quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7801: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (65): Na Kontra Ka Kontra: 29.º episódio




1. Vigésimo oitavo nono da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 16 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


29º EPISÓDIO

Estavam assim os dois graduados, descontraídos, quando para os lados de Padada, onde se situavam as sentinelas metidas na mata, se ouve um tiro aparentemente de arma automática.

Conforme as instruções que havia e que envolviam toda a população da tabanca, um dos militares foi percutir uma velha jante de viatura que se tinha pendurado numa árvore. Era o sinal de alarme para todos o pessoal ir para os abrigos que lhe estavam destinados. Como já havia abrigo para a população civil, aí se reuniram todas as mulheres, crianças e os poucos homens que não pertenciam à milícia. Deve aqui referir-se que a jante, neste caso, desempenhava as funções do “Grande Tambor” existente em quase todas as tabancas ou o característico tronco oco utilizado pelos balantas, maior que os utilizados nos batuques e por isso de som cavo. Todos eles eram tocados sempre que, por motivo importante, era necessário reunir toda a população.

Há dias já se tinha feito um ensaio dessa situação mas agora era a sério. Fora dos abrigos só se encontram os três graduados. Passaram-se uns minutos sem mais nada acontecer. Teria sido abatido um sentinela? Ou apenas o disparo de um deles? A quem? Os três interrogavam-se.

- João, é preciso mandar um grupo de homens ver o que passou com os sentinelas.

Para alívio de todos tão depressa foram como vieram. Aconteceu que um dos sentinelas viu ao seu alcance um porco do mato e, contrariamente a todas as regras, não perdeu a oportunidade de o abater. Claro que não se podia deixar passar este acto sem uma punição, embora pequena dada a pouca formação militar de todos os milícias. De acordo com o João, o milícia em questão integraria a próxima operação apesar de ter participado na anterior e, principalmente, teria que dividir o animal com a tropa metropolitana.

Dado o sinal para acabar a situação de alarme toda a tabanca voltou aos seus afazeres. O Furriel aproveita e vai deitar-se um pouco, tendo o nosso Alferes pedido ao João para mandar chamar o Samba, pois queria falar com ele. Queria resolver a situação da Asmau rapidamente.

Sentados os dois à mesa das refeições foi rápida a conversa. O Alferes disse que já tinha falado com o Adramane e que iam resolver já o assunto. Para abreviar e não haver constrangimentos de discurso pode dizer-se que o Samba deu ao Alferes o equivalente a meia vaca para ficar com a Asmau. Foi um montante muito inferior ao que tinha dispendido, mas o Alferes Magalhães resolve o seu problema e o Samba também.

Passam uns dias e o nosso Alferes, agora mais liberto, dedica-se além dos patrulhamentos, a colher mais informações sobre os hábitos de todos os habitantes da tabanca. Passa a andar mais com o João vendo o evoluir das suas lavras. Ao princípio achava um pouco estranho que os milícias trabalhassem para ele aparentemente de forma gratuita mas agora já sabe que era uma ancestral prerrogativa de qualquer chefe. Os chefes de tabanca e os régulos chegavam a ter lavras longe da sua morança mas perto das moranças dos súbditos, que tinham que as trabalhar para proveito do seu chefe. Aqui, com o Chefe da Milícia passava-se procedimento semelhante. Não será de esquecer que esses mesmos chefes asseguravam o bem estar dos homens que para ele trabalhavam, distribuindo -lhes os excedentes das produções.

Tinha visto a sementeira da mancarra e acompanha agora o crescimento das plantas. Assiste ao aconchegar de terra às mesmas. Repara nas plantações de mandioca com largos sulcos, para melhor drenarem as águas da chuva e também para protegerem as raízes, não ficando fora da terra nem ensopadas em água, quando chove muito. Fica a saber, contrariamente ao conhecimento que tinha, que a raiz da mandioca se pode comer crua, pois vê comê-la aos africanos. Acha muita piada às enxadas de madeira que usam para trabalhar a terra: Autênticas preciosidades da pré-história. Acaba por comprar algumas para levar para a Metrópole quando regressar de vez. Vê que o João guarda a mancarra descascada, destinada a semente, em grandes garrafões de vidro.

Uma das enxadas com que trabalhavam a terra.

Repara nas cabaças de recolher o vinho de palma com forma de grandes peras e sobretudo nos funis feitos com folhas de palmeira, para lá em cima da árvore conduzirem a seiva da incisão para a cabaça.

Em determinado momento de um fim de tarde o rádio-telegrafista vem ter com o Alferes e entrega-lhe uma mensagem acabada de chegar do comando de Galomaro. Não é demais referir que com o rádio que se possuía, um AN GRC 9, só se conseguia comunicar com Galomaro de dia e só em Morse. Se por qualquer motivo, ataque, evacuação, etc. fosse necessário comunicar durante a noite com a sede da Companhia…

Depois de o Alferes ter ido buscar o livrinho de descodificação pôde ver o que a mensagem dizia: Ordem para no dia seguinte fazer uma operação de reabastecimento de munições à tabanca próxima de Cantacunda.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 Guiné 63/74 - P7794: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (64): Na Kontra Ka Kontra: 28.º episódio

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7800: Memórias de Mansabá (19): Operação Vaca (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos mais esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (19)

OPERAÇÃO VACA

Vieram-me à memória ainda muitas coisas e há milhentos episódios em que eu não estive presente. Falei por vezes no geral, mas eu estive lá e sempre fui observador, e é com muita admiração que eu olho para a capacidade de resistência e disciplina daquela malta. Quanto à resistência havia muito poucos que chegassem aos 70Kg quando regressaram, mas ainda me falta falar de uma operação, a última que foi ir a Mantida... assaltar o curral das vacas.

E lá fomos, por acaso já com alguma euforia, era a última noite fora, caminhos e sítios conhecidos, não chovia, passámos a bolanha, a zona de floresta, o campo de mancarra, uns pela esquerda, outros pela direita, entrada na mata voltados para Morés, e logo no principio lá estavam as vacas presas com cordas. Cada um à sua e retirar o mais rápido possível.

Nem todos tinham jeito para vaqueiros, queriam que as vacas corressem, mas... mas era preciso deixar o campo de mancarra rapidamente e entrar na floresta. Houve algum engarrafamento, até que chegaram os pastores, as vacas tiveram muito medo dos tiros, mais difícil foi segurá-las, muitos deixaram-nas fugir, calámos os pastores, conseguiu-se meia bolanha onde havia uma espécie de ilha com árvores e palmeiras, onde ficámos uns quantos e as armas pesadas. Eles vieram mais fortes, mas um homem da bazuka pôs lá uma ou duas mesmo no sitio. Foi mais um regresso em calma e ainda com muitas vacas que o nosso Capitão ofereceu em grande parte à Tabanca. Tudo que sobre um ponto de vista foi inglório, tinha que acabar também sem grande glória, ou pelo menos algo inserido em toda a ilógica. Acho que naqueles dois anos fiz muito pouco pelo meu País.

