quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5205: Convívios (174): 1º Convívio do BCAÇ 4513, 8 de Dezembro - Mealhada (Fernando Costa)



1. Mensagem enviada pelo novo Camarada Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*):


1º CONVÍVIO
BCAÇ 4513

Subunidades: 1ª Cia (Buba). 2ª Cia (Nhala), CCS e 3ª Cia (A. Formosa)

Os ex-Combatentes do Batalhão de Caçadores 4513 - Guiné, (Aldeia Formosa, Buba e Nhala), vão realizar um almoço convívio no próximo dia 8 de Dezembro, na Mealhada.

Queremos ter o maior número possível de elementos das quatro companhias.

Para que tal aconteça, inscreve-te e passa a informação a outros camaradas de que possuas qualquer contacto.

As inscrições estão a cargo do Jaime Ramos (Ex-Fur Mil da 3ª Cia).


Abraço,
Fernando Costa
Fur Mil Trms
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5204: Controvérsias (41): Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos! (António Matos)



1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:



Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos!

Camaradas,

Aqui fica uma reflexão minha:

Não sei se hoje é noite de luar mas as imagens ontem transmitidas no programa "Dar a vida sem morrer " da Catarina Furtado, suscitaram-me a sensibilidade e levaram-me a ouvir Moonlight Sonata de Beethoven que recomendo vivamente (ver link abaixo).


Infelizmente, aquela é a realidade guineense e, julgo, todos nos deveremos ter sentido espezinhados nos nossos íntimos, amarfanhados nos nossos corações, sem que, contudo, esses tão cristãos sentimentos resolvam, por si sós seja o que for.

Aquelas caras daquelas mulheres-meninas;

Aquelas caras daqueles meninos(as) num inqualificável abandono aos mais elementares direitos à saúde;

Aquele médico "louco" que vai batalhando num campo de batalha onde o inimigo é incomensuravelmente mais poderoso;

A ternura que a repórter-embaixadora ia lançando em pequenos carinhos às crianças e às mães sofredoras;

Todo aquele cenário enfim, é demasiado indigno do séc. XXI, e a proximidade que mantivemos em tempos com aquela terra torna-nos mais ávidos de justiça e clamorosos por dignidade humana tão ausente na Guiné.

Em tempos de guerra assiste-se, por vezes, a verdadeiros actos de grandiosidade moral. Porém, são momentos raros pois aquela realidade sobrepõe, as mais das vezes, a preservação da integridade física do beligerante às necessidades primárias das vítimas inocentes.

Fica-me esta reflexão no intuito de provocar outras e outras e outras...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

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Nota do editor

Vd. último poste desta série em: 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (33): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)

Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (30): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:



CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu:

Eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.

A maioria das vítimas eram crianças e entre elas estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo.

P.S. - Tenho em meu poder o Relatório Confidencial de tudo o que se passou nessa noite e o nome dos prisioneiros, posso emprestar à Tabanca Grande se acharem que é relevante.

Um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5202: História da CCAÇ 2679 (29): Um dia no calendário da Guiné (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis*, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 2 de Novembro de 2009, trazendo até nós mais um pouco da História da sua Unidade:

Carlos, bom amigo,
Faz o favor de publicar mais esta estórinha, só para entreter. Dela se extrai o elevado grau de camaradagem reinante no Foxtrot, e isso é que releva.
Um abraço para ti e para a Tabanca.
JD


Um dia no calendário da Guiné
Por JMMD

Acordei com a ruideira das actividades do princípio do dia. Competia-me ir a Copá, em coluna de duas viaturas, onde para além do Pelotão, também se transportavam munições, correio e uma dúzia de caixas de cervejas. Tratava-se de um pequeno reabastecimento, enquanto não se fazia uma transferência mais significativa. O Pelotão andaria por uma vintena de homens operacionais, e o trajecto não nos criava preocupações especiais. Sem irmos à vontade, cabíamos todos.

Levantei-me. Fui lavar-me antes do pequeno-almoço. Leite e pão com manteiga. Manteiga da Madeira, muito gulosa pela boa qualidade, um privilégio que o Santos me concedia, e tornava-se extensivo à furrielada. Um bocado de conversa, um bocado de reinação, e dava para constatar que a juventude apresentava-se bem disposta. Começavam a chegar os Foxtrot que me surpreenderam em chinelos e calções, de tronco nú, sentado à mesa da messe, anexa aos quartos, e atiraram-me umas graçolas, como se eu estivesse atrasado e eles à minha espera. A boa disposição era evidente, e juntava-se aos primeiros raios solares que me aqueciam.

