1. Trigésimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 17 de Fevereiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
30º EPISÓDIO
Em determinado momento de um fim de tarde o rádio-telegrafista vem ter com o Alferes e entrega-lhe uma mensagem acabada de chegar do comando de Galomaro. Não é demais referir que com o rádio que se possuía, um AN GRC 9, só se conseguia comunicar com Galomaro de dia e só em Morse. Se por qualquer motivo, ataque, evacuação, etc. fosse necessário comunicar durante a noite com a sede da Companhia…
Depois de o Alferes ter ido buscar o livrinho de descodificação pôde ver o que a mensagem dizia: Ordem para no dia seguinte fazer uma operação de reabastecimento de munições à tabanca próxima de Cantacunda.
Recordando o que já foi dito. Na noite anterior o Alferes Magalhães, de acordo com ordens superiores, tinha combinado, com o comandante do pelotão de milícia João Sanhá, a ida neste dia a Cantacunda, tabanca em auto-defesa, em operação de reabastecimento de munições. Como sempre, essa conversa teve lugar no local habitual, ambos sentados no “bentem”, grande estrado de querintim, debaixo de um mangueiro bem no centro da tabanca. Não fossem as combinações guerreiras, o local de onde se via o relampejar ao longe e se ouviam os pios de som metálico dos morcegos frutívoros nos mangueiros, pareceria o centro do paraíso.
Neste dia, bem cedo, porque se pretendia regressar a Madina Xaquili para o almoço, segue a coluna. Os cerca de oito quilómetros até Cantacunda são percorridos sem percalços. O itinerário é considerado seguro pois os guerrilheiros do PAIGC só tinham mostrado actividade para Sul, ou seja, para os lados da tabanca abandonada de Padada, do rio Corubal e de Madina do Boé, entretanto abandonada pelas tropas portuguesas e agora “santuário” do PAIGC.
A coluna de reabastecimento à tabanca em auto defesa de Cantacunda.
Em Cantacunda entregaram-se os cunhetes de munições, tiraram-se as fotografias da praxe com o chefe da tabanca, iniciando-se de seguida o regresso a Madina Xaquili .
Na tabanca de Cantacunda a entregar os cunhetes de munições. O Alferes Magalhães sentado no “bentem” entre o Comandante da Milícia João Sanhá e o Chefe da tabanca.
Sensivelmente a meio do percurso, já com a descontracção do regresso, um forte rebentamento fez estremecer toda a picada bem como os corpos dos homens da coluna apeada, comandada pelo Alferes Miliciano Magalhães Faria. Uma nuvem em cogumelo, de fumo e pó avermelhado, eleva-se nos ares, e é vista também da tabanca de Madina Xaquili onde o Alferes Magalhães está sediado. Da mesma forma faz estremecer os corações de todos os habitantes da tabanca, em especial das mulheres dos milícias que integravam a coluna.
Visão aterradora a partir de Madina Xaquili, especialmente para as mulheres dos milícias que integravam a coluna.
Um elemento da coluna tinha accionado um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provocou ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros foi o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.
Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco pergunta ao João Sanhá:
- Quem foi atingido?
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 Guiné 63/74 - P7801: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (65): Na Kontra Ka Kontra: 29.º episódio
5 comentários:
(Resposta ao comentário deixado no episódio de ontem por Alberto Branquinho):
Caro Alberto:
“Dou o braço a torcer” e concordo contigo pois o autor devia ter feito uma alusão a uma qualquer conversa,sobre o divórcio, entre o Alferes e a sua mulher Asmau. O autor partiu do princípio que “intra muros” tudo estaria conversado e seria tão só necessário tratar do assunto “extra muros”, isto apesar de a estória se basear em casos reais e no que a esta parte diz respeito, tudo se passou só "extra muros".
Termino dizendo que folgo muito em que tu, escritor que eu muito admiro, estejas a seguir tão atentamente e com a perspicácia que te caracteriza, a minha singela estorieta.
Um grande abraço.
Fernando Gouveia
Caro Fernando Gouveia,
Apesar de não ser dado a telenovelas tenho de confessar que estou a seguir com bastante interesse esta interguinovela.
Apesar da sua publicação ser precisamente ao contrário faz-me lembrar o velhinho CAVALEIRO ANDANTE das aventuras que nós amavamos. Como só esra publicado ao sábado nos outros dia ficávamos a chuchar os dedos.
Esta "interguinovela" apesar de ser publicada todos os dias excepto ao fim de semana é tão pouquinho que sabe a pouco.
Em relação ao comentário que o camarada Branquinho fez ele fê-lo como um bom cristão, enquanto o alferes Magalhães procedeu como um bom fula ou mandinga, no fundo um bom islâmico.
Os portugueses têm muito isto e lá está o ditado "Terra aonde fores ter, faz como vires fazer".
Estou a gostar, continua que acho que está a agradar.
Um grande abraço.
Adriano Moreira
Caro Adriano:
Congratulo-me com o que dizes da minha “interguinovela”. Nunca pensei que alguém assim a designasse.
Como de início se começou a pensar que iria ser uma telenovela decidiu-se que a sua publicação seria de acordo com o habitual nas mesmas.
Confessas que não és muito adepto de telenovelas, mas assumes que estás a seguir “esta”. Muita gente se refere às telenovelas depreciativamente…mas não deixam de as ver…
Aproveito para acrescentar que nos próximos episódios vão ser relatados alguns dos tais factos rocambolescos, mas que na realidade aconteceram.
Um abraço.
Fernando Gouveia
Boa noite, Fernando Gouveia
Tudo o que estamos a escrever aqui em comentários seria melhor compreendido se ele estivessem colocados no Post anterior.
Deixando de lado os elogios exagerados que me fazes, venho dizer o seguinte:
1 - Tudo o que escrevemos podemos rever em 2ª. edição, mas, aqui em blogue, seria mais simples se tivessemos acesso a "Editar". Faziamos as nossas alterações, adendas aos textos, etc., mas como tudo isso tem que passar pelos Srs. Editores... (Talvez eles estejam na disposição de voltar lá atrás e alterar textos... para que não sejam feridas susceptibilidades femininas...)
2 - Se bem me lembro, há nos textos uma referência ao facto de o alferes ser casado (segundo as regras do Código Civil). Se é verdade, pode o alferes ficar descansado, porque ninguém foi condenado na Guiné (Portuguesa)por bigamia ou poligamia... O Código Penal (quanto a esses crimes) era irrelevante naquele território então Português...
Um abraço
Alberto Branquinho
Caro Alberto:
É muito tarde. Vou ser breve.
É realmente verdade que gostei muito dos teus contos bem como dos últimos textos no Blogue, mal compreendidos por muitos camaradas.
Quanto a haver uma alusão no texto sobre o Aferes ser casado, não é verdade. Até casar com a bajuda era solteiríssimo da costa.
Um abraço.
Fernando Gouveia
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