”
Hoje vou dormir muito tranquilo e sem nenhumas ilusoes sobre o ser humano.
Adjarama Amadu Bailo Djalo por essa liçao de vida.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Ai dos vencidos! e os vencidos foi o povo guineense. Precisamente quem mais sofreu com a guerra que lhe impuseram. Uns "envenenados" por Portugal que se afirmava como Pátria mãe, outros "envenenados" pelo PAIGC com promessas de libertação da Pátria amada da Guiné, mas que na realidade não era Pátria, mas um naco de terra com vários povos lá dentro e explorado pelo poder do branco. O qual não era odiado nem amado pelas gentes nativas. talvez apenas tolerado.
Todos se entregaram à luta, se mataram uns aos outros, pelo mesmo objetivo - viver em paz.
Acabada a luta, nós tiramos o "cavalinho da chuva" e viemos embora, sem cantar vitória, antes que desse para o torto. O dinheiro estava-se a acabar, bem como as suas fontes. O choque do petróleo abanou a estrutura financeira e o "cansaço" dos militares e dos políticos também. Não queriam dar o braço a torcer, mas nada fizeram para impedir os militares revolucionários - A PIDE estava a dormir. O PAIGC recebe de bandeja, sem contar, um naco de terra, com tanta gente dividida pela guerra e pelas suas origens étnicas. Logo se viu quem andava na luta pela liberdade do povo e quem andava na luta para se governar. Foi o assalto a Bissau, a morte a todos os que de algum modo podiam impedir o assalto ao centro de onde se podiam governar. O medo de perder os tachos transformou-os em assassinos do seu próprio povo. Ai dos vencidos. Pobre povo guineense.
É verdade que houve uma grande perseguição aos combatentes que se colaram a Portugal, talvez sem entenderem porquê. Houve-se ainda hoje testemunhos de guineenses - Portugal era a nossa pátria, tínhamos de a defender. Depois da "independência" tal como muitos dos combatentes do PAIGC (tenho-os encontrado no interior da Guiné ) regressaram às suas famílias, (como nós) para reorganizar a vida. Reencontraram-se afastaram o fantasma da guerra e vivem na miséria que os novos colonizadores (da sua cor) lhe impuseram, mas estão em paz. O medo e o espirito de vingança da classe que se assumiu como dominante, conduziu ao assassinato de muitos africanos portugueses da G-B., mas também foram assassinados muitos antigos PAIGC, nas guerras intestinas e não só. O medo, sempre o medo e a fome de ser rico como o branco.
Novas formas de colonização e o povo, perdeu a guerra, onde viu morrer os seus melhores filhos e afunda-se numa pobreza descontrolada e sem caminho de recuperação à vista.
Tens razão Amadú Djalo, Tens razão querido Cherno.
Um abraço do
zé teixeira
A reflexão sobre o que se passou na Guiné Bissau no pós independência deixa-me triste! É que tudo poderia ter sido diferente e para muito melhor.
Desde a tragédia que foi a guerra, que poderia e deveria ter sido evitada, o que se seguiu depois do cessar fogo, foi um não cessar de perseguições e vinganças, com comportamentos deploráveis de algumas elites dirigentes do PAIGC, que se arrastam até aos dias de hoje.
A cultura da violência e da falta de respeito pela vida, herdada da guerrilha, mas também da ideologia dominante, enraizada e apoiada na União Soviética, marcaria negativamente o alvor da independência na Guiné Bissau.
"A partir de 11 de março, a emissão do rádio acabava à noite com a frase “a pena de morte continua”". Esta constatação dá bem a nota do que era esse regime de terror, com Luís Cabral na presidência e António Buscardini como "delegado da KGB". E esses anos de terror contaminaram o que poderia surgir de benévolo e positivo, nessa revolução, que muitos acreditaram ser o começo de uma nova era de prosperidade e de felicidade.
Quando em 2016 fui à Guiné Bissau, tive alguns encontros com Guineenses que tomei como amigos, deles nada tendo a temer. Pessoas que me inspiravam respeito e confiança.
Encontrei também um português, que tratava dos seus negócios em Bissau, que contrariando a minha atitude de boa vontade e de confiança, me diz que não confiava em nenhum guineense. Mesmo aqueles que se declaravam amigos, à pequena oportunidade espetavam a faca nas costas. Calei-me mas senti-me chocado com essa opinião tão negativa sobre os guineenses.
Hoje ao ler a frase escrita pelo Amadu Djalo: "O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso." Pensei no que ouvi em Bissau de um português que aí governava a sua vida. Teria ele razão?
Será que essa cultura de falsidade ainda prevalece e é preponderante na Guiné Bissau? Se assim for, tão cedo não haverá reconciliação, entendimento e paz entre as fações, políticas ou étnicas, que se confrontam no nossos dias nessa terra, que um dia conhecemos e aí derramamos suor e lágrimas e alguns o seu sangue.
Terá que continuar-se a proclamar: "A Verdade vos libertará"
Abraços fraternos
JLFernandes
Ouvi, de militantes do MPLA, profissionais de saude, médicos, generosos, sinceros, quiçá ingénuos, que acreditaram que se ia construir o "homem novo" em Angola depois de tantos de luta contra o colonialismo, o imperialismo, o racismo, o apartheid...
O que restou de tudo isso ?... O cinismo refinado das elites, o nepotismo, o desprezo pelo povo, o salve-se quem puder...
A violência nunca foi uma boa parteira da História... A violência dos senhores e dos escravos... Ai de nós quando temos de pegar em armas para defendermos a justiça e a liberdade... E neste campos também temos telhados de vidro como os outros povos...
Enviar um comentário