Tinha tempo e, por essa altura, já sabia que as viaturas estavam prontas e alinhadas junto à enfermaria, na outra extremidade do edíficio. O dia claro, o céu azul e o calor crescente, dir-se-ia, convidavam à molenguisse, mais do que meter-me à picada, vestido de camuflado e de botas calçadas. Mas a tarefa não era exigente, e eu gostava de sair. Até que decidi aprontar-me. Fui ao frigorífico encher o cantil de água, que por algum bocado manter-se-ia fresca. Voltei ao quarto para me vestir mais apropriadamente. Que gaita, onde estaria o meu camuflado? Costumava deixá-lo sobre o armário, aproveitado de um caixote de bacalhau, género que fazia estilo na nossa tropa (1) , mas ali não estava. Porra! O que teria acontecido? Não me embebedara na véspera, não fizera disparates, e o camuflado, ainda que se aguentasse em pé por força da poeira cimentada pela transpiração dos últimos dias, só por si não deveria pôr-se a andar. Que merda é esta? Façam o favor de pôr aqui o camuflado, imprequei contra os presentes que me olhavam surpreendidos e recriminatoriamente. Com as minhas buscas e frustrações, gerou-se em mim a ansiedade por causa de cinco ou dez minutos entretanto perdidos. Tive sempre a preocupação com o cumprimento dos horários, no caso a hora que eu estabelecera, coisa inexplicável, pois não tenho ascendência inglesa e estarei mais próximo dos mouros madraços.

Vesti outras calças, outra camisa, material que tinha dobrado no armário, junto com livros, outras peças de vestuário, sapatos, alguma água de colónia Old Spice, material para a barba, cassetes com música gravada, pilhas para prover energia, toalhas, tudo misturado numa arrumação sem método.

Agastado com a situação descrita, peguei na arma e cartucheiras, e aproximei-me do pessoal. Estava tudo pronto para arrancar. A mercadoria carregada num unimog de taipais que, afinal, juntava-se aos outros dois de bancos corridos, onde o pessoal se dispunha para defender o coiro. Estavam todos, incluindo o Enfermeiro e o Transmissões. À pergunta se faltava alguma coisa, logo me responderam que não, podíamos sair. À falta de recado do Capitão ou da Secretaria, deduzi que não tinham mensagens para o destacamento. Subi para a primeira viatura, lancei um último olhar em redor, e iniciámos a marcha.

Atravessámos a pista na direcção da picada, para leste, que percorremos durante um bocado. Pouco depois mandei parar. Iniciámos a picagem, que deveria durar duas horas e meia, na extensão de cerca de doze ou treze quilómetros, já que o restante percurso era da responsabilidade de Copá.
Quatro picadores precediam-me. Depois as viaturas e o pessoal apeado. Na soalheira inclemente a que nos tínhamos habituado, progredíamos descontraídos, mas com as cautelas que a prudência exigia. No geral, quem iniciava a picagem, cumpria a tarefa até ao fim. O ritmo era bom, apesar do ronronar das viaturas que sugeriam um avanço preguiçoso.

Cruzámo-nos com o pessoal da picagem proveniente de Copá, que saudámos. Uma viatura, fora da picada, à sombra de uma árvore, garantia-lhes o regresso rápido à base. Entretanto eram eles que ficavam a esperar-nos no regresso, providenciando alguma segurança na picada para um resto de viagem mais acelerado.

Em Copá mantivémos uma breve confraternização com o Pelotão que guarnecia o Destacamento e regozijava com aquela carga que incluía umas cervejinhas, após o que iniciámos o regresso a Bajocunda para chegarmos a tempo do almoço.
Essa viagem decorreu sem problemas.

Durante a tarde, estava eu deitado sobre a cama, dedicando-me a congeminações de saudade da metrópole, num dolce fare nhienta, quando o Rodrigues assomou à porta, mesmo à minha frente. Trazia nas mãos alguma coisa que não identifiquei à primeira vista. Com um sorriso amistoso cumprimentou-me, e eu retribuí. Perguntei-lhe se precisava de alguma coisa. Que não, estava ali para me entregar o camuflado lavado, remendado, e com botões nos lugares onde faltavam. Foda-se, quase gritei, nunca mais faças isso, não és criado de ninguém, adverti-o.

Calmo, e mantendo o sorriso, respondeu-me que se sentia envergonhado por eu andar tão mal apresentado, e que todos me criticavam por isso, por dar mau exemplo, e todos os dias ser exigente.
A custo aceitou uma cerveja na cantina. Foi mais um gesto de um Foxtrot que me calou fundo.

(1) - Para ilustrar as palavras do camarada José Manuel, aqui está um belo exemplar de secretária e banco a condizer, estilo tábua e prego, variante da versão metálica chapa e prego, ambas muito em voga na época, nos buracos já mais evoluídos. Note-se a ausência do split do Ar Condicionado.

Foto de CV

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5133: Direito à indignação (7): Esmiuçando o Complemento Especial de Pensão e o Acréscimo Vitalício de Pensão (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5106: História da CCAÇ 2679 (28): Mais visões quotidianas (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P5201: Blogues da Nossa Blogosfera (23): Pel Caç Nat 60 (S. Domingos e Ingoré, 1968/70), de Manuel Seleiro

Guiné > Região de Cacheu >S. Domingos > 1968 > Pel Caç Nat 60, formado em Maio de 1968.

Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Pel Caç Nat 60 > 3ª secção > Ao centro, na 2ª fila, o 1º Cabo Seleiro (que foi ferido gravemente, em 13 de Março de 1970, com o Alf Mil Hugo Guerra, quando tentavam levantar uma mina: um das muitas histórias de antologia que temos publicado no nosso blogue).

