quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7800: Memórias de Mansabá (19): Operação Vaca (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos mais esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (19)

OPERAÇÃO VACA

Vieram-me à memória ainda muitas coisas e há milhentos episódios em que eu não estive presente. Falei por vezes no geral, mas eu estive lá e sempre fui observador, e é com muita admiração que eu olho para a capacidade de resistência e disciplina daquela malta. Quanto à resistência havia muito poucos que chegassem aos 70Kg quando regressaram, mas ainda me falta falar de uma operação, a última que foi ir a Mantida... assaltar o curral das vacas.

E lá fomos, por acaso já com alguma euforia, era a última noite fora, caminhos e sítios conhecidos, não chovia, passámos a bolanha, a zona de floresta, o campo de mancarra, uns pela esquerda, outros pela direita, entrada na mata voltados para Morés, e logo no principio lá estavam as vacas presas com cordas. Cada um à sua e retirar o mais rápido possível.

Nem todos tinham jeito para vaqueiros, queriam que as vacas corressem, mas... mas era preciso deixar o campo de mancarra rapidamente e entrar na floresta. Houve algum engarrafamento, até que chegaram os pastores, as vacas tiveram muito medo dos tiros, mais difícil foi segurá-las, muitos deixaram-nas fugir, calámos os pastores, conseguiu-se meia bolanha onde havia uma espécie de ilha com árvores e palmeiras, onde ficámos uns quantos e as armas pesadas. Eles vieram mais fortes, mas um homem da bazuka pôs lá uma ou duas mesmo no sitio. Foi mais um regresso em calma e ainda com muitas vacas que o nosso Capitão ofereceu em grande parte à Tabanca. Tudo que sobre um ponto de vista foi inglório, tinha que acabar também sem grande glória, ou pelo menos algo inserido em toda a ilógica. Acho que naqueles dois anos fiz muito pouco pelo meu País.

Eu sei que foi uma guerra dos soldados e seus familiares, não fomos voluntários, claro que há excepções, fomos porque fomos obedientes e cumpridores, fizemos o que a pátria mandava. Volto a dizer que sou de origem muito humilde, mas tenho o orgulho e a altivez das gentes da serra, não quis, não quero nada, o país nunca aceitou que estava em guerra, também não me parece que seja hoje, que seja amanhã, que reconheça o facto nobre que um indivudúo fez, responder presente quando a pátria o chamou. Continuo a amar a minha pátria com orgulho e lealdade, mas eu sempre a tenho visto por caminhos atribulados, ou pelo menos que eu não gostei, não gosto, não espero nada dela, só gostava que ela pelo menos me deixasse quieto no meu canto, porque cada vez gosto menos das máquinas estatais e dos homens que as conduzem.

Eu gosto da verdade pela verdade, sem peias sem obrigações, que nascem e crescem, porque têm o tal coração enorme, o tal abnegação sem limites.

Sabem bem ver o senhor Luís Graça e o senhor Carlos Vinhal, totalmente independentes terem atingido os números que atingiram.

Não me venham bater por causa do senhor, porque eu bato já em mim, mas foi uma maneira que eu arranjei para dizer um muito obrigado sincero à vossa independência.

Éramos uma companhia cultural, criámos um jornal e tudo.

Ernesto Duarte

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (7): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Ernesto:

Quanto á infracção das "nossas regras" (com o tratamento de "senhor"...), estás perdoado...

Em contrapartida, adorei a referência ao vosso jornal de caserna e ao pormenor (precioso) do "Visado pela Censura", como forma (inteligente) do humor de caserna... Fico com curiosidade em conhecer o conteúdo do vosso jornal... Não queres seleccionar umas tantas páginas ? Quantos números se publicaram ?

Um Alfa Bravo. Luís