Candeeiro antigo a petróleo Hipólito de 350 velas
(Com a devida vénia, OLX: anúncio já não disponivel)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Destacamento da Ponte do Rio Udunduma > Setembro de 1973 > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > Uma foto rara : assinalado a amarelo está um candeeiro a petróleo de camisa, um petromax, possivelmente de 350 velas, que era fabricado em Portugal pela Casa Hipólito, de Torres Vedras.
"A mesa polivalente, onde se comia, escrevia, lia, jogava e conversava. Em suma: o espaço de socialização e de partilha. Da esquerda para a direita: Gregório Santos, José Sebastião, Ricardo Teixeira e eu [Jorge Araújo] participando no 'mata-bicho' das tardes, preparando-nos para mais uma noite de muitas estrelas."
Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro "Casa Hipólito : história, memórias e património de uma fábrica torriense / Joaquim Moedas Duarte ; pref. José Amado Mendes ; rev. cient. Jorge Custódio. - 1ª ed. - Torres Vedras : Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras : Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, 2017. - 376 p. : il. ; 23 cm
1 Quem se lembra do velho "petromax" que iluminou muitas das nossas noites de breu na Guiné ? E nomeadamenmet nos primeiros anos da guerra, em destacamentos perdidos no mato ...
Eu nunca tive o "privilégio" de ter um pretomax no destacamento da ponte do rio Udunduma, na missão do sono em Bambadincanzinho, nas tabancas fulas em autodefesa que fui reforçar ou no destacamento do reordenamento (de população balanta e mandinga) de Nhabijões !...
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Fonte: Anúncio do OLX |
Havia candeiros de 150 velas, 250 velas, 350 velas, 500 velas... Pelo que vejo nos anúncios do OLX, estes candeeiros antigos podem ainda hoje valer entre os 50 e os 150 euros...Os modelos novos podem custar 300, 400, 500 euros...
O de 150 velas dava para 10 horas (1 litro de querosene / petróloe). Aplicaçáo: Uso doméstico, iluminação de tenda pequena ou posto de sentinela;
O de 250 velas tinha um autonomia de 7 horas, dava para iluminar um secção do perímetro de
arame farpado, uma cozinha de campanha, um ficina.
O de 350 velas (5 horas de autonomia) iluminava um de pátio, um pequeno acampamento, uma enfermaria.
O de 500 velas (4 horas de autonomia) iluminava superfícies maiores: quartéis, destacamentos, missões religiosas, médios / grandes acampamentos. Um candeeiro Petromax de 500 CP (ou velas) é comparável, em brilho, a quatro lâmpadas incandescentes de 100 W, mas concentrando a luz num feixe mais intenso.
Náo sabemos qual(quais) o(s) modelo(s) disponibilizado(s) pela Intendência. Mas pelo menos o de 150 velas já existia em 1967,
"Petromax" era/é uma marca registada, de origem alemã, fabricada em Portugal sob licença,a partir de 1949. Mas a Hipólito também tinha modelos próprios.
2. Ter um petromax em casa, no meu tempo de miúdo, era uma novidade, uma coqueluche. Usava-se na pesca aretsanal e na pesca ao candeio (o pescador mais "abonado"; ainda me lembro da lanterna, luminária ou lampião a carbureto)... Nas oficinas, para trabalhar à noite. E os mais remediados passaram a substituir o velho candeeiro a petróleo pelo petromax, enquantio não chegava a eletricidade de Castelo de Bode (a barragem foi inaugurada em 21/1/1951).
A palavra "petromax" entrou no nosso vocabulário nos anos 50. E o termo já está hoje grafado nos nossos dicionários.
