quarta-feira, 29 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25580: Historiografia da presença portuguesa em África (425): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Pareceu-me útil fazer uma rápida recapitulação dos conteúdos do livro deste médico goês que depois de 12 anos na Guiné se atirou ao estudo para escrever a primeira e até agora única história do território. Não ilude a presença portuguesa como ténue, destaca a crescente competição de franceses, ingleses e holandeses para se apoderarem das nossas posições na Costa Ocidental africana, e como tiveram sucesso, a tal Senegâmbia que ia teoricamente do Cabo Verde à Serra Leoa ficou confinada a um enclave que depois da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886 nos empurrou para a ocupação e fixação administrativa, até então os nossos presídios e feitorias situavam-se primordialmente em zonas litorâneas, até Geba. João Barreto esmera-se por explicar a evolução do território entre os séculos XVII até ao século XIX, deixou no livro uma preciosa relação dos capitães e governadores entre o século XV e o século XIX e vamos agora entrar na história do governo autónomo da Guiné, ele levará este estudo até 1918.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (4)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo Governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

João Barreto terá redigido esta singularíssima obra (é a primeira e única história da Guiné) em Lisboa, depois de 12 anos como facultativo sediado em Bolama, consultou muito livro e investigou, soube organizar a sequência cronológica dos acontecimento desde o reconhecimento da Costa Ocidental Africana, a sucessivas expedições, realça as viagens de Cadamosto e de Diogo Gomes, o arrendamento da Costa da Guiné a Fernando Gomes; como se processou a presença portuguesa, as relações comerciais e a vida das feitorias; a perda de influência portuguesa na Senegâmbia designadamente durante o período filipino; como se tentou reagir depois da Restauração com a fundação da feitoria de Cacheu e com as feitorias do rio de Buba, o peso da concorrência inglesa, francesa e holandesa, que pesou até ao princípio do século XX; descreve detalhadamente a história das três fortalezas de Bissau, a s tentativas francesas para tomar posse de Bissau, como foi tumultuosa a presença portuguesa em Cacheu e Farim, desde finais do século XVII e ao longo de todo o século XVIII; e chegados à terceira fortaleza de Bissau, dissolvida a Companhia do Grão-Pará, criada a terceira Companhia de Cabo Verde e Guiné, vai-se abandonando a nossa presença ao sul do Cacine; é nisto que os ingleses desembarcam em Bolama, é o início de um contencioso que culminará com a sentença arbitral de um presidente dos Estados Unidos.

Estamos agora no início do século XIX, a soberania portuguesa assenta entre os rios de Casamansa e de Bolola, com duas capitanias: em Cacheu e Bissau. São intermináveis as insurreições e submissões na Capitania de Bissau, um capitão foi obrigado a fugir para Geba, outro foi vítima de envenenamento. Para pôr cobro ao estado de coisas, o Governo da metrópole convidou Manuel Pinto de Gouvêa a tomar conta da Capitania de Bissau, parte em fevereiro de 1805 de Lisboa acompanhado de 150 condenados do Limoeiro, na vila da Praia juntaram-se mais 80 criminosos de Cabo Verde, assim se organizou a guarnição militar de Bissau. Não obstante, vão suceder-se as revoltas em Bissau e Cacheu, não se pagavam os vencimentos ou chegavam atrasados. Em 1815, ocorre um novo fator que irá influir na administração política e financeira da Guiné: as primeiras determinações para a abolição do tráfico de escravos. Como observa Barreto, se bem que no território guineense o tráfico de escravos tivesse decrescido consideravelmente, não podiam deixar de se fazer sentir os efeitos desta determinação, diminuiu a atividade comercial e alfandegária, houve exaspero entre os indígenas, habituados a ter na permuta de escravos um meio fácil de adquirir os artigos necessários para a vida.

Como já não bastasse a falta de recursos financeiros, chegam primeiros os reflexos do absolutismo e depois a luta entre D. Pedro e D. Miguel. Estabelece-se um posto militar em Bolama e o proprietário Joaquim António de Matos negoceia a cedência da ilha das Galinhas. Finda a guerra civil, há mudanças na Guiné, o Distrito foi convertido em Comarca, reconheceu-se a necessidade de acabar com a autonomia das duas Capitanias de Cacheu e Bissau, colocou-se a sede da comarca em Bissau. É um novo período turbulento, com lutas políticas violentas, na ascensão do liberalismo. É neste contexto que Honório Pereira Barreto entra no Governo da Guiné, esta personalidade ímpar cursou no Colégio dos Nobres em Lisboa, é contemporâneo da invasão dos franceses no Casamansa, começou por firmar a nossa soberania em diversos pontos da colónia, apresenta-se nos Bijagós, faz acordos na ilha de Bissau, informa sistematicamente as autoridades de quem depende de tudo o quanto se está a passar na região do rio Casamansa, protesta constantemente junto das autoridades francesas.