Eu sei que foi uma guerra dos soldados e seus familiares, não fomos voluntários, claro que há excepções, fomos porque fomos obedientes e cumpridores, fizemos o que a pátria mandava. Volto a dizer que sou de origem muito humilde, mas tenho o orgulho e a altivez das gentes da serra, não quis, não quero nada, o país nunca aceitou que estava em guerra, também não me parece que seja hoje, que seja amanhã, que reconheça o facto nobre que um indivudúo fez, responder presente quando a pátria o chamou. Continuo a amar a minha pátria com orgulho e lealdade, mas eu sempre a tenho visto por caminhos atribulados, ou pelo menos que eu não gostei, não gosto, não espero nada dela, só gostava que ela pelo menos me deixasse quieto no meu canto, porque cada vez gosto menos das máquinas estatais e dos homens que as conduzem.

Eu gosto da verdade pela verdade, sem peias sem obrigações, que nascem e crescem, porque têm o tal coração enorme, o tal abnegação sem limites.

Sabem bem ver o senhor Luís Graça e o senhor Carlos Vinhal, totalmente independentes terem atingido os números que atingiram.

Não me venham bater por causa do senhor, porque eu bato já em mim, mas foi uma maneira que eu arranjei para dizer um muito obrigado sincero à vossa independência.

Éramos uma companhia cultural, criámos um jornal e tudo.

Ernesto Duarte

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (7): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

Guiné 63/74 - P7799: Os nossos médicos (22): Um pedido de desculpas por uma falsa informação a (e um firme repúdio pelas insinuações de) o ex-Cap Art Morais da Silva, comandante da CCAÇ 2769 (Amaral Bernardo)



Guiné > Região de Tombali >  Rio Cacine  a caminho de Gadamael; s/d> O Alf Mil Méd Amaral Bernardo, que pertencia à CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), e passou mais de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6).




Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1971 > Vista aérea  


Fotos (e legendas) : © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.




1. Resposta de Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Med, CCS / BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72),  ao ex-Cap Art, António Carlos  Morais da Silva comandante da CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de Janeiro de 1971 a Outubro de 1972) (*)

Ex.mº.Senhor
Coronel Morais da Silva

Após a leitura do seu desmentido ao P7756 da minha autoria, a primeira reacção foi de estupefacção e angústia…e, a seguir ,de constrangimento, em que ainda me encontro. Tinha vivido todo este tempo convicto que a CCaç 2796 tinha sido deslocada de Gadamael meses depois da morte do capitão Assunção Silva e que para essa decisão eu teria contribuído de algum modo, na minha qualidade da médico da CCaç e conhecedor da realidade de Gadamael e da pressão constante que exercia sobre o pessoal aí colocado. 



Mas os factos são factos, e a realidade é que a Companhia só saiu a 12 de Fevereiro de 72, sendo óbvio que a informação é FALSA e IMPERDOÁVEL, como diz! 


Do erro me penitencio e, com humildade e sinceridade, peço desculpa a todos os elementos da CCaç 2796, a toda a TABANCA GRANDE e ao seu Editor Luís Graça, de quem aceito desde já todas as consequências que achar adequadas (incluindo a minha expulsão do Blog, retirada do post, sua correcção…, enfim, o que for por bem  entendido).

O que alegar em minha defesa?... Por mais que procure, só a “convicção” que eu tinha até agora e a espontaneidade e emoção com que escrevi. E quando há Emoção… a Razão deixa praticamente de existir e a Emoção, sempre que pode, trai-nos.



Não houve qualquer intencionalidade (seria absurdo, no tempo da Net, com este blogue e com os intervenientes praticamente todos vivos, com datas e locais…),foi um acto falhado que assumo e com que terei que viver. Mais uma vez peço que aceitem as minhas desculpas, todos.


É obvio que neste ponto, a sua indignação é natural e eu aceito-a , senhor Coronel,  e, se assim o entender e não me tomar por persona non grata, estou disponível para, pessoalmente, num encontro-convívio da Companhia, me retratar. À sua consideração.

Antes de prosseguir, e se me permite, gostava de deixar algumas considerações gerais que, penso, na minha maneira de ver e de estar, ajudarão a melhor entender e a ajuizar a essência do que está em causa quando , na sequência do facto acima referenciado, o senhor Coronel se permite, ainda que de forma aparentemente cuidada, lançar urbi et orbi e através deste meio (de veteranos de guerra na Guiné)  dúvidas sobre a minha conduta médica no terreno, pondo em causa a minha dignidade e obrigações profissionais, assim como a minha atitude enquanto pessoa em relação aos que necessitassem da minha ajuda.

Uma delas diz respeito a um aspecto que é importante trazer para aqui e que merece meditação serena e isenta — a da prática médica na guerra, em situações como as de Gadamael ou outras semelhantes , em que o risco de vida é igual para todos, e só há um médico.



Não vou desenvolver este tema agora, mas gostaria de o poder discutir a frio e estarei sempre disponível para o fazer logo que achado pertinente. Em qualquer fórum.


Deixe-me, contudo, perguntar-lhe: acha que o médico, o único existente neste cenário, não deve pensar na sua segurança, não terá que avaliar o risco, se há condições para poder ser médico, vivo e não morto ou ferido, incapacitado? E se ele for ferido? Quem o trata? E se morrer… será útil a alguém, onde ele era preciso?


Imagine um cenário como o que descrevo (não, não sou eu): médico, miopia incapacitante sem óculos (cerca de seis dioptrias em cada olho), em pânico com os rebentamentos a correr para uma vala ou pseudo-abrigo, de noite, com medo de cair, ficar sem óculos e sem autonomia, que ferido só contará com os cuidados dos enfermeiros, sem possibilidade de evacuação nocturna (salvo em raríssimos casos)… Não, senhor Coronel, sabe bem que este cenário não é filme!

Acha que os médicos, nestas circunstâncias ou idênticas, tiveram a segurança e as condições mínimas para actuar? 



Se calhar esta análise deve ser tomada na devida conta antes de qualquer juízo de valor, digo eu!

Eu estive em algumas situações destas e, não sei bem como (talvez a ainda resistência dos esfincteres), consegui resolvê-las.

Com medo, MUITO MEDO e ANGÚSTIA… Herói? Não, em absoluto. Desejei até, muitas vezes, ser ferido para poder ser evacuado.(Síndrome muito comum em todas as guerras, como sabe).