Fotos: Cortesia de Manuel Seleiro (2009)


Blogue criado em Agosto de 2009, pelo Manuel Seleiro, 63 anos, rádio-amador, residente em Cascais, tendo-se publicado até à data 12 postes. O Seleiro tem também um blogue mais antigo, Luar da Meia Noite, desde Dezembro de 2008. (Aentejano de Serpa, interessa-se pelas coisas da sua terra e pela cultura da sua região).

O Pel Caç Nat 60 foi formado no sector de São Domingos, em Maio de 1968. Era seu comandante, o Alf Mil Almeida. Sargentos: Fur Mil Sousa, Leão e Fazendas. Outros quadros, de origem metropolitana: 1ºs Cabos Seleiro e Magalhães, mais o Sold Trms Guilherme.

Os soldados nativos eram cerca de quarenta, provavelmente oriundos de várias etnias (O Seleiro lembra-se de alguns nomes: Jalá, Agusto, Malam Seide, Cavaleiro, Pedro)...

Em Novembro de 1968 Pel Caç Nat 60 recebeu ordem de marcha para o Quartel de Ingoré, para reforçar a CCAÇ 1801 que contava com dois pelotões (mais tarde ficará só com um pelotão)... Esta CCAÇ guarnecia o destacamento do Sedengal (e mais tarde o destacamemto da Totinha).

O Pel Caç Nat 60 esteve em Ingoré até Setembro de 1969, altura em que voltou a S. Domingos, sendo então comandado pelo Alf Mil Gonçalves que em Novembro será ferido, gravemente em resultado de mina anti-carro (*).

Por essa altura, o nosso camarada Alf Mil Hugo Guerra veio render o Alf Nil Gonçalves, enquanto o restante pessoal metropolitano se começava a preparar para a sua rendição individual.

No dia dez de Março de 1970 o 1º Cabo Seleiro e o Alf Mil Hugo Guerra foram feridos com gravidade quando o primeiro tentava desmontar uma mina anti-pessoal.

Telemóvel do Seleiro para futuros contactos: 934020309. Endereço de e-mail: manuelseleiro@gmail.com

O Seleiro segue o nosso blogue. Os nossos parabéns por ele ter criado e manter o blogue do Pel Caç Nat 60.
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Notas de L.G.:

(*) Recorda o nosso camarada João Manuel Félix Dias, que foi Fur Mil SAM da CCAV 2539/BCAV 2836 (1969/71):

(...) "A 13 de Novembro de 1969 na estrada de S. Domingos-Susana, indo eu na GMC rebenta-minas apenas com o condutor Oliveira (Vasculho), próximo de Nhambalã aconteceu que a 3.ª viatura, Unimog, em que seguia o ex-Alf Nelson Gonçalves, do Pel Caç Nat 60, accionou uma mina anti-carro que o feriu gravemente; como consequência sofreu amputação de uma perna e ferimentos em todo o corpo.

"Além de outros, foi o acontecimento que mais me marcou durante os dois anos, e que profundamente marcou o meu comportamento desde então. Costumo pensar que se não foi daquela, vai ser difícil ser doutra. "(...)

(**) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)...Hoje Coronel DFA, na reforma).

Vd. poste de:

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

(...) Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade.
Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:
- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto.
Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...)

Vd. também:

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

Guiné 63/74 - P5200: Blogues da Nossa Blogosfera (22): O Cacimbo faz 6 anos! Parabéns ao veterano Manuel Correia Bastos



1. No dia 2 do corrente, o Manuel Correia Bastos, nosso tertuliano, dos mais antigos, mandou-me um mail com a seguinte recordatória e convite:

"O Cacimbo faz 6 anos de idade o que faz dele um dos espaços na Internet mais antigos sobre a guerra colonial, e quase de certeza o mais antigo blog sobre esse tema, e o seu autor convida todos os visitantes ocasionais e todos os amigos a virem fazer uma pequena visita guiada. Visite o blog Cacimbo em http://cacimbo.blogspot.com/. Manuel Bastos ".


Fui confirmar. É verdade, o Cacimbo é mais antigo que o Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série), (ex-Blogue-Fora-Nada). Foi criado em 2/11/2003. Acaba, portanto, de fazer 6 anos, o que na blogosfera é já uma provecta idade. O nosso camarada Manuel Correia Bastos está de parabéns. E todos os camaradas da Guiné estão convidados a irem lá ler algumas das melhoras páginas que se têm escrito sobre o quotidiano da guerra colonial. É um homem com talento e sensiblilidade, além de artesão das palavras.

Por mera curiosidade, é de referir que o ex-Blogue-Fora-Nada, mais tarde rebaptizado Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné até nasceu antes... O primeiro poste publicado tem a data de 8 de Outubro de 2003.

Nessa altura o autor tinha acabado de escrever a sua tese de doutoramento e encontrou, na blogaria, uma maneira, fácil e barata, de desopilar, depois de um longo retiro social, intelectual e espiritual... O seu primeiro escrito foi, imaginem!, sobre a importância de ter ou ter e-mail (**)...

