quinta-feira, 19 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14386: Blogpoesia (404): No dia do pai, um poema escolhido pelo camarada Armando Faria, "Ter um Pai", de Florbela Espanca (1894-1930)

1. O camarada Armando Faria (ex-fur mil inf minas e armadilhas da CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74) mandou-nos este poema de Florbela Espanca (1894-1930), para comemorar o dia do pai, uma tradição em Portugal que hoje ainda se mantém, e que está associado ao  calendário litúrgico da religião católica (dia 19 de março,  dia de São José, marido de Maria, mãe de Jesus Cristo).

Na mensagem que nos mandou traz uma dedicatória aos nossos pais (na maior dos casos, já falecidos) mas também aos pais que hoje somos (em muitos casos, duplamente pais e avós): "Com um beijo, um abraço ou uma simples oração"... 

É também, segundo o entendimento dos nossos editores,  uma homenagem a uma grande mulher portuguesa, e uma grande poetisa, nascida em Vila Viçosa, e que em  Matosinhos, aos 36 anos, pôs termo à vida... Uma morte de(a)nunciada!...E, claro, é ainda uma homenagem à nossa bela e amada língua: foi em português que aprendemos a dizer, pai e mãe...

Um pormenor histórico-biográfico siobre a grande Florbela Espanca:  foi registada, de acordo com o código civil da época, com a infamante designação de "filha ilegítima de pai incógnito"... Seu pai, João Maria Espanca só a haveria de perfilhar 18 anos depois da sua morte... Este facto pode ajudar-nos a entender melhor o poema
"Ter um Pai". [Ler aqui a sua biografia, no sítio "Vidas Lusófonas"].



Ter um Pai

Florbela Espanca (1894-1930)

Ter um Pai! É ter na vida 

Uma luz por entre escolhos; 
É ter dois olhos no mundo 
Que vêem pelos nossos olhos! 

Ter um Pai! Um coração 
Que apenas amor encerra, 
É ver Deus, no mundo vil, 
É ter os céus cá na terra! 

Ter um Pai! Nunca se perde 
Aquela santa afeição, 
Sempre a mesma, quer o filho 
Seja um santo ou um ladrão; 

Talvez maior, sendo infame 
O filho que é desprezado 
Pelo mundo; pois um Pai 
Perdoa ao mais desgraçado! 

Ter um Pai! Um santo orgulho 
Pró coração que lhe quer 
Um orgulho que não cabe 
Num coração de mulher! 

Embora ele seja imenso 
Vogando pelo ideal, 
O coração que me deste 
Ó Pai bondoso é leal! 

Ter um Pai! Doce poema 
Dum sonho bendito e santo 
Nestas letras pequeninas, 
Astros dum céu todo encanto! 

Ter um Pai! Os órfãozinhos 
Não conhecem este amor! 
Por mo fazer conhecer, 
Bendito seja o Senhor!

Florbela Espanca 

In: Obras Completas de Florbela Espanca, vol. II, Poesia (1918-1930), prefácio de José Carlos Seabra Pereira, 4.ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 1992.
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14344: Blogpoesia (403): o meu mar da Ericeira (J. L. Mendes Gomes)


quarta-feira, 18 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14385: Notas de leitura (693): "Neste mar é sempre inverno", romance de Tibério Paradela (edição de autor, 2014) (Parte II): a pesca do bacalhau e o paralelismo com a tropa e a guerra... (Luís Graça)




Elementos icónicos da primeira página, na Net, da Fundação Gil Eanes, com sede em Viana do Castelo...  (Reproduzidos com a devida vénia)...

No romance "Neste mar é sempre inverno", o navio hospital que apoiava a frota bacalhoeira chama-se "Angelisse" (pp. 155 e ss). Nome fictício, claro, para designar o Gil Eanes... (que representava para a tripulação dos navios da "frota branca", o que de certo modo representava, para nós, na Guiné, o Hospital Militar de Bissu)... 

Hoje o Gil Eanes é um navio-museu que merece a nossa visita...


[À esquerda: Imagem da capa do livro de Tibério Paradela, "Neste mar é sempre inverno" > Ficha técnica: ed. autor, agosto de 2014, Aveiro. Depósito legal: 379001/14. Tiragem: 500 ex. 262 pp. Capa de José A. Paradela. O livro pode ser pedido através do mail: paradela.tiberio@gmail.com ]


Mais algumas notas da minha leitura do livro do TibérioParadela (*):


Já desde 1927, do tempo da  Ditadura Militar, havia legislação que veio  promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornafr mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927). 

Uma dessas medidas era a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira. 

Noutros casos, os mancebos apurados para o serviço militar podiam beneficiar de adiamento até aos 26 anos. Além disso, a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados... Em suma, a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlãndia era um desígnio nacional...

Pode todavia perguntar-se se havia algum paralelismno entre a vida a bordo e a tropa (e a guerra colonial) ? Nas notas que tomei, assinalei algumas notórias semelhanças, físicas, simbólicas e culturais:

(i)  Os pescadores, em geral recrutados pelo capitão do navio (ou por recrutadores a seu cargo, e por conta do armador), eram divididos em duas categorias em função da antiguidade (que, tal como na tropa, era um "posto" ou dava "estatuto"): os maduros (com uma ou mais campanha na pesca do bacalhau, em geral de seis meses); e os verdes, diríamos nós os "periquitos"... Competia aos maduros praxar os verdes, mas ao mesmo tempo apadrinhá-los, enquadrá-los, apoiá-los...

"O primeiro bote [dóri] a ser alcançado foi o número 8, o Fangueiro. (...) Sendo a primeira vez que arriava no bote, talvez de algum medo lhe estivesse a pulsar o coração. Quando o Nova Esperança passou à sua ilharga, o verde Fangueiro parou de alar, endireitou-se e rodou, todo ele, na contemplação da sua grande casa ali que, como se o ignorasse, se afastava sorrateiramente" (p. 87).

Mas não ficavam isolados os "verdes".. Por perto havia sempre um "maduro" que enquadrava,  supervisionava e, de algum modo, protegia:

 (...) "Não muito longe dali, o ti Armando Poveiro, o seu maduro, tinha-o debaixo de olho como as feras têm as suas crias. Não só para [o] proteger,mas também para o ensinar... e incitar" (p. 87)

(ii) As alcunhas, tal como na vida militar... Todos ou quase todos têm alcunhas,  em geral ligadas à sua proveniência geográfica ou terra natal, ou a alguma particularidade biográfica;

"Cá em cima, o Nazareno, o Farol [ilhavense,] , o Mira, o Poveiro, o Penicheiro, o Esquimó e também o Francisco, aliás, o Serrano" (p. 74)...

"O Francisco já se tinha apercebido de que as alcunhas tinham uma relação directa, nuns casos, com as terras de origem, noutros com o aspecto físico. O Nazareno, o Mira, o Penicheiro, o Poveiro, o Esquimó, o Chino. Outro tomara a alcunha da mãe, era o Gila. O Francisco estava agradado com o seu crisma. Ser da serra parecia que agora lhe dava um orgulho que nunca tinha sentido por não ser motivo para isso nascer-se no meio de cabras e de cumes" (p. 53).