Às vezes interrogo-me se estas perguntas terão razão de ser, sentido, para um militar de carreira que foi estruturado para situações que, para nós, comuns mortais, era suposto nunca vivermos. Só na ficção. Não sei, sinceramente. (Não entenda que estou a desculpar ou ilibar seja quem for. Estou só a contextualizar.)

Perguntará: Porque não fugiram à mobilização como outros? Porque foram? 



É uma pergunta para a qual ainda não tenho resposta. Mas penso que andará à volta desta:  por ignorância da monstruosidade e aberração que ia vivenciar e, como disse um colega, PARA VIVER EM LIBERDADE NA MINHA TERRA.

Feitas as considerações que me propus e que, penso, importantes no contexto, vou responder às suas insinuações.

Pondo de lado “Este médico deve ter andado distraído durante 11 meses…” ( o senhor Coronel sabe que a guerra na Guiné foi uma distração permanente para os milicianos ,incluindo os médicos!), a sua indignação não pode legitimar, de modo nenhum, que tente pôr em causa, mesmo que insinuando só, a minha conduta como médico, no teatro operacional. Um parênteses só para esclarecer: eu nunca estive em Bissau com médico (a não ser agora,  a fazer formação posgraduada a médicos do Hospital Simão Mendes, antigo hospital civil). Estive sempre colocado em aquartelamentos do sul e só no último mês de comissão em Bolama.



A minha conduta como médico pode ser testemunhada pela hierarquia militar de quem dependia e, que eu saiba, está toda viva, felizmente:

(i) Em Cacine era comandante o cap Magalhães (não sei que posto terá agora), em Bedanda o cap Ayala Botto (depois ajudante do Gen Spínola);



(ii) a CCS de Catió, minha Companhia,  era comandada pelo major Vieira Correia (com quem ainda me encontro quase anualmente na reunião convívio ), em Tite o major Valente, o major Castanheira 2ºcmdt;


(iii) Como disse,  passei o último mês em Bolama, mas não me lembro do nome do comandante; mas estive lá algum tempo com o agora Gen Carlos Azeredo com quem também ocasionalmente me encontro ainda.

Como complemento, (passe a imodéstia,)  acrescento que me foi atribuído um louvor pelo cap Ayala Botto, a nível de Companhia, e outro pelo Com-Chefe (não sei se é assim que se diz), este por proposta do Cmdt de Tite, major Valente, ambos a dar testemunho da minha estrura pessoal e do meu desempenho, quer a nível militar, quer em relação à população civil.(Infelizmente não posso apresentar esses documentos agora porque mudei de casa e o arquivo morto está ainda encaixotado e na aldeia; logo que estejam à mão, penso que no Verão, terei muito gosto em lhe enviar uma cópia, para que conste).



Se outra prova não houvesse, penso que o anteriormente dito me ilibaria das suas insinuações sobre a minha conduta como médico( eu poderia andar distraído, mas as personalidades que acabo de referenciar … todas, e os louvores que recebi por quase 20 meses de mato, por certo não).


Mas, para que fique claro, na data em questão [, 8 de Maio de 1971,] eu já estava colocado em Bedanda  já há meses.

Portanto, o senhor Coronel, por um erro involuntário que cometi (que, repito, me constrange e pelo qual me penitencio) , e sem que as situações em causa possam ter qualquer relação 
 de um lado um erro involuntário de data e a convicção que as minhas recomendações teriam servido para alguma coisa, do outro uma situação dramática, com mortos e feridos e o suposto não cumprimento por parte de um médico dos seus deveres profissionais, independentemente de todos os condicionalismos do momento  põe em causa o meu sentido de dever para com o meu semelhante e a minha dignidade profissional 

“….queira Deus que o autor da falsidade não seja o médico que ocasionalmente em Cacine, se recusou…”. Porquê eu?  pergunto-lhe.  No Batalhão havia mais médicos e, “ocasionalmente em Cacine “  passavam outros médicos.

O que o fez, embora interrogando-se, ao lançar para a praça pública o meu nome profissional 
 AMARAL BERNARDO  colado a uma situação completamente fora do contexto, é incompreensível (para não adjectivar mais) e altamente estigmatizante para mim.


Mesmo com a dúvida, o senhor Coronel teria que tentar certificar-se, com recato e discrição, da veracidade ou não dessas suas INTERROGADAS DÚVIDAS.

Para minha informação — porque não foram apurados os factos no momento em que aconteceram? por certo fez esses diligencias? Porque nunca se soube o nome do médico? O senhor afirma que o "proibiu” (mas não foi em abstracto, teve que ser um médico em concreto) de voltar a Gadamael ? De 8 de Maio  de 1971 a Fevereiro de 1972, não foi mais nenhum médico a Gadamael ? E,  se foi outro, nunca conversaram sobre o assunto?

Para além de ter família e amigos, como toda a gente, sou formador de médicos (de alunos e na posgraduação, incluindo médicos em Bissau, como já referi).Que lhes responderei quando me questionarem por constar que foi lançada a suspeita, num blog de veteranos de guerra, de me ter recusado a prestar assistência a feridos graves? E a todos aqueles que estiveram comigo na guerra, que me deram a sua amizade e solidariedade e em mim confiaram ?



Lamento e respeito o sofrimento que esta situação lhe causou e expressa de forma pungente forma no in+icio do parágrafo: “É com muita dor que, após 41 anos, sou obrigado a recordar e trazer à tona do meu íntimo uma das piores noites que tive em combate….” 

Saberá , contudo, que os flash back (passe o anglicismo) são parte integrante de quem passou por traumas violentos e que estamos (eu estou) sujeitos a tê-los quando existem condições desencadeantes. 



Sem querer comparar o que não é comparável, também vivo, neste momento, duas das mais marcantes vivências da guerra, da minha guerra (todos nós temos a nossa guerra, mesmo quando no mesmo território, e no mesmo espaço temporal):

(i) A minha primeira ida a Gadamael. De forma resumida e poupando detalhes 
— recém- chegado a Cacine , para iniciar a comissão, no do dia seguinte à tarde tive que ir para Gadamael. A informação que me foi dada, é que tinha havido na véspera um violentíssimo ataque, com ida ao “arame” dos guerrilheiros e que havia baixas. Periquito, sem penugem ainda sequer, fui e, ao chegar, dei conta que tinha entrado na guerra: chão e algumas paredes das instalações do aquartelamento com os sinais elucidativos da violência da noite anterior, três militares mortos ( executados a tiro por um guerrilheiro pela abertura superior de uma Daimler imobilizada junto ao arame por fogo IN ; um outro militar não foi morto por ter ficado debaixo dos companheiros ; sem ferimentos físicos , foi evacuado em estado de choque e de profunda alienação mental);  pessoas esgotadas, transtornadas…. Surrealismo puro para quem ainda estava em estado de graça.