Foi também um das primeiras pessoas, no meio académico, a ter uma extensa e completa página pessoal (Saúde e Trabalho), disponibilizando, em open access (acesso livre, avant la lettre) centenas dos seus textos e documentos . Em rigor, o primeiro poste sobre a Guiné data de 23 de Abril de 2004 (***), pelo que o nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné, I e II Séries) já tem, de facto, 5 anos e meio...

O nosso camarada de Moçambique é também autor de um notável livro sobre a sua dramática experiência de guerra, lançado em 2008. E, tal como o Fernando Pessoa, ele não esconde que é apenas um manipulador... de palavras, um fingidor:

A todos os visitantes deste blog, continuo a oferecer palavras apenas.
Mas é isto que sou aqui: palavras apenas; as imagens e sons apanham apenas boleia com as palavras. Mas não vos dou nada meu, que as palavras não têm dono. Eu sou apenas um apanhador de palavras. Apanho-as por aí e depois junto-as, tentando desenhar com elas o imponderável corpo dos sentimentos.

Mas não se iludam, nada do que digo é verdade. A Verdade é uma palavra prostituída; juntamente com o Amor, vendem-se por aí a quem prometer mais. O que digo é apenas o que ficou dentro de mim depois de excluídos todos os dados concretos que aproximariam demasiado as minhas palavras dos factos ocorridos e das pessoas envolvidas. É a recriação possível, depois de eu ter esquecido a verdade. São palavras. Palavras mentirosas, que inventam sentimentos e paixões, dores e alegrias, situações e atmosferas; mas, porque não são dirigidas à razão do leitor mas à sua emoção, são um convite à sua cumplicidade para o honesto embuste da ficção literária.

Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > CART 3503 > 1972 > Levantamento de um mina anti-carro

Foto: Cortesia de Manuel Correia Bastos (2008). Vd.
Histórias da CART 3503 > 15 de Outubro de 2008 > O Dia em que comandei a companhia, por Manuel Bastos

Eis uma pequena amostra dos seus melhores textos, na perspectiva do próprio autor:

(i) Stress de Guerra - A Visita
(ii) Saudades de Azul
(iii) Homenagem às Enf Paras - A Enfermeira que Vinha do Céu
(iv) O prazer da palavra escrita - A Carta
(v) Tentar a poesia - 100 Versos do Mato
(vi) Memórias de Aguim - O Voo da Calhandra
(vii) O Último Verão da Minha Inocência
(viii) O Movimennto Nacional Feminino - Os Sapatos do Major
(ix) O 25 de Abril - Tão Tarde Pela Madrugada


Dos 110 Versos do mato, escolho eu o seguinte, como forma de prestar homenagem a este companheiro de estrada e aos demais camaradas que fizeram a guerra colonial, seja em Moçambique, em Angola ou na Guiné

O Cancioneiro do Niassa

Morremos tantas vezes em Mueda
Morremos sempre que uma voz se cala
por estarmos aqui
Às vezes até acordamos já mortos
Por isso à noite
os soldados bebem e cantam
para adormecerem vivos.



Título: Cacimbados – A vida por um fio.
Autor: Manuel Correia de Bastos
Editora: Babel
Ano: 2008
Nº pp: 192 Preço: 14,00 €
O livro está à venda na FNAC e na Bertrand.
___________

Notas de L.G.:

(*) Manuel Correia de Bastos:

É natural da vila de Aguim, concelho de Anadia (1950). Foi mobilizado para Moçambique, como furriel miliciano da CART 3503/BART 3876.

Esta companhia chegou a Mueda, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, no 12 de Fevereiro de 1972 com 153 militares; teve 6 comandantes, combateu a FRELIMO durante 26 meses e sofreu 58 baixas, de entre as quais 5 mortos, 1 desaparecido e 52 feridos, 16 dos quais muito graves, na maioria com deficiências permanentes.

Manuel Bastos foi gravemente ferido em combate em virtude da deflagração de uma mina anti-pessoal e deu baixa ao Hospital Militar Principal para convalescer da amputação de uma perna. Tem escrito crónicas sobre a guerra colonial especialmente no Jornal da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA).

Criou em 2003 um dos mais antigos Blogues sobre a Guerra Colonial, O Cacimbo. É autor do livro Cacimbados - A vida por um fio (2008).

Vd. postes de:

16 de Junho de 2009 > .Guiné 63/74 – P4537: Agenda Cultural (17): 2º Ciclo de Conferências “Memórias Literárias da Guerra Colonial”, na B.M.R.R., 18 de Junho (Manuel Bastos)

23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3346: Bibliografia de uma guerra (36): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos. Moçambique.

18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3478: Bibliografia de uma guerra (37): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos: CART 3503, Mueda, Moçambique, 1972

(**) Apresentação do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série)(originalmente, Blogue-Fora-Nada) (De 8 de Outubro de 2003/31 a 1 de Junho de 2006):

blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!

ex-Blogue-Fora-Nada > 8 de Outubro de 2003 > Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter (e-mail) (Luís Graça)

Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: (i) é indelicado; (ii) pode ser embaraçoso; e (iii) até pode dar azar... Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida: "Não tenho... mas será que já é obrigatório ?"...

Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem cátedras e, agora, sem Internet, sem blogues e sem e-mail...

Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras buzzwords horríveis tais como url, password, username, nib...

Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a password e o e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...

Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do Reader's Digest, diga-se de passagem). A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso: (i) pintado de fresco; (ii) por favor não encostar à parede; (iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).

Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem e-mail... Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...


Ter ou não ter e-mail: eis a questão!

Um homem respondeu a um anúncio da MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste (tão simples como varrer o chão, apanhar o lixo e enfiá-lo num saco) e disse-lhe:
- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.

O homem, embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha sequer casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. Aí o valente adjunto do GRH da MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse:
- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da MicroDura.

O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao McSandocha’s matar a fome, resolveu entrar num Bigmercado e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos (habitado por negros e porto-riquenhos), tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares.

No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por uma camião.

O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na Terra Prometida e já se tornou um casestudy nos mais famosos cursos de MBA.

Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. O homem-que-se-fez-a-si-próprio respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:
- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia ter chegado inclusive até à Casa Branca!

O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:
- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!

Moral da história:

1. Ter ou não ter e-mail, eis a questão.

2. Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail.

3. Se não tens e-mail e gostas de trabalhar, ainda podes vir a ser milionário.

4. Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail é por que estás mais perto de ser empregado de limpeza do que ser milionário...


(***) Vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente! (Belmiro Vaqueiro / A. Marques Lopes / Luís Graça)

Quando em 23 de Abril de 2004 lancei o primeiro post sobre este tema [ Guiné 69/71 - I: Querida(s) madrinha(s) de guerra] estava longe de imaginar que hoje poderíamos estar aqui a falar da nossa (minha e de outros camaradas) experiência como ex-combatentes na Zona Leste da Guiné, no período em que fiz parte da CCAÇ 12 (1969/71). No fundo, tinha uma vaga esperança de (re)encontrar gente do meu tempo e que tivesse andado pelos mesmos sítios (Contuboel,Geba, Bafatá, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Mississirá, Fá...). Primeiro apareceu o Castro, mais novo (Xime e Mansambo, 1972/74) e depois o Guimarães (Xitole, 1970/72). A seguir veio o Lopes, mais antigo que todos nós (esteve na Zona Leste, em Geba, em 1967, onde foi ferido, na CART 1690; e depois na Zona do Cacheu, em Barro, com a CCAÇ 3, em 1968). Bom, e por aí fora: um a um, ou em grupo, começam apareceu os velhos tugas, não só da minha época (1969/71) como mais e mais novos, e que andaram pelas mais desvairadas terras da Guiné, do Cacheu ao Gabu...

Guiné 63/74 - P5199: O Nosso Livro de Visitas (69): António Marquês, ex-Fur Mil da CCAÇ 4810 (Moçambique, 1972/74)

1. Mensagem de António Marquês, ex-Fur Mil Mecânico de Armamento do BCAÇ 4810, Chipera e Tete (Moçambique, 1972/74), com data de 8 de Março de 2009:

Meu caro Luís Graça,

Incompreensivelmente, apenas hoje encontrei o seu blogue "luisgraca e camaradas...". E só hoje por duas razões pouco saudáveis: por um lado, o trabalho (na área dos projetos de engenharia cívil) que houve até há meia dúzia de meses atrás, não me deixava muito tempo disponível e isso servia como desculpa (a tal outra razão pouco saudável) para não me entranhar tanto na NET, onde, verdade se diga, também não sou um ás.

E quem sou eu? Sou o António Marquês, que foi Furriel Miliciano em Chipera, Tete, como Mecânico de Armamento no BCAÇ 4810, entre Outubro de 1972 e Outubro de 1974 (graças ao 25 de Abril, porque já estava decidido que seria até Março de 75).

Como também não quis passar ao lado dessa experiência única na vida de um jovem de então (e para ficar alguma coisa para os filhos e netos - que pouco já vão ligando a isso, não é verdade?) escrevi um diário que está a ser publicado por um jornal local aqui do Seixal (*), que é onde vivo.

Mas antes da publicação deste diário, já houve em 1981 um livro a várias mãos, mas em que aparece apenas na capa o meu nome, o do Josué da Silva (ao tempo redactor no Diário de Lisboa) e o do Carmo Vicente. O livro tem o título de Era uma vez... 3 guerras em África e, para além da introdução do Josué da Silva, tem os testemunhos meu, do Carmo Vicente e mais dez homens, que estiveram nas 3 frentes e, ao tempo, eram meus colegas na H. Parry & Son, em Cacilhas. O livro vem recenseado na relação existente no site Guerra Colonial 1971-1974.

Dito isto, caro Luís Graça, quero agradecer-lhe, a si e aos outros amigos que dão o seu tempo, a disponibilidade para criarem e manterem o vosso blogue, que, apesar de destinado apenas aos ex-combatentes na Guiné (será?), é um veículo absolutamente necessário para manter viva a chama daqueles tempos de camaradagem e mostrar a quem estiver interessado o que foram aqueles anos, de bom e de mau, na vida de milhares de jovens.

