"Tu que conviveste com os fulas, como eu, e tens inclusive um pequeno dicionário fula-português (*), é possível que tenhas assistido a algum funeral... Lembras-te como eram celebradas as cerimónias fúnebres entre os fulas, islamizados ? Mais do que um funeral fula, deve tratar-se de um funeral muçulmano... Ou não ? Só assisti a um funeral, e foi de um soldado nosso, da CCAÇ 12... Levámo-lo à sua aldeia numa urna de madeira, e prestámos-lhe honras militares... Não me lembro de ter assistido à descida do corpo à terra... Foi no regulado do Cossé, a 8 ou 9 de setembro de 1969... Ele morreu a 7. Não sei se a urna ia chumbada".
2. Funeral fula / funeral islâmico
por Luís Borrega / Luís Encarnação
[Foto à esquerda, de Armindo Batata]
Foi-me solicitado, pelo nosso Tabanqueiro-Mor Luís Graça, informações sobre os procedimentos referentes a um Funeral Fula, em virtude de eu ter convivido bastante com esta etnia, na minha permanência no Leste da Guiné (Pitche).
Acontece que, como não tenho conhecimentos sobre a totalidade dos procedimentos de um Funeral Fula , contactei o Fur Mil.Cav MA Luís Encarnação, meu Camarada e Amigo desde os tempos da EPC (Santarém) e que me acompanhou sempre no percurso Militar, Curso de Minas e Armadilhas na EPE (Tancos), RC 3 em Estremoz para formar o BCav 2922 que foi para o CTIG.
CONCLUSÃO : Se ele não estiver morto, tem ar suficiente e pode abrir a tampa...
Espero que tenham ficado elucidados, como se fazia os Funerais Fulas/Funerais Islâmicos.
3. Comentário de L.G.
Obrigado aos dois. Djarama! Peço ao 1º Luís (Borrega) que traga o 2º (Encarnação) até à nossa Tabanca Grande. Para que ele se possa também sentar no bentém à sombra do nosso mágico, secular, grandiosos, simbólico, fraterno poilão!
__________
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...
14 e fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...
Comentário de L.G.:
(...) Obrigado, Luís Borrega, camarada e amigo! O teu esforço por tentar comprender o outro (neste caso, os fulas, que eram e são um dos principais grupos étnico-línguísticos da Guiné-Bissau) é, só por si, um gesto de grande abertura de espírito, de recusa do etnocentrismo, e sobretudo de ternura. Bem hajas!
2. Funeral fula / funeral islâmico
por Luís Borrega / Luís Encarnação
[Foto à esquerda, de Armindo Batata]
Foi-me solicitado, pelo nosso Tabanqueiro-Mor Luís Graça, informações sobre os procedimentos referentes a um Funeral Fula, em virtude de eu ter convivido bastante com esta etnia, na minha permanência no Leste da Guiné (Pitche).
Acontece que, como não tenho conhecimentos sobre a totalidade dos procedimentos de um Funeral Fula , contactei o Fur Mil.Cav MA Luís Encarnação, meu Camarada e Amigo desde os tempos da EPC (Santarém) e que me acompanhou sempre no percurso Militar, Curso de Minas e Armadilhas na EPE (Tancos), RC 3 em Estremoz para formar o BCav 2922 que foi para o CTIG.
O BCav 2922 foi colocado em Pitche, assim como a minha CCav 2749, e o Luís Encarnação foi colocado na CCav 2748 que ficou sediada em Canquelifá. Só nos víamos quando o meu Gr Comb estava a fazer a escolta às colunas para Canquelifá. Aí, ele viveu mais a vida da população na tabanca e elucidou-me sobre os funerais fulas, que mais adiante passo a narrar.
Quando estive colocado no Destacamento de Cambor, no itinerário Pitche-Canquelifá, tive um enorme contacto com a população fula da tabanca. Como estava a exercer a "vaguemestria" no Destacamento , tinha a oportunidade de fazer o que queria neste campo. A nossa Padaria (o forno era um baga baga adaptado) confeccionava um pão para cada elemento da Guarnição. Dei ordem para se cozer mais cinco ou seis pães para distribuir pelos Homens Grandes de Cambor [, a nordeste de Piche].