Fui ajudado a começar a estar naquele mundo ajudado pelo acolhimento que o cap Assunção Silva e seu pessoal me dispensaram, apesar das circunstâncias! E lá fiquei nessa noite.

(ii) Em Cacine esperávamos nesse domingo a chegada do cap Assunção Silva. Vinha almoçar connosco a convite do cap Magalhães .As horas passaram, chegou a hora combinada para almoçar… mas não veio! Veio a notícia brutal da sua morte em combate,  fora do aquartelamento, no princípio da manhã. Não havia feridos graves.

Ao fim da tarde cheguei a Gadamael( só com o condutor do sintex, como era hábito).O que senti, sinto…deixe que fique na minha intimidade.


Passei lá a noite com os demais da Companhia  e nessa noite, não pertencendo à companhia, oficial, só estava eu, o médico. O capelão, Mário de Oliveira, sediado em Catió, só teve voo de manhã.

Durante todo o dia e a noite, aquela gente, naquelas circunstâncias, esteve entregue e a si mesma e ao seu desespero. Comandava, no momento, com a serenidade, segurança e determinação possíveis, o Alf Mil Fontes que é e está no Porto.

“Pior do que dizerem mal de mim, é não falarem de mim.” Só não lhe agradeço o seu contributo para que eu não caia no esquecimento porque esta insinuação é 'FALSA e IMPERDOÁVEL'

“Nós só valemos o que os outros queiram que nós valhamos.” Mas não pode ser usada uma suspeição que é 'FALSA e IMPERDOÁVEL'.

Ao seu dispor, senhor Coronel.

Cumprimenta
Amaral Bernardo

P.S.-O Mário de Oliveira citado não é o da Lixa.

amaralbern@gmail.com
915676614 / 967070758 / 917745306(93)



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Nota de L.G.:

(*) 16 de Fevereiro de 2011 Guiné 63/74 - P7796: Os nossos médicos (21): É falso que a CCAÇ 2796 tenha sido evacuada de Gadamael para Bissau, por recomendação médica (Morais da Silva, ex-Cap Art)

Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (18): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (18)



1. Dois comentários colocados no poste do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857,
Mansabá, 1965/67), da autoria do Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá
, 1965/67) e Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422), por motivos evidentes merecem o nosso destaque.


2. O comentário do Manuel Joaquim, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 04h40:

Meu caro Ernesto, um grande abraço.Estou emocionado com a tua referência à morte do Jaime de Matos Feijão. E relembro:

A bordo do Niassa, a caminho da Guiné, numa mesa do bar alguns furriéis redigiam a sua primeira correspondência para ser enviada do Funchal, aproveitando a paragem do paquete. A conversa derivou para os perigos que a guerra nos reservaria. E, blá, blá, blá, falou-se em cálculo de probabilidades e todos aceitaram a ideia de que era praticamente impossível não morrer ninguém de toda aquela gente que enchia o Niassa. Saiu-me uma frase seca: "tenho a certeza de que não regressaremos todos". O furriel Feijão, debruçado sobre uma folha de papel, e com um ar meio perdido, sai-se com uma expressão do género "não sei porquê mas sinto que não vou voltar". Como é óbvio, o tema da conversa acabou ali com gargalhadas forçadas, a minimizar em absoluto tal ideia e a tentar levantar o ânimo do Jaime Feijão, "que ideia mais estúpida, pá!"


Fiquei tão surpreendido que nunca mais me esqueci de tal momento. Eu era radicalmente antimilitarista, anti-guerra. E tinha sido o Jaime a convencer-me a tirar uma foto em farda nº1, farda que ele arranjou e me emprestou para a fotografia. Para quê a foto? Para deixar à minha mãe, mulher do campo aterrorizada com a minha ida para a guerra e sem qualquer noção sobre o "campo de batalha". Dizia o Jaime que, assim vestido, a poderia convencer de que iria chefiar, mandar os soldados fazer a guerra, ficando eu mais resguardado do perigo. A verdade é que me convenceu e fiz tudo para a minha mãe acreditar nisso. Não sei é se acreditou. Pelo desespero mostrado na gare marítima aquando do embarque, é de julgar que não.

Chegados à Guiné no início de Agosto/65, o nosso BCaç 1857 dispersou-se: a minha CCaç 1419 fica em Bissau quase três meses, a CCaç 1420 ruma a Fulacunda e a CCaç 1421, do Jaime, segue para Mansabá, via Mansoa.

Julgo que a 20 e poucos de Setembro/65 a notícia cai na 1419 e atinge-me violentamente: "O Jaime morreu! Como? Porquê?"

Fico por aqui, estou a chorar.


3. O comentário do Veríssimo Ferreira, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 14h00.
Caro Ernesto. Triste mas mesmo muito triste fiquei e estou ao ler este facto, pois que me atinge directamente. Eu estava lá com a minha secção. Como lá fui parar não sei mas estava em Mansabá nessa altura e fui convocado para ir aprender convosco nessa operação e em Manhau o v/comandante nomeou-me para ir à frente naquele local e o Feijão ir-me-ia dando indicações como se actua no mato, mas este (O Feijão) disse: não, este gajo é maçarico vou eu à frente e a secção dele atrás da minha. Assim foi e lá morreu ele por mim.

Algum tempo mais tarde confessei isto a um irmão que trabalhava num daqueles barcos que iam Bissau, não sei se o "Rita Maria" se o "Manuel António" e chorámos juntos. Ainda recordo também as palavras duras daquele v/comandante e dirigidas não sei se prá mata se para o céu lá mesmo em Manhau e após aquele triste desenlace. Tenho mais a dizer sobre isto e um dia espero que possamos conversar. Para já diz-me só uma coisa que me tem baralhado todos estes anos: O alferes Carvalho estava ou não a comandar Manhau, nessa altura embora nessa noite lá não estivesse?

O meu contacto é verissimoferreira@sapo.pt

Fur Mil da Ccaç 1422.

Um abraço e obrigado.


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Notas de M.R.:

Ver também sobre esta matéria o poste:

15 de Fevereiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (6): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

Guiné 63/74 - P7797: Notas de leitura (203) Estudos Sobre o Tifo Murino na Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
A Tina Kramer, que em tempos pediu a ajuda do blogue por razões do seu doutoramento (em preparação) em que vai abordar as memórias dos ex-combatentes dos dois lados, já chegou a Bissau e procede às primeiras investigações. O seu intérprete é o Abudu Soncó.
A Tina promete escrever mais tarde no blogue as suas impressões de viagem. Oxalá que seja bem sucedida e traga dados inéditos sobre as memórias que ali coligimos no nosso blogue.
Junto fotografias que tirei de um daqueles livros horríveis em que se dissecam ratos à procura de tumores, enquanto folheava o livro na Feira da Ladra até me senti agoniado. Depois veio a recompensa, estas pequenas preciosidades que junto.
O livro para o blogue.
Cada vez que vejo estas imagens muito belas de solidariedade como as da tabanca de Matosinhos, penso sempre que podíamos promover a venda destes livros para fazer mais filantropia com quem tanto precisa. Talvez esta sugestão pegue: às sextas-feiras à noite fazermos leilões de dádivas a pensar num objectivo concreto.