Cá por mim e mais uns quantos tudo fazemos para manter viva a chama, realizando desde 1984 uma confraternização anual (que já teve um máximo de 152 presenças - aberto à família, naturalmente - e agora se vai quedando entre as 90 e as 100 pessoas). O mais conhecido do grupo é o nosso comentador de casos policiais Barra da Costa, que foi o Furriel Miliciano Mecânico Auto da CCS do Batalhão.

Renovando mais uma vez o meu agradecimento pelo trabalho ímpar que estão fazendo no vosso blogue, sou

António Marquês


2. Resposta dos Editores

Caro camarada António Marquês

Em primeiro lugar queremos pedir desculpa pela demora na resposta à tua mensagem, que parecendo que não, mereceu a nossa melhor atenção. Aconteceu só que o volume de correspondência no mail pessoal do mentor do Blogue é tal que a tua mensagem ficou por lá perdida. Recuperada, não podia deixar de merecer a nossa resposta.

Estamos a agradecer-te as amáveis e reconfortantes palavras que nos enviaste. Não nos envaidecemos pelo reconhecimento público do nosso trabalho, mas sentimo-nos recompensados pelo nosso esforço e dedicação quando alguém se nos dirige, como tu o fizeste.

O envio regular de textos e fotografias pelos nossos tertulianos, maioritariamente ex-combatentes da Guiné, porque a este teatro de operações o nosso blogue se dedica em exclusividade, obriga-nos a um trabalho que ocupa algumas horas do nosso dia. Fazemos isto com prazer, na medida em que sabemos estar a compor um legado que no futuro alguém há-de tratar para poder refazer este pedaço da História de Portugal.

Caro camarada, desculpa o tratamento por tu, mas é a prática saudável da casa. És mais um camarada que tem a porta da nossa caserna virtual aberta para que sempre que queiras possas intervir.

Em nome dos editores e demais camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, recebe um abraço.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4959: O Nosso Livro de Visitas (68): Ildefonso Alves, ex-combatente em Angola, que nos acompanha em Paris

(*) "Cadernos da Guerra Colonial", que tem vindo a ser publicados no semanário Comércio do Seixal e Sesimbra.

Guiné 63/74 - P5198: Notas de leitura (32): A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, de John P. Cann (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2009:

Malta,
Aqui vai a recensão de um livro muito digno. Temos que investigar se ao nível da Força Aérea há investigação deste tipo. Os nossos “pilotos” na tertúlia têm a obrigação de nos apoiar.

A partir da próxima semana irei andar mais mansinho, já estou a meio de um livro delirante que dá pelo nome de “Em nome da Pátria”, de um tenente-coronel chamado Brandão Ferreira que escreve habilidosa e ardilosamente fora do tempo, e até da investigação histórica e política.
Paciência, temos que viver com os ressabiados e atormentados do império, dialogar até ao ilimite e desmascarar as mistificações.

Um abraço do
Mário


A Marinha na Guiné, durante a Guerra Colonial:
Um relato relevante para uma missão não menos relevante


Por Beja Santos

John P. Cann, comandante da Marinha dos Estados Unidos, professor auxiliar da Universidade da Virgínia, membro associado da nossa Academia de Marinha, é um investigador de prestígio com provas dadas nos seus trabalhos dedicados à contra-subversão em África e às operações fluviais da marinha portuguesa na Guerra Colonial. O seu estudo “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, é de uma grande importância e de leitura obrigatória, mesmo tendo uma tradução degradante e uma revisão abaixo de cão pelo que se sugere uma nova edição expurgada de disparates e gralhas que impedem toda a atenção que as aprofundadas investigações do comandante Cann merecem (“A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, Prefácio, 2009).

São escusados quaisquer comentários à sua análise sobre a Guerra Fria e o impacto que ela teve nos movimentos de independência em África, trata-se de uma apreciação rigorosa e isenta, é credora da nossa atenção mas somos conhecedores de tais factos. Novidade poderá ser, para muitos de nós a reviravolta naval decorrente das missões da Armada nos diferentes teatros de operações e sobretudo na Guiné. O autor dá conta dos procedimentos adoptados noutras guerras de guerrilhas e a adaptação que se procedeu ao nível da Armada portuguesa. Está lá tudo, desde os navios, aos fuzileiros especiais, à reserva naval, a todos os equipamentos que se usaram em África.

Depois de apresentar as actividades da Marinha em Angola, o estudo centra-se na Guiné, que o comandante Cann apresenta da seguinte maneira: “Dos três teatros de operações, a Guiné era o mais complicado e o mais difícil. Era também o mais importante teatro para a Marinha, porque aqui as suas actividades eram vitais não só a nível táctico como estratégico. A razão era bem simples. Cerca de 80 % de toda a carga e do pessoal dentro deste teatro movimentava-se por mar ou via fluvial. Somente 18 % passava por terra e cerca de 2 % por via aérea. Nos anos finais da guerra, quando o trânsito por estrada se tornou difícil, cerca de 85 % era por via aquática. O transporte através dos rios e braços-mar era também importante para o PAIGC, e por esta razão o policiamento do tráfego fluvial pela Marinha era tão importante para a tarefa de transporte”. Mais adiante, o autor debruça-se sobre a estratégia militar referindo as diferentes aplicações possíveis para o Exército e para a Armada. Porque os conceitos de ambas as armas foram altamente litigiosos durante todo o conflito: a Armada queria aproveitar-se da morfologia da Guiné e imobilizar o inimigo nas diferentes vias fluviais, travando a progressão do PAIGC dissuadindo a movimentação das suas tropas e populações e destruindo a sua logística; o Exército tendia a favorecer a estratégia tradicional de teatro, usando tropas acantonadas e apoiadas por forças de intervenção e de reacção rápidas. O comandante Cann observa que o PAIGC manifestou sempre uma quase cegueira relativamente à dimensão naval, caso se tivesse apetrechado para uma série ofensiva de guerra de minas, teria com facilidade bloqueado os cursos de água, conduzindo o esforço de guerra ao caos.