Todos mandavam diariamente alguém buscá-los, à excepção do Cherno Al Hadj Mamangari Djaló, que era o Chefe religioso do "Centro Fixo de Difusão" do Islamismo de Cambor, com real influência religiosa em toda a região do Gabu, mesmo além fronteiras. [O título Al Hadj é dado ao crente que já foi a Meca].
Diariamente eu tomava a missão de entregar em mão própria o pão a este Homem Grande. Ficávamos horas a fio a conversar, umas vezes sós, outras acompanhados pelos Homens Grandes, nessa altura punhamo-nos todos de cócoras em circulo debaixo do mangueiro existente à porta da "morança" do Al Hadj. Eu também tinha aulas de árabe. Ainda hoje tenho o livro de ensino da Língua Árabe (ofertado). Éramos Amigos...
Mais tarde por incompatibilidade de feitios com o Alf Mil Cav Jorge Malvar, pedi ao Capitão Cav João Luís Pissarra a minha tranferência por troca com o Fur Mil Cav Belard da Fonseca. Fui para o 3º Gr Comb /CCav 2749 comandado pelo Alf Mil Cav José Belchiorinho. Os tempos livres começaram a escassear, e portanto as idas à Tabanca foram mais espaçadas, devido à carga operacional,a que estávamos sujeitos em Pitche.
Na véspera de eu partir para Pitche, fui-me despedir do Al Hadj Mamangari Djaló. Ambos estávamos emocionados, com os olhos "embaciados ", disse para eu esperar, entrou na sua "morança " , trouxe o seu Alcorão que tinha levado na sua peregrinação a Meca e um terço árabe e deu-mos. Depois tirou o seu barretinho (sabiá) branco e ofereceu-mo também e disse:
Quando estive colocado no Destacamento de Cambor, no itinerário Pitche-Canquelifá, tive um enorme contacto com a população fula da tabanca. Como estava a exercer a "vaguemestria" no Destacamento , tinha a oportunidade de fazer o que queria neste campo. A nossa Padaria (o forno era um baga baga adaptado) confeccionava um pão para cada elemento da Guarnição. Dei ordem para se cozer mais cinco ou seis pães para distribuir pelos Homens Grandes de Cambor [, a nordeste de Piche].
Todos mandavam diariamente alguém buscá-los, à excepção do Cherno Al Hadj Mamangari Djaló, que era o Chefe religioso do "Centro Fixo de Difusão" do Islamismo de Cambor, com real influência religiosa em toda a região do Gabu, mesmo além fronteiras. [O título Al Hadj é dado ao crente que já foi a Meca].
Diariamente eu tomava a missão de entregar em mão própria o pão a este Homem Grande. Ficávamos horas a fio a conversar, umas vezes sós, outras acompanhados pelos Homens Grandes, nessa altura punhamo-nos todos de cócoras em circulo debaixo do mangueiro existente à porta da "morança" do Al Hadj. Eu também tinha aulas de árabe. Ainda hoje tenho o livro de ensino da Língua Árabe (ofertado). Éramos Amigos...
Mais tarde por incompatibilidade de feitios com o Alf Mil Cav Jorge Malvar, pedi ao Capitão Cav João Luís Pissarra a minha tranferência por troca com o Fur Mil Cav Belard da Fonseca. Fui para o 3º Gr Comb /CCav 2749 comandado pelo Alf Mil Cav José Belchiorinho. Os tempos livres começaram a escassear, e portanto as idas à Tabanca foram mais espaçadas, devido à carga operacional,a que estávamos sujeitos em Pitche.
Na véspera de eu partir para Pitche, fui-me despedir do Al Hadj Mamangari Djaló. Ambos estávamos emocionados, com os olhos "embaciados ", disse para eu esperar, entrou na sua "morança " , trouxe o seu Alcorão que tinha levado na sua peregrinação a Meca e um terço árabe e deu-mos. Depois tirou o seu barretinho (sabiá) branco e ofereceu-mo também e disse:
- Furiel Boriga , durante a tua vida ouve sempre o teu coração.
Abraçámo-nos , virei costas com as lágrimas a rolar pela cara... e ainda hoje guardo uma grata recordação deste Homem Bom. E os objectos que ele me ofertou, dão-me um enorme, mas enorme prazer possuí-los...