Um abraço do
Mário


O Bairro do Pilum, com Bissau ao fundo, há mais de 60 anos

Beja Santos

O comandante Sarmento Rodrigues é o governador que introduz a viragem naquela Guiné praticamente desconhecida na sede do Império. Não só transforma Bissau numa cidade colonial moderna como imprime a nível do conhecimento transformações que, sem exagero, foram inacreditáveis para o espírito da época. Basta pensar no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nas infra-estruturas abarcando a meteorologia, o combate à doença do sono, o hospital civil, as múltiplas missões científicas, desde as geo-hidrográficas como as zoológicas. Tudo está identificado, António Duarte Silva no seu importante estudo intitulado “A Invenção e a Construção da Guiné-Bissau” documenta inequivocamente esta governação modelar onde se procurou subtrair a Guiné e a sua história do tratamento folclórico e exótico, repondo-a no eixo da civilização.

Foi sobretudo no período do conflito político-militar de 1998-1999 que se perdeu parte significativa do acervo documental que é património do país, tal foi a barbárie da presença senegalesa no INEP (e não só). Várias instituições têm procurado restaurar parte dos danos, pude assistir a uma exposição denominada “Raízes” e onde se mostravam fotografias que antes de intervenção estavam seriamente danificadas e que faziam parte do arquivo fotográfico do INEP.

Dentre os estudos científicos deste período áureo, desencantei na Feira da Ladra um livro que interessa aos especialistas em medicina veterinária “Estudos sobre o Tifo Murino na Guiné Portuguesa”, é seu autor um importante cientista da época João Tendeiro. Como é evidente, não vamos aqui analisar o tifo murino, uma doença infecto-contagiosa dos ratos susceptível de atingir o homem. Na época, esta questão de saúde pública era preocupante atendendo à falta de higiene e saneamento básico. O que acontece é que no interior da obra, para além dos cadernos revelando corpos ao microscópio, para além dos gráficos e imagens de ratos infectados, o autor exibe fotografias de inegável interesse como os arredores de Bissau (caso de Intim e Pilum de Baixo), a fotografia do Laboratório de Veterinária e Indústria Animal bem como a Granja Agrícola e Pecuária de Pessubé, na época a vanguarda experimental no domínio agrícola, foi aqui que Amílcar Cabral começou o seu trabalho quando chegou à Guiné, em 1952.

Mostram-se as fotografias que devem ter sido tiradas na época da missão, na segunda metade dos anos 40. O Pilum de Baixo (ou Cupelum) estava fora de Bissau, a Granja tem um aspecto familiar, parece que ao tempo não havia grandes problemas com a densidade demográfica…

Por se tratar de uma pequena raridade, fica a pertencer ao blogue.

Arredores de Bissau – Pilum de Cima

Caminho para o Pilum. Ao fundo, Bissau

Bairro indígena da Granja Pecuária de Pessubé
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Nota de CV:

Vd. poste de 12 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7769: Notas de leitura (202): Política Cultural Portuguesa Em África O Caso da Guiné-Bissau, de Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7796: Os nossos médicos (21): É falso que a CCAÇ 2796 tenha sido evacuada de Gadamael para Bissau, por recomendação médica (Morais da Silva, ex-Cap Art)



Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d> Aquartelamento, com o espaldão, em primeiro plano, o obus 14 (e não a peça de artilharia 11,4), cujo espladão está em construção. Ao fundo, a tabanca (reordenamento feito pelo exército).


Foto: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de:
 © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007). Direitos reservados (Editada por L.G.).


1. Mensagem do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, que foi comandante da CCAÇ 2796 (Bissau, Gadamael e Quinhamel, 1970/72):

 Data: 10 de Fevereiro de 2011 23:16
Assunto: P7756 - Desmentido
Caro Dr Luís Graça:

Desculpará que o volte a incomodar mas peço-lhe o favor de publicar o meu desmentido formal ao que está escrito no P7756 de 10 de Fevereiro de 2011  e que transcrevo:

 "( ...) Fiz também Guileje com o famosíssimo Cap Parracho que cumprimento também, e Gadamael com o Cap Silva, das Operações Especiais, a quem tive que passar a certidão de óbito por morte em combate, e que recordo com muita saudade (Gadamael era o pior buraco do sul; a companhia que então lá estava teve que ser evacuada para Bissau por minha recomendação)." (*)


Esta afirmação é de Amaral Bernardo, então médico pertencente à CCS/BCaç 2930, de Catió.

A informação de que a Companhia de Gadamael (CCaç 2796) foi evacuada para Bissau por sua recomendação é FALSA e IMPERDOÁVEL.

Este médico deve ter andado distraído durante 11 meses (desde 24 de Janeiro de 1971 quando faleceu em combate o Capitão Assunção Silva, comandante da CCaç 2796, até Dezembro de 1971 quando Amaral Bernardo diz ter sido rendido e seguido para Bissau).


Não sei se havia um ou dois médicos no sector do BCaç 2930 e por isso queira Deus que o autor da falsidade não seja o médico que em 8 de Maio de 1971, estando ocasionalmente em Cacine, se recusou a embarcar num sintex para socorrer 4 militares gravemente feridos em resultado de uma flagelação no fim do dia (que também provocou mais 2 mortos militares) e que, desde então, nunca mais permiti que pusesse os pés em Gadamael.

A CCaç 2796 não foi para Bissau,  como falsamente afirma Amaral Bernardo.

Permaneceu em Gadamael até Fevereiro de 1972 (esteve pois 14 meses em Gadamael e não foi evacuada para Bissau) sob o meu comando, que assumi em imediatamente após a morte de Assunção Silva e mantive, a meu pedido, até ao fim da comissão em Outubro de 1972.

Morais da Silva (coronel, ex-capitão comandante da CCaç 2796).

P.S. É com muita dor que, após 41 anos, sou obrigado a recordar e trazer à tona do meu íntimo uma das piores noites que tive em combate. Perdi soldados, desesperei com os feridos graves e dói-me ter que voltar a recordar a cobardia do médico que não foi capaz de cumprir a sua missão onde era absolutamente necessário.

Repito o que já deixei claro. Não sei se era Amaral Bernardo o médico que estava em Cacine em 8 de Maio de 1971.

