1. No dia 2 do corrente, o Manuel Correia Bastos, nosso tertuliano, dos mais antigos, mandou-me um mail com a seguinte recordatória e convite:
"O Cacimbo faz 6 anos de idade o que faz dele um dos espaços na Internet mais antigos sobre a guerra colonial, e quase de certeza o mais antigo blog sobre esse tema, e o seu autor convida todos os visitantes ocasionais e todos os amigos a virem fazer uma pequena visita guiada. Visite o blog Cacimbo em http://cacimbo.blogspot.com/. Manuel Bastos ".
Fui confirmar. É verdade, o
Cacimbo é mais antigo que o Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série), (ex-Blogue-Fora-Nada). Foi criado em 2/11/2003. Acaba, portanto, de fazer 6 anos, o que na blogosfera é já uma provecta idade. O nosso camarada Manuel Correia Bastos está de parabéns. E todos os camaradas da Guiné estão convidados a irem lá ler algumas das melhoras páginas que se têm escrito sobre o quotidiano da guerra colonial. É um homem com talento e sensiblilidade, além de artesão das palavras.
Por mera curiosidade, é de referir que o ex-Blogue-Fora-Nada, mais tarde rebaptizado Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné até nasceu antes... O primeiro poste publicado tem a data de
8 de Outubro de 2003.
Nessa altura o autor tinha acabado de escrever a sua tese de doutoramento e encontrou, na blogaria, uma maneira, fácil e barata, de desopilar, depois de um longo retiro social, intelectual e espiritual... O seu primeiro escrito foi, imaginem!, sobre a importância de ter ou ter e-mail (**)...
Foi também um das primeiras pessoas, no meio académico, a ter uma extensa e completa página pessoal (Saúde e Trabalho), disponibilizando, em
open access (acesso livre,
avant la lettre) centenas dos seus textos e documentos . Em rigor, o primeiro poste sobre a Guiné data de
23 de Abril de 2004 (***), pelo que o nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné, I e II Séries) já tem, de facto, 5 anos e meio...
O nosso camarada de Moçambique é também autor de um notável livro sobre a sua dramática experiência de guerra, lançado em 2008. E, tal como o Fernando Pessoa, ele não esconde que é apenas um manipulador... de palavras, um
fingidor:
A todos os visitantes deste blog, continuo a oferecer palavras apenas.
Mas é isto que sou aqui: palavras apenas; as imagens e sons apanham apenas boleia com as palavras. Mas não vos dou nada meu, que as palavras não têm dono. Eu sou apenas um apanhador de palavras. Apanho-as por aí e depois junto-as, tentando desenhar com elas o imponderável corpo dos sentimentos.
Mas não se iludam, nada do que digo é verdade. A Verdade é uma palavra prostituída; juntamente com o Amor, vendem-se por aí a quem prometer mais. O que digo é apenas o que ficou dentro de mim depois de excluídos todos os dados concretos que aproximariam demasiado as minhas palavras dos factos ocorridos e das pessoas envolvidas. É a recriação possível, depois de eu ter esquecido a verdade. São palavras. Palavras mentirosas, que inventam sentimentos e paixões, dores e alegrias, situações e atmosferas; mas, porque não são dirigidas à razão do leitor mas à sua emoção, são um convite à sua cumplicidade para o honesto embuste da ficção literária.
Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > CART 3503 > 1972 > Levantamento de um mina anti-carro
Foto: Cortesia de Manuel Correia Bastos (2008). Vd. Histórias da CART 3503 > 15 de Outubro de 2008 > O Dia em que comandei a companhia, por Manuel Bastos
Eis uma pequena amostra dos seus melhores textos, na perspectiva do próprio autor:
(i) Stress de Guerra -
A Visita
(ii)
Saudades de Azul
(iii) Homenagem às Enf Paras -
A Enfermeira que Vinha do Céu
(iv) O prazer da palavra escrita -
A Carta
(v) Tentar a poesia -
100 Versos do Mato
(vi) Memórias de Aguim -
O Voo da Calhandra
(vii)
O Último Verão da Minha Inocência
(viii) O Movimennto Nacional Feminino -
Os Sapatos do Major
(ix) O 25 de Abril -
Tão Tarde Pela Madrugada
Dos
110 Versos do mato, escolho eu o seguinte, como forma de prestar homenagem a este companheiro de estrada e aos demais camaradas que fizeram a guerra colonial, seja em Moçambique, em Angola ou na Guiné
O Cancioneiro do Niassa
Morremos tantas vezes em Mueda
Morremos sempre que uma voz se cala
por estarmos aqui
Às vezes até acordamos já mortos
Por isso à noite
os soldados bebem e cantam
para adormecerem vivos.
Título: Cacimbados – A vida por um fio.
