segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7779: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (62): Na Kontra Ka Kontra: 26.º episódio




1. Vigésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


26º EPISÓDIO

Antes o nosso Alferes ainda vai à mesa onde já estavam os seus homens à espera que o “legionário”, o cozinheiro, lhes servisse o almoço. O Dionildo, com um c… f… pelo meio, não deixou de lhe perguntar se tinha dormido bem. Os outros, já meios desinibidos, não deixaram também de “brincar” com o seu Alferes. Este quando já não estava a achar graça à brincadeira, pega em duas cervejas que estavam embrulhadas com um pano molhado para as arrefecer e dirige-se para o pé da sua amada.

Ambos sentados numa esteira à porta da morança iniciam a sua primeira refeição. Com a primeira colherada de arroz que o Alferes mete à boca faz uma careta, sorri para a Asmau, engole-o, levanta-se, vai ter com o “legionário” e pouco depois está novamente sentado para continuar a refeição.

O nosso Alferes tinha ido buscar um pouco de sal pois, apesar de já saber que os africanos da tabanca cozinhavam o arroz sem sal, não lhe tinha ocorrido que a Asmau o pudesse cozinhar assim. Convencer a Asmau a comer com sal seria uma violência idêntica à de ele próprio passar a comer sem o mesmo. Não foi difícil ultrapassar esta “pequena” divergência. Para todos os problemas que antevira antes do casamento tinha tentado achar a resolução. Houve, no entanto, o “tal pormenor” de que se tinha esquecido: Os hábitos alimentares que eram muito diferentes. Passar a cozinhar o arroz separado, ou um pouco de sal dissolvido em água quente para aspergir na “bianda” do Alferes resolveria o “pequeno” problema.

Era sabido que os africanos da tabanca praticamente só comiam arroz para acompanhar o que quer que fosse, que diga-se, nunca era muito. Muitas vezes o arroz era só acompanhado com um molho à base de folhas de certas plantas. Carne ou peixe era só uma vez por festa.

Nos dias seguintes o Alferes Magalhães, que tinha à sua disposição os géneros alimentares da sua tropa, consegue com algum custo e a ajuda do cozinheiro “legionário”, que a Asmau cozinhe outros pratos, sem ser arroz. Ela põe todo o seu empenho na aprendizagem, mas nem sempre as coisas saem perfeitas. A diferença de culturas vinha ao de cima. O nosso Alferes ia suportando tudo por amor à sua bela Asmau.

O retorno aos patrulhamentos alivia um pouco o Alferes da tensão ligada à confecção da comida pela Asmau. Depois de uma manhã cansativa era sempre bom tê-la à espera mesmo que a comida não estivesse uma perfeição. E com uma “boa sesta” tudo se esquecia.

Os dias vão passando. Os patrulhamentos cada vez são mais profundos na mata. Vestígios da guerrilha, nada. O nosso Alferes teria todos os motivos para se sentir feliz e satisfeito com aquela vida, mas a questão da comida feita pela Asmau agudiza-se dia a dia. Era uma sobrecarga para a Asmau e insatisfação para o Alferes.

Passam-se três semanas nesta situação e o Alferes depois de muito pensar achou que tinha encontrado a solução para o problema da comida. Depois de conversar com a sua mulher, decide que ela fará comida só para ela ou irá comer com os pais e ele passará a comer com os seus homens. De imediato parece que tudo isso resulta, mas não será bem assim.

Praticamente o Alferes e a sua mulher só se encontram na cama. Será pouco para um relacionamento saudável.

Aos poucos começa a haver desinteresse mútuo na cama. Parece repetir-se o que se tinha passando com o João Sanhá e a sua primeira mulher Kadidja, pois o João só comia a comida feita pela outra mulher, a Mariama.

Os dias vão passando e o desinteresse de um pelo outro acentua-se. Ao fim e ao cabo tudo o que aconteceu talvez não passasse de uma fantasia do Alferes Magalhães que, depois de realizada, nada mais interessava.

Passou um mês do dia do casamento. A situação estava a tornar-se insustentável e o nosso Alferes começa a pensar como há-de sair da situação em que se tinha metido. Tinha agora plena consciência dos problemas que se podem criar com a diferença de culturas. Também aprendeu que o amor não se pode reduzir à cama.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7763: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (61): Na Kontra Ka Kontra: 25.º episódio

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