 Os meus cumprimentos

António Carlos Morais da Silva 

Amadora
www.moraissilva.com

2. Comentário de L.G.:

Devido à delicadeza do assunto, e por estar em causa a honra e o bom nome de dois camaradas nossos, pedi de imediato ao Amaral Bernardo para confirmar ou desmentir o teor da mensagem do antigo comandante da CCAÇ 2796. As alegações do médico, que trabalha no Porto,  irão ser publicadas a seguir a este poste ou ainda hoje, até ao fim do dia.  

Só agora recebi o texto definitivo do Amaral Bernardo, bem como uma série de fotos do seu tempo de Guiné,  razão por que também só hoje se divulga o desmentido do Morais  da Silva que, recorde-se, foi , no CTIG, Instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael.

Como escreveu o Morais da Silva no nosso blogue, “avancei no fim de Janeiro de 1971 para o comando da CCaç 2796,  em Gadamael,  quando da morte em combate do seu comandante, meu camarada de curso e amigo Capitão de Infantaria Assunção Silva. Fiquei, a meu pedido, no comando desta companhia até ao final da comissão em Outubro de 72”  (Poste P6690).
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7756: (Ex)citações (129): Os nossos médicos Mário Bravo e Amaral Bernardo saúdam a entrada, na Tabanca Grande, do José Figueiral (... e o regresso à família de Bedanda)

Neste poste cita-se um outro mais antigio, onde vem a afirmação Amaral Bernardo agora contestada pelo M;orais Siilva:

9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)



(...) O Mário de Oliveira que está com o Mário Bravo não tem nada a ver com o Padre Mário de Oliveira da Lixa. É o capelão da CCS do BCAÇ 2930, sediada em Catió, sede do batalhão, a que ambos pertencemos: (i) embarque no Carvalho de Araujo, que ardeu no caminho; (ii) chegada a Bissau em 4 de Dezembro de 1970; (iii) e regresso em 14 de Outubro de 1972.

O Mário de Oliveira é meu afilhado de casamento!... O Mário Bravo foi-me render a Bedanda (onde estive 13 meses com o capitão Ayala Botto, que cumprimento).

Fiz também Guileje com o famosíssimo Cap Parracho que cumprimento também, e Gadamael com o Cap Silva, das Operações Especiais, a quem tive que passar a certidão de óbito por morte em combate, e que recordo com muita saudade (Gadamael era o pior buraco do sul; a companhia que então lá estava teve que ser evacuada para Bissau por minha recomendação). Só voltei a ver o Mário Bravo há dias, aqui no hospital onde trabalho e lhe dei um abraço e o endereço do blogue. (...)

Último poste desta série >  2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6817: Os nossos médicos (20): O atentado contra o Cap Mil Med José Joaquim Magalhães de Oliveira, de que eu fui testemunha (Augusto Inácio Ferreira, 1º Cabo Op Cripto CCAV 2482, Fulacunda, 1969/70)

 Recorde-se igualmente que a CCAÇ 2796 foi mobilizada pelo RI 1, era independente, partiu para a Guiné em 31/10/1970 e regressou à Metrópole em 5/10/1972... Esteve em Bissau, Gadamael e Quinhamel. Comandantes: Cap Inf Fernando Assunção Silva (morto em combate); e Cap Art António Carlos Morais da Silva.

Guiné 63/74 - P7795: Álbum fotográfico do Arménio Estorninho (CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70): Cherno Rachide e a festa do fim do Ramadão, Bissau, 1970



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Após o final do Ramadão,  no dia seguinte,  efectuara-se um acto religioso de encerramento e o local escolhido fora o Parque Teixeira Pinto.  Dessa festa muçulmana, o Arménio Estorninho captou uma série de imagens, sob a forma de slides.... Na cerimónia estavam presentes Autoridades Religiosas e Tradicionais, bem como Militares e Civis, com destque para o  Governador General Spínola. 


Legenda da foto, acima: "A batucar para se obter silêncio e a fim de observar-se para a hora da Oração".





Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Chegada a hora da Oração do meio da tarde Salat’ul Assr e,  segundo o Profeta Muhammad,  deve-se fazer o chamamento das pessoas para o acontecimento....No ofício Islâmico feita a chamada, são todos iguais e não há lugares reservados".



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão >  "Chefes Religiosos, estando presente o Grande Marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa,  que enverga uma estola rosa. Preparam-se citando Iqámah, Cad Gámatis Salah (a Oração está pronta), posicionam-se com a mão direita sobre a esquerda wuquf, recitam o 1º Capitulo do Alcorão (Sura Al Fatiha) e seguido de outra passagem.  



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "O Chefe Religioso Cherno Rachide, está a acomodar-se para a Oração. Aquando eu clicava para os slides, duvidei do Chefe Religioso que se levantara e devido à sua atitude de altivez (tratara-se de concordância ou de discordância)".


Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão  > "Oração em Congregação Jamah, os Crentes sentados sobre as pernas Juluç, dizem Subhana Rabiyal ála (Glória a Deus Omnipotente) e repetindo três vezes. Depois reclinam-se para prostração Sujud e repetindo também estes movimentos durante a Oração Adán. No slide  vemos à direitos dois altifalantes: a amplificação do som facilitava a sincronia das orações e por conseguinte também dos gestos".



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Em Oração os Crentes citam Alláhu Akbar (Deus é Grande), com os bicos dos pés, os dois joelhos, as duas mãos, a testa e o nariz de maneira a tocarem o chão (em posição de prostração Sujud). Oração em Congregação, os Crentes em disciplina seguem os movimentos do Imã e sem anteciparem nenhum gesto dos actos".  



 Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Em Oração do meio da tarde Salat’ul Assr e no acto de posição de prostração Sujud "




Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > Espontânea colocação de um manto, sobre as cabeças de vários Imãs. Os Imãs sob um manto fazem as preces finais e segue-se Assalá Alaikum warahmatlláh a paz e a misericórdia de Deus estejam convosco. Terminado o ciclo, todos os Crentes levantam-se e dizem Alláhu Akbar (Deus é Grande)"...




Fotos (e legendas) : © Arménio Estorninho (2011). Todos os direitos reservados




1. Fotos do álbum do Arménio Estorninho, que reside actualmente em Lagoa, Algarve, e que foi  1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada (1968/70). 


O Arménio é autor da série As Minhas Memórias da Guerra, entre outras. É um bravo e leal camarada que respondeu, de imediato, ao meu pedido de envio de cópia dos seus slides do Cherno Rachide, na seu sequência do poste P7675.