(iii) O navio era a "grande casa", a caserna, o quartel, onde também havia segregação socioespacial... Por exemplo, não era habitual, os oficiais (capitão e imediato) entrarem, a não ser em situações excecionais, na área reservada ao pessoal (pescadores e moços de convés)... 

No bacalhoeiro "Nova Esperança", esse espaço, de "entrada reservada", chama-se rancho (que, segundo o gossário publicado no fim do livro, é o "espaço interior debaixo do castelo da proa", integrando a cozinha, refeitório e dormitório, p. 262).

Um dia, em que os homens andavam na faina na pesca (cada um com o seu dóri, e os devidos apetrechos), o velho Imediato lembrou-se de ir cozinha e pediu ao cozinheiro um café para ser servido no rancho, que o autor descreve sugestivamente nestes termos:

"Quando entrou no rancho o velho Oficial sentiu-se envolvido por um bafo agradavelmente morno mas acre de vinho e  cachaça. Noutro espectro odoroso, o fumo do cigarro feito na hora, o chulé e os restos de hálitos  não tratados. Tudo isto flutuva no ar havia uma hora, desde que os pescadores tinham partido para a faina" (p. 70)...

E onde não faltavam os calendários eróticos, com lindas raparigas com o corpinho à vela, tal como nas nossas casernas na Guiné, calendários que no caso de um navio balançam de maneira ritmada, "numa dança lasciva, sensual, convite à volúpia estonteante,  interminável" (p. 72)...

Perante o raparo do cozinheiro ("Não sei se eles [,os pescadores,]  iam gostar"), o velho Imediato comentou:

"Eu sei que os soldados não gostam que o Oficial de Dia lhes entre na caserna. Normalmente fazem-no mira de que haja algum desalinho para depois desferirem o castigo. Eu não vim aqui para isso, cozinheiro. Vim, simplesmente para tomar um café ao pé de si. Tenho uma enorme admiração pelos pescadores, mas não tenho menos por si, cozinheiro (...) Você sabe que a comida é motivo de muitas discórdias e guerras (...) (p. 71).

(iv) O mar é o mato... E só ao fim de quarenta dias depois de partirem de Lisboa, é que os homens do "Nova Esperança" , agora a caminho da Groenlêndia, voltam a pisar terra, neste caso o mítico porto de St. John's... 

"Bastaram quatro [dias] no porto de St. John's para lhes retemperar os corpos e tonificar os espíritos, porque pisaram terra firme, encontraram amigos de outros barcos, deambularam pelas ruas da cidade, farejaram o odor dos perfumes das mulheres nas lojas e centros comerciais desafiando as suas sexualidadesd reprimidas" (p. 106)...

(v) Mas o mar (e a pesca à linha do bacalhau) também é a solidão e a violência (dos conflitos, da fúria do mar, da dureza da vida a bordo, do risco de acidente e de naufrágio)... Haveremos de falar disso noutro poste, com mais tempo e vagar...

"Um homem sozinho, assim, num bote, no meio do mar, sente a paixão da liberdade e, ao mesmo tempo, o peso do abandono. É o que eu sinto. Mas o pensamento ninguém mo tira! A minha pobre Rita!"... [Fala do Tio Quico, o mais velho, que tem um filho em França, na emigração, e outro, o mais novo, apanhado na fronteira, recambiado para a tropa e agora nas Áfricas...] (p. 42).

(vi) Refira-se também a importância do correio...

"Agora têm pela frente cinco dias sem faina de pesca [a caminho da Groenlândia]. Só navegar. (....) E nas horas de descanso, sentados nas locas ou deitados nos beliches, a relerem as cartas que tinham recebido das famílias e amigos em St. John's" (p. 106).

(Continua) (**)

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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P14384: Os nossos seres, saberes e lazeres (78): Relato de visita a Angra do Heroísmo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2015:

Queridos amigos,
Tinha saudades de Angra do Heroísmo, foram sempre estadias meteóricas, sempre um pouco da cidade, sem lhe tomar o peso, sem lhe medir esta dimensão de cidade da Renascença, de encruzilhada das Índias, ponto focal da resistência aos Filipes que, à cautela, aqui mandaram construir uma das maiores fortalezas atlânticas.
Tive sorte com o tempo, foram os dias de Março com aguaceiros espúrios e com a humidade do costume.
Um dia completamente dedicado a Angra, a seguir um passeio costeiro pela Ribeirinha, Feteira, Porto Judeu, Fonte do Bastardo até Praia da Vitória, havia que respirar aqueles ares da juventude de Vitorino Nemésio. E o mais que vos contarei, impante de alegria.

Um abraço do
Mário


A mui leal, nobre e valente Angra do Heroísmo

Beja Santos

Há bem 15 anos que não visitava este rincão que a UNESCO consagrou como património mundial da humanidade e com justeza: encruzilhada das Índias Ocidentais e Orientais que aqui faziam aguada, se abasteciam de mantimentos vários, largavam doentes, aqui morreu Paulo da Gama, no regresso da viagem de 1498, aqui se fundou a primeira cidade moderna do Atlântico, nada das ruas enviesadas dos tempos medievos, são ruas desafogadas, parecem correr em direção à angra dos galeões que traziam a prata de Potosi; aquela Angra da mocidade de Garrett, para onde confluíram os liberais; e daqui partiram para o Mindelo, mais adiante, em Praia da Vitória foi desbaratada a armada miguelista, primeiro ponto para a derrocada no absolutismo. Mas há mais, como é evidente, por exemplo o Monte Brasil, sobranceiro à cidade marcada pela Renascença.


Começo o passeio pela Sé Catedral, profundamente afetada pelo sismo de 1980, e a seguir pelo incêndio de 1983. É também conhecida por Igreja do Santíssimo Salvador da Sé. É de grande imponência, mantém o seu estilo renascentista e vestígios do que escapou ao incêndio. Vale a pena ver a estante de leitura em estilo indo-português, em jacarandá do Brasil com marfim de baleia.


O fotógrafo é amador e canhestro, regula as entradas de luz por puro instinto, e por isso esbanja oportunidades na captação de imagens que contribuiriam para ver a riqueza deste tempo. Fica um detalhe, dá para perceber o tempo antigo e os fulgores de uma riqueza que já houve.


Este Santo António escapou ao incêndio, depois de algumas visitas a igrejas deu para perceber que os terceirenses têm por ele uma indesmentível devoção. Pena é a falta de nitidez da imagem, mas o fotógrafo amador comprazeu-se como o antigo sobressai das paredes restauradas, de uma alvura impressionante.


Do adro da Sé contempla-se esta fachada da Confederação Operária Terceirense, ali se inscreveu: Operários uni-vos! O socialista Antero de Quental, que se correspondeu com Marx, micaelense, seguramente se regozijaria.


Dá gosto ver o aprumo destas fachadas, as suas varandas em ferro, as cores garridas, o desvelo da manutenção, as bonitas calçadas. O visitante tem um prospeto na mão onde lê, a propósito do que tem em frente: “As primeiras casas surgiram nas colinas, em ruas íngremes e tortuosas, tendo no topo do Outeiro longe do mar, um castelo de defesa. Era a forma medieval de viver. Álvaro Martins Homem manda, em 1474, desviar e canalizar a ribeira que corria para a angra. Criada, assim, o indispensável sistema industrial da futura cidade, baseado na força hidráulica. Libertava o vale espaçoso para, de acordo com as normas do urbanismo do renascimento, os arruamentos obedecerem a uma malha reticulada e se organizarem por funções, de acordo com as necessidades do porto, cada vez mais frequentado por navios vindos dos quatro pontos cardeais”. Foi assim a fundação desta Angra, que uma Rainha apôs Heroísmo, em lembrança da muita lealdade às causas pátrias, Angra foi capital de D. António Prior do Crato e alavanca do liberalismo.