O empenhamento naval na Guiné aparece minuciosamente descrito neste livro: tipo de embarcações, forças, patrulhamentos, serviços de manutenção, instalações, rotas principais. Destaca-se o esforço de guerra no Sul, já que o PAIGC contava com o apoio da Guiné Conacri, tendo estabelecido quatro bases principais na zona da fronteira Sul (Kadigné, Boké, Kandiafara, Sansalé). Para combater o inimigo as forças portuguesas lançaram uma ofensiva através de operações como a Tridente, golpes de mão no Rio Camexibó, a operação Hitler, as operações “Via Láctea” (esta na área do Cacheu).

O autor dá igualmente um grande destaque à operação “Mar Verde”, sobejamente conhecida de todos nós. Nas conclusões, o comandante Cann procede à avaliação do legado da Marinha nas diferentes frentes da Guerra Colonial, reafirmando que a Marinha se adaptou perfeitamente aos novos cenários e soube reflectir sobre as experiências anteriores de guerra na selva. Recorda igualmente que a Marinha devotou um grande esforço à produção de cartas hidrográficas que iam sendo corrigidas e anotadas a partir da experiência e utilizadas como quadro de referência. Foi este conhecimento de campo de batalha que constituiu a chave da sobrevivência e dos sucessos. São lições que tendem a ser esquecidas por todos, menos pelos veteranos do conflito e pelos historiadores. Ora este legado é relevante não só pelas dimensões militares do conflito vivido como para conhecer a adaptação da Marinha aos novos desafios, actuais e futuros.

Apesar da tradução e revisão deploráveis, estamos face a um livro importantíssimo que convém saudar e recomendar.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5192: Historiografia da presença portuguesa (28): Notícias da Guiné, segunda série (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)

Guiné 63/74 – P5197: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (12): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Ataque à Tabanca de Sinchã

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, autorizou-nos a publicar as suas memórias, sendo esta a 12ª fragmento. A série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Ataque à Tabanca de SINCHÃ SUTU
em 24 de Janeiro de 1967

Por volta das 22h00, ouviram-se algumas explosões para os lados de Sare Ganá.

Mobilizou-se o pessoal e arrancamos de imediato para aquelas bandas. Quando chegamos ao cruzamento de Sare Ganá, como tudo estava calmo, elementos locais disseram-nos que os estrondos provinham de Sinchá Sutu.

Seguimos então nessa direcção, por uma pequena subida, a que se seguida uma recta comprida. A nossa viatura rodava a alta velocidade e perto de Sinchá Sutu ouvimos rajadas de metralhadora.

Eu, como habitualmente fazia nestas situações, ia sentado na parte de trás da viatura, com as pernas penduradas, pois tinha-me habituado a saltar em andamento e, até aquele momento, nunca me tinha acontecido nada de mau.

Mas nesse dia avaliei mal a velocidade a que íamos e, a certa altura sem saber como, fui projectado, dei meia volta no ar e caí de cabeça no chão, ficando ali estatelado. A viatura parou e a minha secção correu em meu auxílio. Das palavras que trocamos, só me lembro de me dizerem que a velocidade a que seguíamos era muita!

Foi da maneira que ficamos logo ali todos apeados, e progredimos mato adentro em direcção à tabanca, que se situava perto. Eu seguia na frente, rapidamente, e quando chegamos à tabanca, ainda me lembro de ver uma granada de roquete na minha direcção. Felizmente que ela não detonou, mas caí desmaiado com o impacto.

Ao fim de algum tempo conseguiram reanimar-me e comunicaram com o nosso capitão para Geba, transmitindo-lhe que era preciso uma viatura, para me transportar, porque eu estava ferido. Eu nem me tinha apercebido do meu estado, porque fui atingido na nuca e, ainda quente, não me doía nada. Uns minutos depois é que foram elas (as dores claro) e acabei por reparar que estava todo ensanguentado.

Como a outra viatura foi logo para Bafatá, com um ferido grave da população, o capitão disse, pelo rádio, que ia mandar outra viatura e o 2º. Sargento Silva, para me substituir. Comuniquei que não era necessária efectuar a minha substituição, porque qualquer um dos três 1º. cabos era suficientemente competente para orientar e comandar a secção.