Acontece que está em Lisboa o nosso querido amigo Pepito: parte 6ª para a a Guiné e leva, finalmente com ele, as tão desejadas amplicópias, em papel, do Cherno Rachide, extraídas de imagens digitalizadas disponibilizadas, em tempo recorde, tanto pelo Arménio como pelo Vasco da Gama. O Pepito irá entregar estas fotos ao filho dele, e seu amigo, o Califa Aliu Djaló.  Já o pai do Pepito, o advogado Artur Augusto Silva (1912-1983), era amigo +pessoal e admirador do Cherno Rachide, falecido em Setembro de 1973.


Recorde-se aqui o comentário deixado aqui pelo Arménio, ao citado poste P7675, com data de 27 de Janeiro último:


(...) "Dirigindo-me mais propriamente a Pepito, digo que permaneci em Aldeia Formosa (Quebo) e nos anos de 1968/69, tendo a oportunidade de conhecer o Chefe Religioso Cherno Rachide, alguns filhos e o seu local de residência.

"De bom grado estou disponível para facilitar que as minhas fotos sirvam para uso pessoal do Chefe Religioso Sekuna e seus familiares.

"Sugiro que no nosso Blogue seja visitado o Poste P6918, encerramento do Ramadão em Bissau-
1970 (Mata Teixeira Pinto) e em  fotos 4, 8, 9 e 10, estando o então Chefe Religioso Cherno Rachide (com uma estola cor de rosa), ladeado por outros Imãs e me parece também por seus filhos.

"Porque são passados 41 anos muito se perde no sotão da nossa memória, por isso caso algo esteja errado peço que me corrijas e grato ficarei. Alláhu Akbar (Deus é Grande).

"Com um abraço extensivo a Aldeia Formosa (Quebo). Arménio Estorninho. CCaç 2381 - Aldeia Formosa".



 Republicam-se algumas dessas fotos, agora em formato extra-largo, com as legendas do autor. Aproveito para publicamente, em meu nome e do nome do Pepito, agradecer a pronta colaboração do Arménio bem do Vasco da Gama. (LG)

Guiné 63/74 - P7794: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (64): Na Kontra Ka Kontra: 28.º episódio




1. Vigésimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 15 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


28º EPISÓDIO

Continuam a andar pela mata, pouco densa nessa zona, calcando o capim que já atingia quase um metro de altura. O Samba ao lado do Alferes nada dizia, continuando de olhos baixos.

- Samba, se eu me divorciasse da Asmau estavas na disposição de casar com ela?

Nesta altura, pela primeira vez, o milícia levanta a cabeça e encara o Alferes. Admite que a Asmau ainda pode ser sua.

- Mas meu “Alfero” não tenho “patacão” que chegue para dar ao pai dela.

- Já falei sobre isso com o Adramane e podes crer que de alguma forma se há-de resolver o nosso assunto. Vou pensar bem sobre isso e depois tornamos a falar.

O nosso Alferes estava decidido a resolver a situação. Chegado do patrulhamento, tomou outro banho, almoçou com os seus homens e “dormiu” o que pensava ser a última sesta com a Asmau.

À noite no “bentem” conversou com todo o pessoal mas sobretudo com o João, tendo com ele sido abordada a questão do divórcio.

Acabou por ir dormir e, como é costume dizer-se, dormir com um problema debaixo do travesseiro é meio caminho andado para o resolver.

Mais uma vez dormiu ao lado da sua mulher sem nada acontecer. Desta vez pesava o problema que de momento o afligia. Por um lado queria divorciar-se da Asmau, “passando-a” ao Samba, por outro não queria perder muito dinheiro com a “transacção”.

Deitado ia pensando no problema. Por mais que o tentasse resolver de outra maneira acabava sempre por chegar à mesma conclusão. Achando que teria que ser assim, acabou por adormecer ao lado da mulher africana mais espectacular da Guiné.

Acordou cedo, como era costume quando andava preocupado. Foi tomar o seu banho e dirigiu-se à mesa de refeições para tomar o pequeno almoço. Só estava presente o “legionário” que começava a preparar as coisas para o “café” do resto da tropa. O Alferes apenas saudou o cozinheiro com um bom dia. Não estava para grandes falas e o “legionário”, que estava mais ou menos a par da situação, respeitou o laconismo do seu chefe.

Passado pouco tempo o pessoal tinha tomado o pequeno almoço e estava reunido para se ir fazer o patrulhamento dessa manhã. Todos já sabiam quem desta vez ia. Os que iam num dia não iam no seguinte. Dos presentes fazia parte o Samba, apesar de no dia anterior ter participado. O Alferes sabia muito bem o porquê da sua presença. Quereria saber se o Alferes já tinha algo a dizer-lhe que lhe possibilitasse o juntar-se com a Asmau. Para não haver equívocos o Alferes dirige-se-lhe:

- Samba, como sabes, hoje não vais na coluna. Sobre a nossa conversa, podes ter a certeza que ainda hoje falo contigo e tudo se há-de resolver pelo melhor. Podes ir.

O nosso Alferes já sabia como ia resolver o assunto mas queria assentar bem as ideias. Além de não querer falhar em algum procedimento, não queria, acima de tudo, que algum dos intervenientes saísse “ferido”.

Foram fazer o patrulhamento. Os guerrilheiros ainda não tinham andado por aquelas bandas. O capim era agora um óptimo indicativo da presença humana. A uns três quilómetros de Madina Xaquili, ao passarem junto da picada para Padada no local onde esta cruzava uma linha de água, o alferes verifica que ali seria um óptimo local para montar uma emboscada se se viessem a notar intenções de aproximação por parte do PAIGC. Era um local em que, a partir de uma zona arborizada e protegida, se podia “varrer” uma larga área do outro lado da linha de água. Podia ter-se perfeitamente debaixo de fogo um “bigrupo” inteiro, embora se soubesse que eram mandados à frente um ou dois elementos incaracterizados com funções de reconhecimento.

Regressaram à hora de almoço sem terem, mais uma vez, detectado quaisquer vestígios. Todo o pessoal se sentia aliviado com isso. Depois de almoço o nosso Alferes não vai dormir a sesta. A Asmau já não o motivava como antes e também queria trocar algumas impressões com o Furriel. Fica pois à conversa com ele à medida que iam esgotando o resto de uma garrafa de bagaceira e fumando mais que o costume, sobretudo o Alferes.

Estavam assim os dois graduados, descontraídos, quando para os lados de Padada, onde se situavam as sentinelas metidas na mata, se ouve um tiro aparentemente de arma automática.