A fachada da Igreja da Misericórdia, debruçada sobre Angra, saiu tortinha mas dá para ver duas coisas: a belíssima calçada e o templo do século XVIII, neste local houve o primeiro hospital dos Açores, obra da Confraria do Espírito Santo e um dos seus fundadores chamou-se João Vaz Corte-Real, descobridor da Terra Nova.


Esta imagem é para puro desfrute dos sportinguistas, aqui têm a delegação fraterna. Umas ruas abaixo este fotógrafo apanhou a delegação do Benfica, não menos graciosa. Mas que não se tome esta estampa como um convite a rivalidades clubistas. O que se lê naquela lápide ao nível do primeiro andar é que ali viveu D. Violante do Canto, acérrima defensora da causa de D. António Prior do Crato, chegaram os espanhóis e a senhora não cedeu, e foi então obrigada a ir para Espanha. Que dos bons portugueses reze o nome.


Houve primeira visita ao Palácio dos Capitães Generais, primeiro foi colégio de Jesuítas, desde 1595, sabe-se como foram detestados pelo Marquês de Pombal que aproveitou a reforma dos capitães donatários e criou a titularidade de capitães generais, o primeiro foi D. Antão de Almada, que tem direito a retrato a óleo. Diga-se de passagem que foi uma visita ímpar conduzida por uma jovem cuidadosíssima, finda a visita conduziu-nos à Igreja do Colégio, também muito bela, mas foi num canto da sacristia que se encontrou esta preciosidade, minhas senhoras e meus senhores é tudo azulejaria de Delft, vale a pena descer ao pormenor.


Pede-se desculpa por algum sombreado, se é verdade que somos a potência mundial em azulejaria não se pode desmerecer da genialidade alheia, e aqui dá para perceber que os azulejos de Delft marcaram a história das artes decorativas, pela sua originalidade e cromatismos.


No jardim da cidade há esta memória de Garrett, ele aqui estudou na sua juventude e Angra não o esqueceu. O visitante fez uma pausa, é quase um septuagenário, já deambulou pela Praça Velha, olhou cá debaixo o Outeiro da Memória, calcorreou por estas ruas assombrosas, com nomes como Pisão, Garoupinha e Santo Espírito, falta-lhe energia para ir ao Convento de S. Gonçalo, um dos maiores dos Açores com rico revestimento em talha e tetos pintados, já se degustou no Palácio dos Capitães Generais, amanhã está previsto um passeio por metade da ilha, haverá tempo para pôr os pés no Monte Brasil e ver Angra do cimo, espraiando-se até S. Mateus e o seu belo porto. São mais dois pormenores de flores e plantas.


Sempre ouvi dizer que todas as árvores se dão bem nos Açores, basta recordar o delírio floral criado por José do Canto tanto no Parque Terra Nostra, junto às Furnas, em S. Miguel, como o jardim que tem o seu nome, em Ponta Delgada. A investigadora Filomena Mónica dedicou-lhe um livro espirituoso, foi um contemporâneo à frente do seu tempo. Mas este jardim tem aquelas pequenas jóias com que a natureza nos brindou. Estamos em Março e parece que a Primavera vai despontar, até os catos florescem, parece um cacho luxuriante, um quase centro de mesa, apoteótico.


E esta palmeira chinesa, não é uma delicadeza para os olhos, parece uma palmeira anã, de palmas irradiantes e um deslumbrante centro de mesa, também. A visita está feita, já se ganhou energia para o resto da deambulação, o tempo é açoriano, há assim umas abertas para o sol, abertas fugazes, a cobertura de chumbo é maioritária. Vamos praticar o pluralismo, mostrar o Benfica em construção angrense típica, em espaço da UNESCO, pois claro.


Só mais tarde, no enfiamento das fotos, é que se descobre, e com que pesar, que aquelas imagens do Teatro Angrense foram parar ao éter. E com que satisfação se procurou captá-las, andou-se lá dentro sempre a pensar naqueles teatros italianos de província, de uma riqueza contida, interiores bem decorados e com excelente acústica. Paciência, fica aqui o Benfica, em toda a sua vibração, em tons de rosa velho, há que pensar na maresia forte e constante que enferruja, dessora, calcina, enche de verdete e ferrugem. O Eusébio estaria aqui a meu lado feliz da vida, não tenho dúvidas. Amanhã há mais para ver e contar, ficam aqui pálidas referências à mais linda cidade dos Açores. Entrou-se no lusco-fusco, vejo nuns televisores imagens grotescas de mirones bem marrados nas touradas à corda, ando com os olhos no chão, há sempre novidades nesta calçada portuguesa, e enfio para o porto dos pescadores, para saborear os ruídos oceânicos, dei contas à vida, conheci esta cidade antes do sismo, é sumamente bom ver as diferenças para melhor, este património tão cuidado onde estão esmaltadas algumas das mais poderosas histórias da História de Portugal. Viva Angra e o seu heroísmo!
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14319: Os nossos seres, saberes e lazeres (77): A arquitetura de Haia em visita de médico (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14383: (Ex)citações (267): Será que nós estamos escrevendo milhares de postes à procura da juventudo "perdida" na guerra? (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) com data de 12 de Março de 2015:

Olá Carlos,
Peço-te que coloques esta minha interpretação sobre a questão proveniente do outro lado do Atlântico.
O Vasco(*) é muito pertinente na abordagem do tema e, seguramente, valerá a pena conhecer as opiniões dos camaradas.
Também tenho costela de bairradino, pelo lado paterno, por isso evito falar de caçoilas, mas desejo-lhe muitas alegrias.

Com um abraço
JD

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O Vasco lança o repto para respondermos aqui no Blogue, se andamos à procura da juventude "perdida" durante a guerra, e eleva o nível da introspecção pelo cotejo da procura do tempo perdido, de Proust. Também dá tópicos para reflexão, como termos nascido numa "ilha", considerando a localização (influência mediterrânica), e o tempo do pós-guerra, de que o nosso "jardim" ficou imune às devastações ocorridas no resto da Europa.

A propósito da guerra-fria recorda uma linha de orientação adoptada por Salazar, que lançou a ideia neutral do Minho a Timor. Foi uma espécie de realidade da época, pois a neutralidade revelou-se comprometida com os dois lados da contenda, o que ia custando a invasão dos Açores. Também poucos saberão, que depois do 25 de Abril os timorenses, que viviam pacificamente sob a bandeira das quinas, quiseram continuar portugueses, e só uma campanha de dinamização entusiástica os levou à guerra forçada, para escolha do modelo político que a independência exigia.