Chegou a viatura e transportaram-me para Geba, onde o furriel enfermeiro me prestou os primeiros socorros, mas foi-me logo dizendo que era necessário eu ir para Bafatá, ao médico, porque eu não aparentava estar bem. Disse-lhe que não ia e fui-me deitar na cama. As dores eram cada vez mais, Apareceu então o Capitão para ver se eu estava melhor, mas como as melhoras não surgiam, mandou chamar um condutor com a sua viatura e disse-me: - Chapouto salte para a viatura, já!

Eu continuava a dizer que não era necessário, mas ele frisou: - Eu quero que vá e… imediatamente!

Lá fui eu, porque as ordens cumprem-se e não se discutem. Cheguei a Bafatá por volta das 03h00, como o médico estava a tratar do ferido grave deitaram-me numa maca, e ali fiquei eu à espera da minha vez. Só que a minha vez nunca mais chegava. Ouvi o médico a dizer (relativamente ao ferido grave): «Tem que ir para BISSAU, têm que tomar as providências necessárias, para ao romper do dia, o enviar com a maior urgência».

Levaram o ferido, e nunca mais o vi. Depois, ninguém me aparecia, nem o médico, nem o enfermeiro…

O tempo nunca mais passava e eu estava ansioso que fossem 06h30. Mal o corneteiro tocou, levantei-me e desenfiei-me pela porta da enfermaria fora, que ficava junto à porta de armas. Não se via ninguém por ali. Saí em frente, para o outro lado da rua, onde estava a caserna dos soldados.

Ali, encontrei dois soldados condutores da minha terra, que já sabiam que eu estava ali ferido. Pedi-lhes logo que não enviassem notícias a meu respeito para casa, pois eu não queria que se soubesse nada por lá. Eles garantiram-me que nada diriam e que eu ficasse descansado.

Sai dali todo torcido, fui ter com o senhor Eduardo Teixeira que era o dono da drogaria ao lado do quartel (irmão do senhor António Teixeira antigo proprietário do restaurante “A Transmontana”), que eram naturais de uma localidade perto da minha terra natal.

Como ainda estava fechado, fui bater à porta da sua moradia e ele abriu-me a porta. Contei-lhe as minhas últimas "aventuras" e ele mandou servir o pequeno-almoço para mais um. O apetite não era muito, mas lá comi qualquer coisa e saímos para a rua, já que estava na hora de ele abrir a porta do seu negócio.

Em frente da casa dele, havia uma oficina mecânica de reparação das viaturas da minha companhia. Aí já sabiam o que me tinha acontecido e disseram-me que andavam a minha procura, alegando que eu tinha desaparecido. Perguntei se havia alguma viatura que fosse para Geba e disseram-me que estava, por ali, o José Rosa com a GMC, a carregar bidões de gasolina.

Passado algum tempo, ele chegou e parou a GMC. Eu saltei para cima dos bidões com um pouco de custo. O Rosa queria que eu fosse à frente, mas disse-lhe que não. O condutor era o mesmo que me tinha transportado de Geba e, por isso, sabia o que se passara comigo.

Arrancou e quando íamos a passar em frente a porta de armas, ouvi o pessoal a dizer: “Ele vai ali!”

Acenei-lhes um adeus...

Quando chegamos a Geba fui-me apresentar. Disseram-me que estava escalado para entrar de Sargento de Dia. O Primeiro-Sargento reparou que eu não estava em boas condições físicas para fazer esse serviço e, assim, fui embora descansando.

Durante o resto do dia as dores continuavam, principalmente no pescoço (sentia-o torcido) e no peito que parecia dilatado. Passou-se esse dia e a noite.

No dia seguinte quando estava a almoçar, o Primeiro-Sargento chega junto de mim e diz: “Chapouto você está de serviço!”

- “Quem eu? Não! Se ontem não estava em condições, hoje também não estou!”

Disse-lhe que ia falar com o capitão e ele ficou a olhar para mim. Fui ao gabinete do capitão e ele perguntou-me se estava melhor. Disse-lhe: “Isto não vai bem, preciso mesmo de ir ao médico!”

Ele mandou logo o estafeta chamar o seu condutor e dois soldados, para me levarem a Bafatá. Levaram-me directo à enfermaria e o médico perguntou-lhe porque é que eu me tinha ido embora.

Expliquei-lhe que me deixaram sozinho durante muito tempo, e se haviam esquecido de mim, ao que ele retorquiu que eu tinha razão.

- Então o que queres agora? – perguntou.

- Acha que posso estar operacional neste estado? – disse eu.

- Nem pensar, – disse o médico –, levas alguns medicamentos para as dores e ficas trinta dias de convalescença.

De regresso a Geba, entreguei o papel da convalescença na secretaria, ao Primeiro-Sargento, que me interrogou: - “Isto é vingança?”

Nem lhe respondi. Dirigi-me ao gabinete do capitão, dando-lhe conhecimento da minha situação e ele mandou-me descansar, que bem precisava.

O tempo foi passando, o descanso era óptimo, comer, beber e dormir. Como o aquartelamento era desviado uns quinhentos metros, só descia do quarto para as refeições e conversar um pouco no bar. Por sorte, neste tempo do meu repouso, não houve “trabalho” para ninguém, em especial, apenas umas patrulhas de rotina às tabancas das redondezas.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em: