Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló no Cais do Sodré... A solidão de Lisboa, onde apesar de tudo teve camaradas que o ajudaram, a começar pela Associação de Comandos e o Virgínio Briote... No final do seu livro de memórias, publicado em 2010, escreveu: "Deixámos o passado para trás. Por quê o ódio? E a vingança? Qual é o destino da vingança? É a guerra! Qual o destino final da guerra? Estropiados, sangue, lágrimas, pobreza, suor, trabalho. Vai demorar muitos anos para acabar com a pobreza." (In: Amadu Bailo Djaló - "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., pág., 286) .
O Amílcar Cabral e o seu partido e os seus comandantes, a começar pelo 'Nino', teriam ficado na História, se tivessem deposto as armas tal como os tugas o fizeram, feito as pazes com todos e lançado as bases da reconciliação e do futuro...
Tinham preparado o seu país para um sociedade democrática, pluralista, pluriétnica, pluripartidária, pacifista, e formado os quadros que não tinham, com apoio da antiga potência colonial (agora um país reconciliado com a sua tradição de sociedade democrática, aberta e plural) e dos novos amigos (a Suécia, etc.), durante um periodo transitório de dez anos...
Ao fim desses dez anos, fariam eleições livres... Mas não, não era essa infelizmente a sua matriz ideológica, baseada no pensamento único de um único homem... (que não conseguiu pòr os outros a pensar pela sua própria cabeça).
Era o modelo do partido único, o que estava "a dar" nos anos 60/70 em África e no resto do chamado Terceiro Mundo... E ainda o é, tragicamente, o que predomina, na maior parte do planeta, em quse toda a Africa, na Chin, na Rússia, no Irão, na Arãbia Saudita, e por aí fora...
O poder estava na ponta das espingardas, à esquerda e à direita., e o mundo bipolarizado.. E viu-se: os Cabrais, os 'Ninos', etc., foram um desastre a governar... e acabaram por se trucidar uns aos outros.
De que é que o PAIGC tinha medo ? Se calhar de si próprio... Não era dos fulas nem dos comandos (que podiam perfeitamente ser integrados num futuro exército nacional)... Claro que era preciso dinheiro ("divisas") para alimentar o povo... O arroz não cai do céu...
(...) O PAIGC tinha medo, sim, tinha medo dos fulas, mas não de todos, e foi essa particularidade que salvou o nosso Amadu Bailo Djalo que, na verdade, arriscou muito ficando em Bafatá, mas também a desgraça e a morte estavam em todos os lados, muitos que tinham fugido, depois foram recambiados.
A meu ver, o PAIGC tinha medo dos régulos fulas que tinham recusado, na sua totalidade e sistematicamente, aderir às ideias e à ideologia da luta da libertação nacional, dirigida por uma elite urbana de Cabo-verdianos e de Grumetes de Bissau com os quais não se identificavam e não tinham nenhuma confiança quanto ao futuro do território.
Sobre a foto da casa Gouveia, sou de opinião contrária (*).Esta foto deve ser dos finais da década de 1970 ou início de 80. Os sinais: não se vê nenhum veículo militar, não se vê nenhum branco, civil ou militar, a circular no largo do mercado, o que não seria normal no período anterior à independência.
O camião deve estar à espera de poder ser alugado para cargas ou passageiros assim como o Toyota Hylux noutra berma, adaptada para transporte de pessoas e de cargas porque já não havia colunas militares nem para as localidades próximas e/ou longínquas. Muitos dos antigos soldados condutores na situação de reformados tinham adquiridos meios de transporte como forma de continuar a trabahar e sustentar a família.
O Amadu Djalo diz, no seu texto, que 3 anos depois ofereceu ao Ansumane Injai, o homem que o tinha feito prisioneiro, 20 Escudos, mas na realidade deviam ser Pesos Guineenses (PG), porque em meados de 1978 já não circulavam os escudos do período colonial.
A morte por sufoco dos presos do Senegal em Farim (caso que também já denunciei aqui no Blogue) resultou de um acordo que o regime do Luís Cabral tinha assinado com o Presidente LS Senghor em contrapartida da pesca nas nossas águas territoriais.
Após a leitura, ontem, de um extrato muito interessante do livro de memórias do comandante Pedro Pires (antigo Presidente de Cabo Verde), descrevendo o seu período de travessia de deserto, quando foi obrigado a sair nas eleições que seguiram à abertura política de 1991, e, ao ler, hoje, o desabafo do Amadu Djaló, antigo combatente 'comando', sobre o ser humano ("O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.”)...
Hoje vou dormir muito tranquilo e sem nenhumas ilusões sobre o ser humano.
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25147: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - XLIV (e última): Um "pária" na sua terra, humilhado e ofendido pelos novos senhores da guerra: "O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso" (pp. 280/286)
2 comentários:
Justiça seja feita à Associação de Comandfos que acolheu vinte e tal antigos graduados guineenses do Batalhão deComandos da Guiné, em data que não posso precisar, mas creio que em meados dos anos 80, muito já depois do golpe de estado do 'Nino' Vieira.
Nesses 20 e tal incluiu-se o Amadu Djaló, que deppois trouxe para Porty7gal 2 filhso mais os netos... Com o apoio de um asociado e da Câmara Municipal de Lisboa, foi possível arranjar uma casa em Chelaspara os nossos ex-camaradas guineenses. Foi uma boa ajuda para os primeiros tempos. O Amadu trabalhou ainda como segurança. E no seu caso, houve também a ajuda, mais tarde, do Virgínio Briote na edição do livro.
"A morte por sufoco dos presos do Senegal em Farim (caso que também já denunciei aqui no Blogue) resultou de um acordo que o regime do Luís Cabral tinha assinado com o Presidente LS Senghor em contrapartida da pesca nas nossas águas territoriais.
Aquela nota redigida por Luís Cabral a lamentar as mortes de pessoas recambiadas de forma indiscriminada pelas autoridades do Senegal, não passava de lágrimas de crocodilo, pois dentro do PAIGC ninguém era inocente dos atropelos e crimes que eram cometidos, todos sabiam o que estava a acontecer e todos podem ser considerados cúmplices, porque existia uma espécie de consenso interno desde os tempos de A. Cabral, sobre o destino reservado aos traidores da pátria"
Quanta crueldade e desumanidade! Como foi possível?
Interrogo-me: Será que se A.Cabral fosse vivo e Presidente da Guiné Bissau, daria ordens ou toleraria este monstruouso e ignóbil crime?
A barbaridade do regime que se estabeleceu na Guiné Bissau em 1974 está bem retratado nestes e noutros casos conhecidos. Um regime que tinha os traumas da guerra de 11 anos, mas que era também enformado por uma ideologia que não respeitava a vida de ninguém.
No seu comando, estava uma pseudo-elite marxista-leninista, que se julgava bem respaldada e orientada pela potência que fora o seu suporte durante a guerra, e que agora era seu credor.
E a história da Guiné Bissau, nestes meio século de independência, ficou gravemente marcada por esses atos sangrentos dos primeiros anos, em que violência e morte foram uma constante.
E hoje, continua-se a viver em Bissau num clima de grande instabilidade, em que o desenvolvimento e bem estar do seu povo continua adiado.
Até quando? Até que o PAIGC reconheça os crimes cometidos e por eles peça perdão?
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