Sobre a máquina de propaganda de Salazar, provavelmente, não foi tão eficiente para a juventude mais esclarecida que frequentava os meios académicos, quanto tem sido as lavagens aos cérebros desde a revolução, assente nos pressupostos dos 3 dês - descolonização, democratização e desenvolvimento. O primeiro pressuposto foi rápida e miseravelmente realizado, recheado de traições, crimes, e outras ignomínias; o segundo, corresponde a uma quimera, um mito bestial, e a população, nem de perto nem de longe, aceita a acusação de ter vivido acima das possibilidades, nem tem responsabilidades sobre a situação económico-financeira, nem foi consultada e confrontada com a adesão à CE (ex-CEE), nem passou mandatos para a venda de infra-estruturas públicas e estratégicas, pelo que as coisas têm acontecido marginais à democracia, mas em obediência a uma descontrolada "democracia-representativa" que aproveita a espertalhões; e sobre o terceiro pressuposto, como decorre do anterior, tudo tem acontecido sem rei nem ropue, à mercê do investimento estrangeiro (agora a China é que está a dar), ou do crédito internacional, que os sucessivos governos têm desbaratado com vaidade e seleccionada galhardia.

Ah! A nossa juventude?

Durante os 3 anos de tropa que nos eram impostos, dávamos largas à nossa alegria e energia, sempre que as oportunidades o permitiam. Construímos novas amizades e praticamos a solidariedade, de que os encontros de confraternização são bons exemplos, e acabado o serviço militar, entrámos no mercado de trabalho conforme competências, apetências e oportunidades de cada um, e constituímos famílias. Não me refiro aqui aos que tiveram a infelicidade de transportarem sequelas da guerra, que são casos muito especiais que a sociedade, ignorando a solidariedade democrática, parece ignorar.

A guerra parecia perdida "ab initio", mas a generosidade dos jovens portugueses veio a impor-se à admiração do mundo (mau grado algumas artimanhas que contrariaram a dignidade da condição militar pelo aproveitamento pessoal de oportunidades ilegítimas e ilegais. Não se queria saber, ao mesmo tempo, que as maiores colónias mostravam um processo de desenvolvimento económico-social com taxas de crescimento entre os 6 e os 15%, enquanto a metrópole registava médias de 3 a 4%. Outro factor a considerar, é que aquelas colónias registaram o crescimento da população branca para o dobro, pois passaram a catalizar o interesse de uma parte dos ex-combatentes, que ali procuraram futuro, e não usavam chicote, G-3, ou Bazuka. O ambiente era pluri-racial e cada vez mais havia nativos a ombrear com metropolitanos nas diferentes actividades laborais e culturais - mas neste âmbito que consideramos, as coisas não acontecem com a facilidade e velocidade do interruptor.

Meu caro Vasco, as minhas memórias (depois da Guiné fui trabalhar em Angola) incidem na experiência pessoal, na alegria e na realização no trabalho, na segurança e harmonia familiar, mas também na observação atenta (li vários relatórios do Banco de Angola), enquanto cotejava com a propaganda local, nacional, e nacionalista (lia o Comércio do Funchal, esquerdista, e o Expresso desde o n.º 1, para além de alguns ensaios escritos que encontrava), as primeiras eram dinâmicas, a última era muito pobre de ideias e soluções dogmáticas. Também integrei uma reduzida mas interessante tertúlia com interesses no bem comum. E sonhávamos. Deve haver, porém, gente com opinião diferente, sobretudo se vinculada a dogmas ideológicos.

Finalmente, é minha convicção, que aquelas sociedades pujantes caminhavam inexoravelmente para a auto-determinação, talvez com independência soberana.

Abraços fraternos
JD
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14351: Blogoterapia (266): O Senhor M. Proust escreveu milhares de páginas "À la recherche du temps perdu"... Será que nós estamos escrevendo milhares de postes, à procura da juventude "perdida" na guerra? (Vasco Pires, ex-alf mil art. cmdt do 23º Pel Art. Gadamael, 1970/72)

Último poste da série de 17 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14379: (Ex)citações (266): Considero, e para ser objectivo, que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 63/74 - P14382: Convívios (658): Almoço do pessoal da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, dia 18 de Abril de 2015 em Vila Real (António Nobre)

1. Mensagem do nosso camarada António Nobre (ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Buba, Nhala e Binar, 1969/70), com data de 14 de Março de 201e:

Olá Carlos
Junto envio anuncio da realização de mais um encontro/convivio da rapaziada da CCaç 2464 que no periodo de Fevereiro de 69 a Dezembro de 1970 cumpriu serviço militar obrigatorio da Ex-Guiné Portiguesa.
Solicito pois faças a sua inserção no nosso Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
 Um abraço
Antonio Nobre



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14363: Convívios (657): XXXII Encontro do pessoal da CCAÇ 2317, dia 30 de Maio de 2015, no Restaurante Choupal dos Melros - Quinta dos Choupos - Fânzeres - Gondomar (Joaquim Gomes Soares)

Guiné 63/74 - P14381: Brunhoso há 50 anos (2): As Autoridades - Continuação (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 10 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), mandou-nos o segundo episódio de Brunhoso há 50 anos:


Brunhoso há 50 anos

 2 - As Autoridades (Continuação)

Tanto o padre como a professora, não sendo autoridades civis, tinham um poder inegável sobre a formação e o comportamento espiritual e cívico da população. Por esses motivos eram muito respeitados e temidos pela população.

A professora, natural da aldeia, pertencia a uma das famílias mais ricas da terra. Família muito religiosa que ajudava muito o padre, de quem até me parece que seriam parentes, no arranjo da igreja e nas cerimonias religiosas. Cultivavam um distanciamento conveniente e higiénico com a generalidade da população, sobretudo com os mais humildes.

Por caridade cristã, penso eu, davam algumas esmolas aos mais pobres e também reprimendas à mistura. Eram honestos e rigorosos no cumprimento das suas obrigações para com os outros, mesmo quando mais tarde, com a crise provocada pela emigração dos anos sessenta, alguns foram forçados a vender muitos bens.

Com a educação familiar que recebeu e com a formação que lhe deu o antigo regime, a professora tinha que ser autoritária, até um pouco despótica. Era boa professora no sentido do esforço e do trabalho a que não se poupava mas usava todos os meios de coação física, desde palmatoadas, bofetadas, puxões de orelhas e vara.

Os antigos alunos dela, da minha idade, mais velhos e outros mais novos, depois de tantos anos passados, dividem-se no seu julgamento, alguns ainda não esqueceram os maus tratos excessivos e o orgulho pelo cargo que desempenhava e pela família donde provinha, outros agradecem-lhe o esforço feito, apesar dos castigos severos.

O padre Zé merece um tratamento com nome, pois a sua fama perdurará mais do que a dos outros, pela sua bondade, pelo trato cordial que tinha com todos, pelas dádivas desinteressadas que diariamente fazia, pelas famosas zangas que tinha por vezes com o seu rebanho que se queria desviar dos caminhos de Deus.
Sendo filho de famílias ricas de uma aldeia próxima, com bastantes bens também em Brunhoso, manteve o pagamento da côngrua, segundo afirmava, apenas para que o povo não perdesse esse hábito, quando ele fosse substituído por morte ou outro motivo. Todos os ofícios religiosos, batizados, casamentos, funerais etc. eram grátis. Os mais desfavorecidos não pagavam a côngrua indo para ele um ou dos dias à apanha da amêndoa ou da azeitona para a terra dele, que distaria da nossa aldeia cerca de oito quilómetros.

Todos os anos iam também os lavradores com carros de vacas e outros trabalhadores, buscar lenha a essa aldeia para o seu aquecimento e da casa durante o ano. Recordo-me que estas tarefas entusiasmavam muito os meus conterrâneos porque o padre Zé, além de ser muito jovial, também os tratava bem, com vinho à farta, presunto, queijo e outros petiscos. Fumava muito e tinha o hábito de oferecer cigarros a uns e a outros, fumadores ou não fumadores. Os responsos que recebia nas missas por alma dos mortos distribuía-os pelos rapazes que o fossem a ajudar na celebração. Eu fui muitas vezes na esperança, nunca defraudada, de receber um escudo ou dois. Tínhamos que aprender todo aquele latinório e ajudá-lo com as galhetas e a campainha.

Não havia escola para isso, íamos aprendendo com a prática, por vezes era uma confusão terrível mas o padre, com a paciência dele, lá nos ia ensinando. Do latim que lhe ouvíamos e do que lhe tínhamos de lhe responder nada compreendíamos mas o importante era chegar ao fim da missa e que houvesse muitos responsos.

Vivia numa casa grande que à escala da dimensão da freguesia e descontando exageros de vária ordem, eu comparo com o Vaticano. Quando passava à porta da casa, parecia-me que havia sempre gente perto, gente a entrar e a sair, principalmente mulheres. Tinha uma governanta e uma criada efectivas, duas ou três vizinhas e uma sobrinha da governanta que muitas vezes iam lá a ajudar. Calculo o amor e desvelo dessas senhoras, tanto a lavar como a engomar os fatos do padre Zé, as calças, o casaco, a camisa, a roupa interior, mas sobretudo a cuidar-lhe dos paramentos, numa atitude quase devota, a casula, a túnica, a estola, a dalmática, a mitra, a batina, a alva.

Durante alguns anos viveu lá também um rapaz, filho duma mulher muito pobre, que ele recolheu, ainda muito novo que tinha hábitos de muita liberdade e alguma vadiagem. Não se entendiam mal, viveu lá até à idade adulta, com todo o conforto em alojamento e alimentação, a ouvir os bons conselhos do padre Zé, que nunca conseguiu alterar-lhe o gosto pela liberdade. Não sei se era por viver junto do padre mas lembro-me que lhe deram a alcunha de "Vigário". Em adulto, saiu da aldeia para outra terra do distrito e tornou-se um homem responsável e mais calmo.

Brunhoso tinha dois oragos, S. Leão e S. Lourenço, nesse tempo a aldeia guardava feriados nos seus dias, o padre dizia a missa e não havia outras cerimonias ou festividades. O grande dia da festa anual era dedicado a Santa Bárbara, que não era padroeira nem tinha direito a dia de feriado. Santa padroeira dos artilheiros e mineiros, os lavradores procuravam também junto dela defender-se das desgraças provocadas pelas tempestades, raios e trovões.

 Brunhoso - S. Lourenço

Brunhoso - Festa a Santa Bárbara 2007

Fotos: Com a devida vénia a Brunhoso - Mogadouro

De uns anos para os outros eram nomeados os mordomos que se iriam encarregar da organização das festividades. Todos os anos havia grandes zangas entre os mordomos e o padre Zé pois ele nunca queria admitir que houvesse arraial. Bem, ele arraial só com música até podia tolerar, não admitia é que ao som da música andassem rapazes e raparigas, homens e mulheres agarrados a dançar. Houve sempre este braço de ferro entre o padre e mordomos, mas embora todos lhe tivessem muito respeito e amizade, o povo, em tempos de tantas proibições, nunca quis privar os rapazes e raparigas de poderem expressar algum afecto e calor naquele abraço bailado ao som da música, que era a maior proximidade consentida entre solteiros.

Entre a sabedoria antiga das mulheres e dos homens e o puritanismo da Igreja, o Povo de Brunhoso impunha a sua vontade. O padre Zé perdia esse braço de ferro mas no ano seguinte ia tentar novamente impor a lei da Igreja, pois ele era casmurro. Voltava a perder, não se consegue impedir a corrente do rio, não se podem conter as forças da natureza.

Havia outra grande festa sobre a qual não se pronunciava, era o Entrudo, essa festa pagã tão antiga, que os homens do seu rebanho pareciam afastar-se, para passar a adorar outros deuses antigos e pagãos, mais permissivos como Dionísio e Baco, deuses loucos que não tinham as boas maneiras, nem a justiça severa, nem a promessa de salvação do Deus que ele sempre lhes procurava revelar.

Era um dia em que o padre Zé rezava para que eles voltassem de almas manchadas, mas dispostas ao arrependimento e a lavar-se no perdão que a Santa Madre Igreja garantia aos pecadores.

Nas mulheres ele confiava, como na sua mãe, que ficara tão contente quando ele foi padre, o sentimento das suas paroquianas era o mesmo da sua amada mãe, como não amar mais um homem que está tão próximo de Deus, que até pode falar com Ele. Elas não duvidavam dele, elas não queriam os deuses antigos, loucos, devassos, com todos os defeitos dos seus homens, que não lhes garantiam uma vida melhor no fim das suas vidas. O seu Deus tinha que ser o mesmo do padre Zé, o filho duma mulher, Maria, que ela criou com amor, como elas criaram os seus. As mulheres gostam de um Deus Filho, pois os filhos delas são todos deuses que elas adoram.

Já os homens, nesse tempo, não mostravam ter muita fé. Cumpriam os rituais mínimos por tradição, para não desagradar à comunidade e a um Deus desconhecido, porque não sabiam o que havia para além da morte e não lhes agradava que houvesse o silêncio e o nada. Havia ainda outra razão de carácter politico e social que os obrigava a ter alguma pratica religiosa, pelo menos ir à missa ao domingo. É que nesse tempo, todo o que fugia dessa pratica era considerado comunista, e isso era pior do que ser apelidado de ladrão ou desordeiro.

A propaganda anticomunista mais acérrima foi feita pela Igreja no tempo das cruzadas de Fátima como reação às barbaridades que os comunistas cometeram contra a Igreja quando tomaram o poder na Rússia. O antigo regime serviu-se dela para meter todos os opositores no mesmo saco e apelidá-los de comunistas pois a história dos males que tinham causado à Igreja ainda era recente. Era eu ainda menino e crente, por obediência familiar e escolar, recordo-me das novenas de Maio, à Nossa Senhora de Fátima, em que todos rezávamos pela conversão da Rússia. Quem conduzia estas cruzadas apostólicas era a professora primária, mais atenta, sensível e sintonizada com o regime e com o sofrimento da "Igreja do Silêncio", para lá das "cortinas de ferro".

Portugal, um pais tão religioso e católico, que alguns Papas proclamaram de Nação Fidelíssima, com tantas devotas e santas mulheres, somente tem uma santa, nascida e criada no país que se chama Beatriz da Silva.
Homens haverá meia dúzia ou pouco mais. Ou é Deus que não é justo ou os seus representantes no Vaticano. O padre Zé não foi um deus, foi um santo, podia ser canonizado se Portugal fosse um país mais rico e próximo do Vaticano.

Mas meus amigos e camaradas. para tudo são precisas ajudas dos vários poderes, mesmo para ser santo!
Um abraço todos!
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 Nota do editor

Último poste da série de 10 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14342: Brunhoso há 50 anos (1): As Autoridades (Francisco Baptista)

terça-feira, 17 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14380: Meu pai, meu velho, meu camarada (44): Meu Velho, meu Amigo e meu Camarada (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua magnífica série.

Meu Velho, meu Amigo e meu Camarada.
Pai, honrarei sempre os teus princípios militares e civis.

Francisco Saúde, o meu saudoso pai, nasceu no dia 5 de janeiro de 1914 e faleceu no dia 19 de setembro de 1983. Aldeia Nova de São Bento, em pleno Baixo Alentejo, foi a urbe que o viu nascer e morrer. Faleceu a desfazer a barba e numa manhã quente de verão quando o sol já brilhava com intensidade.

A sua morte deixou a família atónica. Um enfarte agudo no miocárdio foi o seu drástico fim. Tinha eu, na altura, 33 anos e o meu pai 69. Porém, jamais dei conta de um pequeno problema de saúde que tivesse fustigado a vida do meu Velho, meu Amigo e meu Camarada.

Olho, atentamente, a sua Caderna Militar, uma relíquia que guardo religiosamente no meu baú das recordações, e leio o documento já amarelado que diz, em síntese, que Francisco Saúde foi incorporado no dia 8 de Abril de 1935 no Regimento de Infantaria nº 17, em Beja, sendo a sua especialidade atirador.

Numa folha adiante, uma outra nota que refere: “Tirou no sorteio o número duzentos e cinquenta e oito”. “Passou à disponibilidade em 1 de Setembro. Presente para instrução complementar em 2 de Outubro de 1939. Voltou à situação de disponibilidade em 15”.

Acontece, que em termos de ocorrências extraordinárias, existe uma outra nota: “Notado como refractário nos termos do nº1 do artigo 189 do R.S.R. Licenciado nos termos do artº 155 do R.S.R. de 1911, desde 8 de Abril de 1935”.

Refractário! Porquê? O meu Velho, meu Amigo e meu Camarada sempre me disse que a questão militar a que foi submetido prendeu-se “como uma doença a que fora submetido aquando da sua apresentação no Regimento de Infantaria nº17 no dia indicado, sendo que a sua ausência militar foi considerada faltosa”.

Assim sendo, está explicada a razão pela qual o exército lhe aplicou tamanha “coima”. O meu pai contava que esta infração não lhe retirou mérito, pois acabou por ser “impedido” de um capitão que lhe cedeu as suas honras.

O tempo era de Guerra Civil na vizinha Espanha. Estava-se no segundo período da década de 1930. As nossas fronteiras, segundo o meu pai comentava, eram patrulhadas a pente fino pela tropa portuguesa.

E foi justamente nesta fase em que prestou serviço militar que integrou um grupo de jovens soldados do RI 17, Beja, que permaneceu no terreno durante algum tempo. A sua missão, segundo dizia o meu Velho, era impedir as avalanches de gentes que fugiam ao terror da guerra civil de Espanha e se passassem para o outro lado da fronteira. Uma história verídica que o meu Camarada contava com mágoa. Dizia-me, em surdina, que foram muitos aqueles que se fizeram à terra lusa enquanto o sentinela de serviço fingia dormir, ficando a estrada em aberto a caminho de um novo rumo. 

Visível era a premente ansiedade da população a contas com uma famigerada e desumana “guerra às bruxas”. Os franquistas não davam pausas. Resumidamente o conflito deflagrou após um fracassado golpe de estado de um sector do exército contra o governo democrático que havia sido conquistado.

Entretanto, o general Francisco Franco, cabecilha do golpe, reorganizou os militares rebeldes o que levou à instauração de um regime fascista em Espanha. O dia 1 de outubro de 1936 foi o início de uma ditadura que se prolongou até 20 de novembro de 1975, data da sua morte, com 82 anos.

Regista-se que o meu Velho, meu Amigo e meu Camarada teve a oportunidade em assistir a uma franja de uma guerra civil com contornos maquiavélicos, e onde o evidente desespero de pessoas que procuravam a paz e o sossego, entrementes sonegados, eram devolvidas a um conflito interno que teimava em não dar tréguas.

Esta prosa possui o condão, julgo, em conjugar efeitos de duas guerras diametralmente desiguais. Isto é, a nossa guerra na Guiné entre 1963 a 1974, e uma outra civil, Espanha, que o meu pai conheceu nos anos 30.

Fica, para mim, a certeza: Pai, honrarei sempre os teus princípios militares e civis porque fomos, afinal, homens que vivendo em épocas diferentes, fizemos parte de contingentes que conheceram os horríveis conteúdos que a guerra, não obstante a dimensão dos flagelos onde estivemos inseridos, nos impôs.



Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P14379: (Ex)citações (266): Considero, e para ser objectivo, que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 9 de Março de 2015:

Camaradas e Amigos
Como tenho estado doente, e infelizmente continuo, e os prognósticos não são animadores, só agora li o apelo à participação na primeira "sondagem" do ano… do Blogue.
A questão é um pouco complicada: “Os afectos, e se em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial".
Vantagens? Tinha! Afectos? Sim! Namorava uma sueca loira de olhos azuis desde os 13 anos, não esqueço o nome, recordo mesmo a morada. Ingrid Margaretha Gustavsson. Amava-a e outras também, uma brasileira (Telma Valério) e outras conhecidas na nossa praça.
Pela G3, uma adoração muito quente, aliviava-se sempre de munições, fazia-lhe festas, dormia comigo e andava sempre untada; e os pedaços de capim; clips.

Considero, e para ser objectivo que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau, e teria sido bom que não tivessem metido o “bico” como fizeram. Levantei minas soviéticas; namorei uma sueca com quem estive para me casar; os chineses sempre estiveram presentes nas Histórias de todos os países, devo ter fotos dos meus tios na América na construção dos caminhos-de-ferro, surgirem em todas as partes; os cubanos andaram por Gadamael Porto, e causaram pânico.

Tudo de bom para os camaradas de Gandembel, que tanto sofreram, considero que deveriam aparecer mais no Blogue. Recordo que Gandembel; Gadamael; Ganturé; Guileje; Guidage e outros possuíam o “G” de guerra; os americanos se tiveram conhecimento do resultado de uma pesquisa que uma empresa portuguesa fez aos solos de Gadamael, julgo que em 1967, estava lá e comiam na Messe de Sargentos. Se a De Beers descobrir que existem diamantes na Guiné, é bem provável que apoie Guiné-Bissau. A De Beers, até possui o lema “Um diamante é para sempre”. Não vejo ninguém a interessar-se pela Guiné.

E Portugal penso que só se preocupa com os euros que “dá”, talvez também na defesa dos portugueses que têm lá o ganha-pão. Sinto tristeza em verificar nas reportagens, que nada é recuperado do nosso “império”. Em Gadamael o cais abandonado e os dois edifícios dos colonos destruídos, não recuperados. Viaturas das NT destruídas são as suas estátuas. O Homem Grande dorme e dorme e a mulher “pequena” trabalha como escrava, sempre a pilar.