Autor: Manuel Correia de Bastos
Editora: Babel
Ano: 2008
Nº pp: 192 Preço: 14,00 €
O livro está à venda na FNAC e na Bertrand.
___________
Notas de L.G.:
(*)
Manuel Correia de Bastos:
É natural da vila de Aguim, concelho de Anadia (1950). Foi mobilizado para Moçambique, como furriel miliciano da
CART 3503/BART 3876.
Esta companhia chegou a Mueda, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, no 12 de Fevereiro de 1972 com 153 militares; teve 6 comandantes, combateu a FRELIMO durante 26 meses e sofreu 58 baixas, de entre as quais 5 mortos, 1 desaparecido e 52 feridos, 16 dos quais muito graves, na maioria com deficiências permanentes.
Manuel Bastos foi gravemente ferido em combate em virtude da deflagração de uma mina anti-pessoal e deu baixa ao Hospital Militar Principal para convalescer da amputação de uma perna. Tem escrito crónicas sobre a guerra colonial especialmente no Jornal da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA).
Criou em 2003 um dos mais antigos Blogues sobre a Guerra Colonial, O
Cacimbo. É autor do livro
Cacimbados - A vida por um fio (2008).
Vd. postes de:
16 de Junho de 2009 > .
Guiné 63/74 – P4537: Agenda Cultural (17): 2º Ciclo de Conferências “Memórias Literárias da Guerra Colonial”, na B.M.R.R., 18 de Junho (Manuel Bastos)
23 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3346: Bibliografia de uma guerra (36): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos. Moçambique.
18 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3478: Bibliografia de uma guerra (37): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos: CART 3503, Mueda, Moçambique, 1972
(**) Apresentação do blogue
Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série)(originalmente,
Blogue-Fora-Nada) (De 8 de Outubro de 2003/31 a 1 de Junho de 2006):
blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
ex-Blogue-Fora-Nada > 8 de Outubro de 2003 >
Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter (e-mail) (Luís Graça)
Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: (i) é indelicado; (ii) pode ser embaraçoso; e (iii) até pode dar azar... Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida: "Não tenho... mas será que já é obrigatório ?"...
Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem cátedras e, agora, sem Internet, sem blogues e sem e-mail...
Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de
upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras
buzzwords horríveis tais como
url, password, username, nib...
Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a
password e o
e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...
Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do
Reader's Digest, diga-se de passagem). A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso: (i) pintado de fresco; (ii) por favor não encostar à parede; (iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).
Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem e-mail... Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...
Ter ou não ter e-mail: eis a questão!
Um homem respondeu a um anúncio da
MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste (tão simples como varrer o chão, apanhar o lixo e enfiá-lo num saco) e disse-lhe:
- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a
MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.
O homem, embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha sequer casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. Aí o valente adjunto do GRH da
MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse:
- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da
MicroDura.
O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao
McSandocha’s matar a fome, resolveu entrar num
Bigmercado e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos (habitado por negros e porto-riquenhos), tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares.
No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por uma camião.
O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na
Terra Prometida e já se tornou um
casestudy nos mais famosos cursos de MBA.
Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. O homem-que-se-fez-a-si-próprio respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:
- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia ter chegado inclusive até à Casa Branca!
O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:
- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!
Moral da história:
1. Ter ou não ter e-mail, eis a questão.
2. Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail.
3. Se não tens e-mail e gostas de trabalhar, ainda podes vir a ser milionário.
4. Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail é por que estás mais perto de ser empregado de limpeza do que ser milionário...
(***) Vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente!
(Belmiro Vaqueiro / A. Marques Lopes / Luís Graça)
Quando em 23 de Abril de 2004 lancei o primeiro post sobre este tema [
Guiné 69/71 - I: Querida(s) madrinha(s) de guerra] estava longe de imaginar que hoje poderíamos estar aqui a falar da nossa (minha e de outros camaradas) experiência como ex-combatentes na Zona Leste da Guiné, no período em que fiz parte da CCAÇ 12 (1969/71). No fundo, tinha uma vaga esperança de (re)encontrar gente do meu tempo e que tivesse andado pelos mesmos sítios (Contuboel,Geba, Bafatá, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Mississirá, Fá...). Primeiro apareceu o Castro, mais novo (
Xime e
Mansambo, 1972/74) e depois o Guimarães (
Xitole, 1970/72). A seguir veio o Lopes, mais antigo que todos nós (esteve na Zona Leste, em
Geba, em 1967, onde foi ferido, na CART 1690; e depois na Zona do Cacheu, em
Barro, com a CCAÇ 3, em 1968). Bom, e por aí fora: um a um, ou em grupo, começam apareceu os velhos tugas, não só da minha época (1969/71) como mais e mais novos, e que andaram pelas mais desvairadas terras da Guiné, do Cacheu ao
Gabu...