Conforme as instruções que havia e que envolviam toda a população da tabanca, um dos militares foi percutir uma velha jante de viatura que se tinha pendurado numa árvore. Era o sinal de alarme para todos o pessoal ir para os abrigos que lhe estavam destinados. Como já havia abrigo para a população civil, aí se reuniram todas as mulheres, crianças e os poucos homens que não pertenciam à milícia. Deve aqui referir-se que a jante, neste caso, desempenhava as funções do “Grande Tambor” existente em quase todas as tabancas ou o característico tronco oco utilizado pelos balantas, maior que os utilizados nos batuques e por isso de som cavo. Todos eles eram tocados sempre que, por motivo importante, era necessário reunir toda a população.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7787: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (63): Na Kontra Ka Kontra: 27.º episódio

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (17): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (17)

AQUELE MANHAU

Relembrar um pouco para o outro lado, como disse a cronologia das datas foi-se, mas como é fácil de perceber a nossa área territorial era muito grande e eu tentei e vou tentando falar, por sectores.

Manhau a Canjambari com passagem por Mantida, fez-nos andar muitos e muitos quilómetros, é uma zona diferente de Morés na vegetação, e como estava ocupada na altura pelo IN, muita população, mas Casa de Mato com muita força, só Uália.

Mantida > JAN1972 > Furs Mil Carlos Vinhal e Rui Sousa da CART 2732 (segundo e quarto a partir da esquerda) com camaradas da 27.ª CComandos.

Fomos muitas vezes até Gendo Canjambari, saía-se de Manhau ainda tínhamos lá o destacamento, como sempre de noite tentando evitar as zonas habitadas passando por elas no regresso. Uma noite saímos com destino a Canjambari, era muito longe, chegámos ao amanhecer e passamos lá o dia, andando à procura... à procura, era um terreno relativamente aberto, de quando em quando uns tiritos, íamos preparados para ficar lá essa noite e ficámos. Acampámos ainda de dia em circulo, cavando-se uns pequenos abrigos, comeu-se o que havia e ficámos quietinhos à espera que anoitecesse. Assim que escureceu, rapidamente e em silencio, fomos ocupar uma zona de grande arvoredo, instalámo-nos o melhor que foi possível, passados uns minutos o lugar onde tínhamos estado foi atacado com uma violência enorme, assim que se aperceberam que não tinham resposta, calaram-se e assim nós passámos mais uma noite da Guiné. No outro dia começámos a regressar e a tentar passar pelas zonas populosas, chegámos já muito tarde a Manhau, com os milícias que andavam connosco carregados de coisas que tinham encontrado, e com alguma população civil, recuperada...

Ida a Uália, cercada por uma bolanha, a qual passamos ainda de noite, entrando por um sítio que os surpreendeu, o fogo foi muito rápido, mas aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido, passado pouco tempo, estavam a bater a zona com morteiros e muito bem regulados, nós fomos para o lado deles, o silêncio impôs-se, voltamos por Gussará, onde encontrámos população civil, recuperámos mais...

Passados uns tempos, uma noite de chuva e nós a caminho de Manhau, um grupo de combate e outro dividido a meio, duas grandes secções, comandadas pelo Alferes Henriques, a quem eu daqui, com todo o respeito, envio um grande abraço e peço, apareça Henriques.

No pequeno abrigo do comando de Manhau, todos molhados, o Comandante de Companhia, o Alferes Henriques, o Alferes Carvalho dos Águias Negras, a fazer de anfitrião, os outro não me lembro, talvez o Alferes Varela, a quem eu igualmente com todo o respeito mando um grande abraço, talvez ainda o Teixeira o Fur Mil Feijão, que com fervor peço que tenha no céu uma vida melhor da que teve na terra, e eu. Vimos os últimos pormenores, o Alferes Henrique não era o nosso comandante de pelotão e como nós íamos à frente, era sempre um momento tenso, disfarçado com algumas brincadeiras. Disse para o Comandante de companhia: - Eu vou à frente mais o meu cabo às ordens, nós olhamos neles (guias) nem que seja a tiro. Diz o Feijão: - Deixa-me ir eu porque eu nunca fui, e estás a querer armar-te em comandante. Era uma companhia disciplinada, Saímos, os soldados colaram-se a nós até porque o escuro com a chuva ainda era maior e era preciso mais cuidados, os primeiros começaram a andar e lá foi o Feijão à frente. Tínhamos andado muito pouco, continuava a chover e dentro das palmeiras ainda era mais escuro se isso fosse possível, passaram para trás porque havia uma palmeira caída ao longo do trilho. Ao passarmos por trás, oiço um grito: - Arame!!! Voei e gritei para se atirarem para o chão. Deu-se uma explosão enorme, muitos gritos, gritos do fundo da alma, levantei-me, orientei-me e comecei a chamar por eles, muitos responderam:  - Estou ferido.

O Feijão gritava: - Quero um médico. - Pus a espingarda a tiracolo, peguei-lhe ao colo e comecei a andar para o lado de Manhau , deixou de gritar e senti o corpo a apagar-se. Passei-o já cadáver a outros e fui à procura de mais, havia muitos feridos e muita gente desorientada devido ao estrondo da explosão, ao escuro e à chuva que continuava. A escuridão era praticamente total. Já dentro do destacamento de Manhau o Capitão estava mais louco do que todos, queria ir só com voluntários, eram todos, Bissau não deixou, voltamos para Mansabá a pé, sempre chovendo. No outro dia veio a ordem para tirar Uália do mapa com a Artilharia.

Hoje consigo dizer que foi uma noite louca, passada muito próximo do Inferno.

Para o lado do Ussado e Cubane fizemos menos operações, mas mesmo assim fizeram-se umas quatro ou cinco, uma delas a nível de Batalhão com muita gente metida, e por uma semana bem contada, com bombardeamentos constantes pela artilharia pesada de Cutia. É impressionante o efeito que causa na floresta o rebentamento daquelas granadas, o que causaram num grupo de palhotas e nos embondeiros em que acertaram.

Resultados, penso que muito poucos, saímos de lá à noite, uma coluna maior do que o normal, porque se levava muitos carregadores, havia prisioneiros e os guias que raramente sabiam alguma coisa. Vinham atrás da minha secção, que já não era uma secção normal, porque a companhia tinha criado o grupo de comandos Os Caveiras, ficando algumas secções muito maiores. Apercebem-se que se passa algo atrás, vão para lá uns quantos, mas aquilo eram todos pesos leves, não estavam a controlar, eu como peso pesado, e com a capacidade de reagir que tinha, parti a coronha da G3, mas pus ordem na situação num instante. A uns fiz o que tinha que fazer e bem, para mim nunca lá devia ter ido, os efeitos da minha intervenção contribuíram para que fosse muito violento no IN, ou pretenso IN.

Encerro mais uma página, não tem termo de encerramento, mas tem muita dor para mim.
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7785: Memórias de Mansabá (5): Vamos todos cá ver / O quanto custa aqui viver / Nesta terra que é Mansabá... (Rogério Cardoso