Temos diversas referências ao uso do "petromax" na iluminação das nossas instalações militares no CTIG (a par das garrafas de cerveja que, depois de vazias, eram cheias de petróleo, levavam uma tampa furada por onde passava uma mecha, torcida ou pavio funcionando à noite como luminária ou candeeiro improvisado).Segundo a descrição da Wikipédia, "consta de um depósito, onde está introduzida uma bomba de pressão, do qual sai um tubo tendo na extremidade um vaporizador e fixa a este uma camisa em seda em forma de lâmpada, protegida por um cilindro em vidro. No cimo tem uma chaminé por onde saem os gases." (Vd, imagem acima).
Sabemos que esta grande empresa metalúrgica (o maior empregador da região) forneceu diversos equipamentos de iluminação para as Forças Armadas. Começou por ser uma pequena oficina de latoaria no início do séc. XX. Algumas décadas depois era já uma grande metalúrgica, com 1400 colaboradores.
3. Vejamos algumas referências ao petromax no CTIG:
Já temos uma série "A minha guerra a petróleo" (*), da autoria do ex-cap art (hoje coronel na reforma) António J. Pereira da Costa, membro da nossa Tabanca Grande.
Iremos citá-lo em próximo poste. Inspirados naquele título, é que nos lembrámos de repescar postes com referência a este descritor, "petromax".
Em todo o caso, convém lembrar que a "A minha guerra a petróleo" (título que o autor voltou a usar no livro de memórias que publicou, sob a chancela da Chiado Books, em 2019) tem um sentido metafórico e irónico. Mais diria que é também uma amostra da literatura "pícara" que se tem publicado sobre a nossa guerra.
Temos que revisitar esta série. Mas para já registe-se que o tom que o nosso Tó Zé (para os amigos da Amadora) usa, é muitas vezes reflexivo e sarcástico, evocando as dificuldades logísticas e humanas da guerra (por exemplo, o combustível escasso, o calor, o esforço físico e moral, a burocracia). Neste contexto, a expressão “a petróleo” serve também para sublinhar o carácter absurdo, tecnicodependente e mecanizado da guerra moderna, que não funcionaria sem máquinas, motores, material, combustível, e sobretudo sem uma máquina pesada que se impõe sobre o indivíduo. Aliás, nenhuma guerra.
Física e metaforicamente falando, foi de facto uma "guerra a petróleo", a nossa... Nalguns caso, um pouco mais evoluída, do ponto de vista da tecnologia com a introdução do "petromax " e a seguir do "gerador elétrico"...
Tudo indica, entretanto, que nos primeiros anos da guerra, na Guiné, o uso do "petromax" (ou lanterna de incandescência...) fosse mais generalizado, servindo inclusive para iluminar o perímetro de defesa dos aquartelamentos, como no caso de Bedanda, por exemplo, ao tempo do nosso camarada Rui Santos, em 1963, bem como outros aquartelamentos e destacamentos.
Cite-se, na região de Tombali, e ao longo da fronteira com a Guiné-Conacri, no 1º semestre de 1964, destacamentos como Guileje, Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacocca, Cameconde, etc.
Mas também na zona Leste, na região de Bafatá: Ponta do Inglês,no subsector do Xime (setor L1), Banjara, Cantacunda, Sare Banda, etc., no subsector de Geba (sector L2)... Ou na região do Cacheu, Ponate, por exemplo...
Em sítios isolados (destacamentos, tabancas em autodefesa, etc.), o uso do "petromax" levantava questões de segurança. Era um alvo fácil . E talvez por isso fosse distribuído com parcimónia. Não sabemos, por exemplo, quantos camaradas nossos morreram, de tiros isolados, à noite, disparados por "snipers". Ou de ataques junto ao arame farpado, como Sare Banda, 1968.
Depois vieram os geradores e passou a haver luz elétrica, pelo menos à noite... Mas, nos destacamentos, em Ponate, em 1966, em Banjara, em 1967, na Ponta do Inglês, em 1968, no Biombo, em 1970, no rio Udunduma, em 1973, etc. continuava a recorrer-se ao "petromax".
Sangomhá, 1964 (**)
(...) "Depois de, em Ganturé, existirem as condições mínimas de sobrevivência para a instalação das tropas que aí permaneciam, o Pel Rec Fox 42 juntamente com tropas recém chegadas à Guiné [CART 640 ] e com um Pelotão de Milícias rumou até Sangonhá a 21 de maio de 1964.
Como de costume segue-se a capinagem, a vedação de arame farpado em volta da tabanca, que seria agora um quartel, a colocação de cavaletes para instalação dos candeeiros a petróleo (petromaxes), a que alguns “valentes” iam dar pressão de ar durante a noite, sempre que necessário." (*)
Como de costume segue-se a capinagem, a vedação de arame farpado em volta da tabanca, que seria agora um quartel, a colocação de cavaletes para instalação dos candeeiros a petróleo (petromaxes), a que alguns “valentes” iam dar pressão de ar durante a noite, sempre que necessário." (*)
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Sare Banda ,8 de setembro de 1968 (***)
(...) Sare Banda (...) estava perto de Sinchã Jobel (importante base do PAIGC, e muito bem equipada, como é claro pelo material que deixaram), e é natural que fosse atacada.
O alferes morto foi o Carlos Alberto Trindade Peixoto. O outro morto foi o Furriel Raul Canadas Ferreira. Mas as circunstâncias da morte deles não estão devidamente relatadas.
Foi assim: este, como todos os destacamentos da CART 1690, não tinha luz eléctrica, nem mesmo um miserável gerador. Eles estavam os dois numa tenda a jogar às cartas, com um petromax aceso (depreende-se, aliás, do relatório as péssimas condições de instalação). Para os guerrilheiros foi muito simples, foi só apontar o RPG2. (...)
Banjara, 1967 (****)
O alferes morto foi o Carlos Alberto Trindade Peixoto. O outro morto foi o Furriel Raul Canadas Ferreira. Mas as circunstâncias da morte deles não estão devidamente relatadas.
Foi assim: este, como todos os destacamentos da CART 1690, não tinha luz eléctrica, nem mesmo um miserável gerador. Eles estavam os dois numa tenda a jogar às cartas, com um petromax aceso (depreende-se, aliás, do relatório as péssimas condições de instalação). Para os guerrilheiros foi muito simples, foi só apontar o RPG2. (...)
Banjara, 1967 (****)
De qualquer modo, as companhias deviam ter, em "stock", este precioso utensílio... mas era preciso garantir a disponibilidade de querosene/petróleo iluminante e de "camisas"...
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Guiné > Zona leste > Geba > Banjara > CART 1690 (1967/69) > Excerto de uma requisição de material, com data de 9/6/67, feita pelo alf mil Alfredo Reis, na altura a comandar o destacamento de Banjara.
Alguns dos artigos requisitados (excerto):
Alguns dos artigos requisitados (excerto):
- fósforos,
- palha de aço,
- camisas para petromax de 150 velas.
- torcida e vidro (?) para o frigorífico (...),
- pregos para pregar as chapas,
- aerogramas,
- selos,
- 12 esferográficas (uma vermelha e as outras azuis),
- bloco de cartas,
- Omo e sabão,
- uma garrafa de whisky,
- Sumol ou outros sumos [...]
Foto: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(Continua)
(Revisão / fixação de texto, itálicos, negritos: LG)
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Notas do editor LG:
(*) Vd, poste de 6 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19752: Notas de leitura (1175): A Minha Guerra a Petróleo, por António José Pereira da Costa, Chiado Books, 2019 (Mário Beja Santos)
(**) Vd. poste de 27 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27355: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte V: Depois de Ganturé, Sangonhá (maio / junho de 1964)






4 comentários:
Aceitámos, muitos de nós ( eu inclusive), viver em buracos, como toupeiras, às escuras...
... não poucas noites, em destacamentos precários, em tabancas em autodefesa, sem um miserável candeeiro a petróleo, já não digo um petromax...
Foi melhor assim, dizem-nos, era para a nossa própria segurança.
Já ninguém se lembra, eu não me lembro... Mas que os havia, havia...
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