Portugal não leva vantagens porque somos uma cambada de tesos, e os outros estiveram lá para nos tirarem os miolos. Os recados que nos davam: minas e até fictícios avisos escrevinhados: “Emboscada a 200 metros!

E já que falamos, por que não contar esta.
Um ou dois dias após rebentamento de uma mina no itinerário Cruzamento de Gadamael/Ganture e no troço para Sangonhá, fui informado que tenho de armadilhar uma determinada zona. Estávamos a chegar ao local, vinha na frente a picar, vimos algo de estranho no solo. Alguma da rapaziada pretendia avançar, disse que não, picámos até ao local. O que se encontrava à nossa frente? Seis a sete maços de tabaco cubano. Disse para montarem segurança, e manterem distância de mim. Não me pus a levantar os maços de tabaco cubano, piquei sempre e um por um todos tiveram o mesmo tratamento. Depois de bem picado, baixei-me e passei uma palha de capim por debaixo do primeiro maço para verificar se estava armadilhado. Levantei o maço, tinha uns cigarros. Tratei de todos de igual modo.
O que pretendia o PAIGC unicamente era dizer que tinha feito “ronco” e tínhamos caído numa mina. Os maços ao abandono só pretendiam dar esta informação. Já tinha visto que à frente esta um papel no solo. Depois de levantar um a um os maços e de os colocar no bolso (existia uma com 7 cigarros, os outros tinham 2/3/4 cigarros). A segurança estava a distância de não ser atingida caso algum engenho explosivo rebentasse. O papel tinha mais ou menos escrita a seguinte mensagem: “Furriel Mário Gaspar, estamos à tua espera na fronteira e entrega-te, nada te faremos”. Tudo com péssimo português. Guardei e cheguei a trazê-lo para casa, mas nunca mais o vi.

Quer dizer que estavam bem informados de todos os nossos passos, nunca entendi muito bem a razão de estar lá o meu nome, mas talvez o perceba, ou por outra, percebo. Nunca contei esta a ninguém… Acredito que nada me faziam e que me obrigavam a ir à rádio denunciar a minha entrega, mas caso quisesse me colocariam nos braços da minha linda sueca.

Em suma, ninguém está interessado… Afectos? E Portugal é mais por Portugal se sentir obrigado. Talvez um dia surja a América. Se pretendem minério de ferro, a olho vivo, quando estudava penso que se falava em petróleo.

Um abraço à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14335: (Ex)citações (265): Sondagem: Mudei muito. Quem é que não mudou? (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P14378: X Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 18 de Abril de 2015 (5): Atingimos as 100 inscrições, muitas mais esperamos... Lisboa (16), Oeiras (9) e Matosinhos (8) lideram as inscrições...


Monte Real, 14 de Junho de 2014 > Foto da Grande Família do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Foto: © Manuel Resende (2014). Todos os direitos reservados.


Mensagem da Organização do X Encontro Nacional à Tertúlia:

Chegados aos 100 participantes, aqui fica a listagem actualizada e o conselho para os nossos camaradas que normalmente estão presentes, ainda não inscritos, para que não deixem para muito próximo da data do Encontro as suas inscrições. 
Tenham também em atenção, os que pensam pernoitar no Hotel, que poderá não haver disponibilidade se se deixarem para tarde.

O ano passado fomos quase 150 pelo que achamos haver muita gente distraída. Quanto maior for o efectivo, mais êxito terá a Operação Monte Real 2015.


OS 100 INSCRITOS PARA O X ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE - MONTE REAL, 18 DE ABRIL DE 2015 

Albano Costa e Maria Eduarda - Guifões/Matosinhos 
Alberto Godinho Soares - Maia 
António Estácio - Mem Martins/Sintra 
António Faneco e Tina - Massamá/Sintra 
António Joao Sampaio e Clara - Leça da Palmeira/Matosinhos 
António José P. Costa e Isabel - Mem Martins/Sintra 
António Manuel S. Rodrigues e Rosa Maria - Oliveira do Bairro 
António Maria Silva e Maria de Lurdes - Lisboa 
António Martins de Matos - Lisboa 
António Osório, Ana e Maria da Conceição - V. N. de Gaia 
António Santos e família (6) - Caneças / Odivelas 
António Sousa Bonito - Carapinheira/Montemor-o-Velho 

Carlos Alberto Cruz, Irene e Paulo Jorge - Paço de Arcos/Oeiras 
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira/Matosinhos 
Coutinho e Lima - Lisboa 

David Guimarães e Lígia - Espinho 
Delfim Rodrigues - Coimbra 

Eduardo Ferreira Campos - Maia 
Ernestino Caniço - Tomar 

Joao Alves Martins e Graça - Lisboa 
Joao Maximiano - Santo Antão/Batalha 
Joao Sacoto e Aida - Lisboa 
Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel 
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria 
Jorge Araújo - Almada 
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras 
Jorge Picado - Ílhavo 
Jorge Pinto e Ana Maria - Lisboa 
Jorge Rosales - Monte Estoril / Cascais 
José Almeida e Antónia - Viana do Castelo 
José António Chaves - Paço de Arcos / Oeiras 
José Barros Rocha - Penafiel 
José Casimiro Carvalho - Maia 
José Diniz Faro - Paço de Arcos / Oeiras
José Eduardo R. Oliveira - Alcobaça
José Fernando Almeida e Suzel - Óbidos 
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel 
José Marques e Florinda - Paredes 
José Miguel Louro e Maria do Carmo - Lisboa 
José Nunes Francisco e família (5) - Batalha 
Juvenal Amado - Fátima / Ourém 

Liberal Correia e Maria José - Ponta Delgada (RA Açores) 
Lucinda Aranha e José António - Santa Cruz/Torres Vedras 
Luís Graça e Alice- Alfragide / Amadora 
Luís Moreira - Mem Martins/Sintra 
Luís Paulino e Maria da Cruz - Algés / Oeiras 

Manuel Fernando Sucio - Vila Real 
Manuel Lima Santos e Maria de Fátima - Viseu 
Mario Vasconcelos - Guimarães 
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa 

Raul Albino e Rolina - Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal
Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira/Matosinhos 
Ricardo Figueiredo e Cândida - Porto 
Ricardo Sousa e Georgina - Lisboa 
Rogé Guerreiro - Cascais

Valentim Oliveira, Maria Joaquina, Cyndia e Carina - Viseu

Muito importante:
- As inscrições terminam a 10 de Abril.
- Em caso de impossibilidade de estar presente no Encontro, se inscritos, comuniquem com antecedência de pelo menos 5 dias a vossa desitência.
- Para mais informações clique aqui.

Carlos Vinhal
Luís Graça
Mexia Alves
Miguel Pessoa


Distribuição geográfica dos inscritos: Lisboa (16), Oeiras (9) e Matosinhos (8) lideram as inscrições...
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Nota do editor:

Último poste da série de 4 de março 2015 > Guiné 63/74 - P14321: X Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 18 de Abril de 2015 (4): Já temos 74 inscrições, incluindo 2 dos Açores, e muitas caras novas!

Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)

1. Mensagem de Manuel Amante da Rosa [Manuel Amante da Rosa [, ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; atual embaixador de Cabo Verde em Roma]

Data: 16 de março de 2015 às 22:37

Assunto: Prisão na Ilha das Galinhas: localização, etc. (*)

Meus caros editores e leitores:,

Vamos ver se consigo dar uma ideia do que seria ilha das Galinhas.