Quando havia funerais ( em Cambor, enquanto lá estive não houve nenhum), pelo pitoresco das cerimónias ía até à " morança "do morto(a) e assistia. O funeral propriamente dito no Cemitério, nunca vi.
Quando se dava o óbito, o viúvo(a) mandava abater vacas, ovelhas ou cabras, conforme o seu grau de riqueza, para fazer o Choro, obsequiando os Familiares e Amigos com comida, pois para eles, Islâmicos, a " verdadeira vida começava após a morte". Havia Ronco com batuque e depois havia os procedimentos abaixo indicados, conforme a informação do Luís Encarnação.
(i) Cavavam um buraco do comprimento do falecido e com a largura de +/- 60 cms;
Quando havia funerais ( em Cambor, enquanto lá estive não houve nenhum), pelo pitoresco das cerimónias ía até à " morança "do morto(a) e assistia. O funeral propriamente dito no Cemitério, nunca vi.
Quando se dava o óbito, o viúvo(a) mandava abater vacas, ovelhas ou cabras, conforme o seu grau de riqueza, para fazer o Choro, obsequiando os Familiares e Amigos com comida, pois para eles, Islâmicos, a " verdadeira vida começava após a morte". Havia Ronco com batuque e depois havia os procedimentos abaixo indicados, conforme a informação do Luís Encarnação.
(i) Cavavam um buraco do comprimento do falecido e com a largura de +/- 60 cms;
(ii) O corpo era envolvido num pano branco;
(iii) O corpo era disposto deitado no buraco ( desconhece-se a posição em que ficava);
(iv) A sepultura tem nos topos e a meio de cada lado uma espécie de degrau;
(v) Um tronco com mais ou menos 15 cms de diâmetro é colocado a meio, encaixado nas concavidades;
(vi) Uma estaca feita de um ramo de uma árvore da Mata Sagrada, é pregada no canto superior, a prender a ponta do lençol do lado da cabeça;
(vii) Em todo o comprimento da sepultura são colocados ramos (fortes), a preencher toda a largura do buraco;
(viii) (Toda a folhagem dos ramos utilizados é colocada em cima , de maneira a fazer um tapete:
(ix) Depois leva a terra em cima (tirada do buraco);
(x) Só tem este ritual , todo o Mulçumano que respeite a Religião ( não pode ter comido carne de porco (combaro) ou beber álcool).
CONCLUSÃO : Se ele não estiver morto, tem ar suficiente e pode abrir a tampa...
Espero que tenham ficado elucidados, como se fazia os Funerais Fulas/Funerais Islâmicos.
3. Comentário de L.G.
Obrigado aos dois. Djarama! Peço ao 1º Luís (Borrega) que traga o 2º (Encarnação) até à nossa Tabanca Grande. Para que ele se possa também sentar no bentém à sombra do nosso mágico, secular, grandiosos, simbólico, fraterno poilão!
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...(*) Vd. postes de:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...
14 e fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...
Comentário de L.G.:
(...) Obrigado, Luís Borrega, camarada e amigo! O teu esforço por tentar comprender o outro (neste caso, os fulas, que eram e são um dos principais grupos étnico-línguísticos da Guiné-Bissau) é, só por si, um gesto de grande abertura de espírito, de recusa do etnocentrismo, e sobretudo de ternura. Bem hajas!
Espero que a tua recolha (que não obviamente não tem a pretensão de ser um dicionário...) possa ser útil a muita gente, os nossos camaradas que voltam à Guiné em 'turismo de saudade', os nossos antigos camaradas fulas que vivem em Portugal, os seus filhos e netos, nascidos em Portugal (que estão em idade escolar, e que já não sabem ao idioma dos seus pais e avós)...
Todos os idiomas do mundo fazem parte da riquíssima diversidade cutural da humanidade, diversidade que devemos conhecer, apreciar, manter e preversar... Por que só há uma terra, só há um raça (humana) (...)
(**) Último poste da série > 19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6762: Antropologia (19): Os muçulmanos face ao poder colonial português e ao PAIGC (Eduardo Costa Dias)
(**) Último poste da série > 19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6762: Antropologia (19): Os muçulmanos face ao poder colonial português e ao PAIGC (Eduardo Costa Dias)