Começam a ser inquietantes as revoltas dos Papéis, cresce a intranquilidade em Cacheu, Honório Pereira Barreto não desfalece e adquire territórios para a Coroa. Noutros pontos da colónia há sublevações, os Biafadas sublevaram-se no rio Geba, tentaram impedir a navegação pelo rio; em meados do século, unificou-se a administração da província da Guiné, acabou-se com os dois distritos autónomos de Bissau e Cacheu, subordinaram-se as duas praças a um Governo único da Costa da Guiné, em setembro de 1851 é nomeado interinamente como governador o tenente-coronel Alois da Rôlla Dziezaski; novas insubordinações da guarnição de Bissau, uma força francesa domina os soldados revoltosos. Honório Barreto volta aos Bijagós em janeiro de 1856, vem com o intuito de obter a boa amizade dos habitantes da ilha e para combater a influência que os franceses e ingleses iam adquirindo, celebra um tratado de paz com o rei de Orango; no ano seguinte, fez-se uma tentativa para a colonização do Rio Grande de Bolola, com imigrantes cabo-verdianos. Honório Barreto pede exoneração do cargo, grupos de influentes de Bissau pedem-lhe a continuação da sua residência ali, o governador-geral de Cabo Verde nomeia Barreto Governador Interino, irá falecer em abril de 1859 na fortaleza de Bissau.

Prosseguem as insurreições e é neste clima que irá ocorrer o desastre de Bolor, em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali tinha ido com o fim de castigar os Felupes de Jufunco. Este massacre deixou em estado de choque a opinião pública metropolitana, pensou-se desde logo em dar autonomia administrativa à Guiné e dotá-la com meios suficientes para completar a ocupação militar. É promulgado o decreto de 8 de março de 1879 e nomeia-se o Coronel Agostinho Pereira como Governador da nova Província. Começava então a história moderna da colónia.

Vindo um pouco atrás, há que juntar mais elementos sobre a questão de Bolama, que se reacendeu em 1834, anos depois os ingleses exercem violências contra os moradores de Bolama e há conflitos com as autoridades de Bissau; em 1860, o Governo britânico proclama a incorporação de Bolama na colónia da Serra Leoa, instala-se um posto inglês na ilha. A diplomacia portuguesa entra em campo e propõe arbitragem internacional, depois de muitas delongas, Inglaterra aceita. O presidente Ulysses Grant profere sentença favorável a Portugal.

Em capítulo separado, João Barreto elenca uma relação nominal dos capitães e governadores que administraram a província, é um quadro exaustivo que começa no século XV e vai até à constituição do Governo autónomo da Guiné (1879), de grande utilidade para estudantes e investigadores. O autor irá agora dar-nos uma síntese sobre o tráfico de escravos na Guiné e os factos predominantes dos primeiros tempos do Governo autónomo da Guiné.


S. Domingos - Tipos de mulheres Felupes
S. Domingos - Tipos de Felupes
Cacine - Tipos de Nalus
Guiné - Tipos de Mancanhas
Cacine - Feiticeiro Nalu

Cinco imagens retiradas do Boletim da Agência Geral das Colónias, fevereiro de 1929, ano 5.º, n.º 44, dedicado à Guiné
Planta da Praça de S. José de Bissau em 1796
Imagem da fortaleza de Cacheu, 2005
Estátua do presidente Ulysses Grant em Bolama, por Manuel Pereira da Silva
Edifício do BNU, depois Hotel do Turismo, hoje uma ruína, Bolama

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25551: Historiografia da presença portuguesa em África (424): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (3) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

"Tipos de mulheres felupes", quais e como serão outros tipos de mulheres felupes?


Valdemar Queiroz

7ze disse...

Gostaria de fazer um apelo, para quem conheça mais imagens da estátua de Ulisses Grant, o presidente americano responsável pela mediação com os ingleses, as possa partilhar ou pelo menos referenciar. Não conheço o paradeiro actual, mas sei como desapareceu. Uma história que oportunamente partilharei com a Tabanca Grande.