Ficava bem próxima de Bolama de Baixo. Separada desta parte da ilha de Bolama por um canal navegável com relativa profundidade. O campo prisional (colónia agrícola/colónia penal) da ilha era supervisionado pelo Administrador Civil do Concelho de Bolama.

Havia reclusos de crime comum com penas de longa duração e até presos políticos. Tive por lá, que me lembre, quatro a cinco amigos. Os detentos movimentavam-se com relativa facilidade pela ilha, gozavam alguns de certos privilégios e muitos dedicavam-se à agricultura ou pesca. A população da ilha era amistosa e aceitava sem problemas os presos com quem se relacionavam. Julgo que, a memória não me é certa neste ponto, de haver um chefe da colónia penal e alguns polícias que faziam um controlo da população dos presos.

Passei algumas vezes pela ilhas das Galinhas, quando jovem mas nunca cheguei de ter a perceção de que haveria prisão por lá. Na ida para Bubaque ou Sogá, paravámos em Nbangana, que era uma pequena casa comercial mesmo à beira mar em que na maré cheia as ondas batiam na varanda. Era do velho Manuel Simões, pai do Manelito Simões. Por detrás da casa subia-se por um carreiro até a uma altura de 20 a 30 metros onde se ía para o interior da ilha e  algo próximo se localizava a Tabanka. 

Não raras vezes havia festa nesse aglomerado nas noites que por ali permaneci. O rufar de tambores, característico da etnia bijagó escutava-se de longe. O ritmo, as danças dos cabarôs e campunes era
contagiante. 


Guiné > s/d > s/ l > A embarcação "Bubaque", ostentando a bandeira portuguesa... Era uma antiga LP 4 (Lancha de Patrulha 4, da nossa Marinha, no ativo entre 1963 e 1964)-

Foto: © Manuel Amante da Rosa (2014). Todos os direitos reservados.

Nesta casa, à beira-mar, viveu durante uns dois anos um amigo do Manelito e meu que tinha sido condenado a uma pena por algo acontecido em Portugal. Teve um regime especial. Os navios Corubal e o Formosa nas idas de fim de semana para Bubaque pairavam nesse pequeno porto, ao largo, para deixar ou receber correspondências ou deixar alguém. 

Nbangana era um porto difícil de se entrar porque corria paralelamente à costa uns baixios de pedra, perigosos e sem sinalização. Um pequeno navio do meu pai, o Salomé, feito de teca, trazido da Indonésia (?) ou Timor, antigo patrulha japonês, partiu ali a quilha para nunca mais ser recuperada. Eu próprio, ao leme, com uma tripulação quase toda bêbada, num regresso da ilha de Bubaque com uma excursão da Cícer, fábrica de cerveja da Guiné, encalhei nesses baixios procurando o canal já de noite. Valeu-me a enchente e não ter batido mais à frente. O susto foi enorme lembrando-me do sucedido com o Salomé.

Julgo que.  após ser transferido para a prisão policial de Bissau, ficado preso, incomunicável e tratado de forma desumana pelos carcereiros pela sua ousadia de colocar, pelo menos uma bomba debaixo do reluzente Mercedez Benz de um Chefe de Esquadra, estacionado à frente da UDIB  e,  conhecendo o Zé Carlos, que também chamávamos de Zé Cabalo, por aparecer pelo Liceu Honório Barreto algumas vezes a cavalo, ele terá sentido nostalgia da ilha onde circulava à vontade, escrevia, lidava com a população e convivia livremente com os outros reclusos.

Essa será a diferença fundamental e a razão porque terá escrito uma melodia tão profunda, nostálgica e agradável a todos que escutam o "Djiu di Galinha".

A viúva do Zé Carlos poderá, no entanto, explicar muito melhor e com conhecimento sólidos de uma vida comum de partilhas várias as razões dessa composição.

Escrevi de um fôlego só e sem rever o texto pelo que se vierem a publicar alguns trechos façam as inevitáveis correções. (**)

Um forte e amigo abraço.

Manuel

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Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

(**) Último poste da série > 17 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14376: O nosso blogue com fonte de informação e conhecimento (28): motorizadas: eu, com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic (José Colaço)


Guiné 63/74 - P14376: O nosso blogue com fonte de informação e conhecimento (28): motorizadas: eu, com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic (José Colaço)


"Eu,  com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic" (José Colaço)


Foto (e legenda): © José Colaço  (2015). Todos os direitos reservados



1. Mensagem de 15 do corrente, do nosso grã-tabanqueiro José Colaço, em resposta a um pedido dos editores relativamente a informações sobre motorizadas de 50 cc,  fabricadas em Portugal (marcas, que começaram a aparecer nos anos 50,  e que nos são ainda hoje familiares: Alma, Pachancho, Vilar Cucciolo, Famel, Macal, Sachs, Casal. etc) (*)


[Foto à esquerda, José Colaço (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557, Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65)]

Aqui está um tema que tenho de memória: todas estas marcas de que falas, mas quando elas apareceram era eu puto de escola e,  devido à nossa autonomia económica e as condições vividas na altura,  não dava para tirar e guardar fotos dessas preciosidades.

Mas a evolução dos ciclomotores foi rápida e os Cucciolos, Alma e Pachancho  e companhia tiveram vida curta, dando origem às célebres "motinhas".

E apareceram entre outras os topos de gama,  na altura os Italianos com o Alpino, os alemães com a Sachs, parece-me que os primeiros a disporem de uma caixa de velocidades de 4 e 5  e por último 6, a Kreldler Floret que devido à sua categoria tinha o handicap do pronto pagamento, a Zundapp que também tinha uma montagem autorizada em Portugal,  os famosos quadros Mavic e os motores Casal. uma réplica dos motores Zundapp,  creio que chegaram a ser totalmente fabricados em Portugal com montagem nos quadros made in Portugal.

E com a abertura dos mercados apareceu a Honda dos nipónicos.


[Foto à direita: Ducati Cucciolo de 1950. Fonte: Wikipedia, com a devida vénia]



Lembro-me bem da Cucciolo. Podem encontrar imagens no blogue Rodas de Viriato, ou na Wikipédia, dessa preciosidade.  Lembro-me bem de a ver,  embora na minha terra a bicicleta escolhida era a Imperial com travões de alavanca, segundo o que guardo de memória. Eesta bicicleta era a preferida por ter um quadro forte e aguentava e resistia sem quebrar às vibrações do motor auxiliar Cucciolo a quatro tempos com válvulas à cabeça, digo auxiliar porque mantinha os pedais e em subidas de maior extensão tinha que ser o ciclomotorista a auxiliar o fraco Cucciolo.

E resumindo o que acabei de relatar,.  envio foto em anexo eu com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic tendo por fundo o carro das bestas,  como nós lhe chamávamos, esta preciosidade,  a construção foi obra do meu velho que,  além de pequeno agricultor, tinha a profissão de carpinteiro de carros, na minha terra chamavam à profissão de carpinteiro de carros  (abegão).

Guiné 63/74 - P14375: Parabéns a você (876): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14366: Parabéns a você (875): António da Silva Baptista, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3490 (Guiné, 1972/74)