1. Mensagem do nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 9 de Março de 2015:
Camaradas e Amigos
Como tenho estado doente, e infelizmente continuo, e os prognósticos não são animadores, só agora li o apelo à participação na primeira "sondagem" do ano… do Blogue.
A questão é um pouco complicada: “Os afectos, e se em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial".
Vantagens? Tinha! Afectos? Sim! Namorava uma sueca loira de olhos azuis desde os 13 anos, não esqueço o nome, recordo mesmo a morada. Ingrid Margaretha Gustavsson. Amava-a e outras também, uma brasileira (Telma Valério) e outras conhecidas na nossa praça.
Pela G3, uma adoração muito quente, aliviava-se sempre de munições, fazia-lhe festas, dormia comigo e andava sempre untada; e os pedaços de capim; clips.
Considero, e para ser objectivo que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau, e teria sido bom que não tivessem metido o “bico” como fizeram. Levantei minas soviéticas; namorei uma sueca com quem estive para me casar; os chineses sempre estiveram presentes nas Histórias de todos os países, devo ter fotos dos meus tios na América na construção dos caminhos-de-ferro, surgirem em todas as partes; os cubanos andaram por Gadamael Porto, e causaram pânico.
Tudo de bom para os camaradas de Gandembel, que tanto sofreram, considero que deveriam aparecer mais no Blogue. Recordo que Gandembel; Gadamael; Ganturé; Guileje; Guidage e outros possuíam o “G” de guerra; os americanos se tiveram conhecimento do resultado de uma pesquisa que uma empresa portuguesa fez aos solos de Gadamael, julgo que em 1967, estava lá e comiam na Messe de Sargentos. Se a De Beers descobrir que existem diamantes na Guiné, é bem provável que apoie Guiné-Bissau. A De Beers, até possui o lema “Um diamante é para sempre”. Não vejo ninguém a interessar-se pela Guiné.
E Portugal penso que só se preocupa com os euros que “dá”, talvez também na defesa dos portugueses que têm lá o ganha-pão. Sinto tristeza em verificar nas reportagens, que nada é recuperado do nosso “império”. Em Gadamael o cais abandonado e os dois edifícios dos colonos destruídos, não recuperados. Viaturas das NT destruídas são as suas estátuas. O Homem Grande dorme e dorme e a mulher “pequena” trabalha como escrava, sempre a pilar.
Portugal não leva vantagens porque somos uma cambada de tesos, e os outros estiveram lá para nos tirarem os miolos. Os recados que nos davam: minas e até fictícios avisos escrevinhados: “Emboscada a 200 metros!
E já que falamos, por que não contar esta.
Um ou dois dias após rebentamento de uma mina no itinerário Cruzamento de Gadamael/Ganture e no troço para Sangonhá, fui informado que tenho de armadilhar uma determinada zona. Estávamos a chegar ao local, vinha na frente a picar, vimos algo de estranho no solo. Alguma da rapaziada pretendia avançar, disse que não, picámos até ao local. O que se encontrava à nossa frente? Seis a sete maços de tabaco cubano. Disse para montarem segurança, e manterem distância de mim. Não me pus a levantar os maços de tabaco cubano, piquei sempre e um por um todos tiveram o mesmo tratamento. Depois de bem picado, baixei-me e passei uma palha de capim por debaixo do primeiro maço para verificar se estava armadilhado. Levantei o maço, tinha uns cigarros. Tratei de todos de igual modo.
O que pretendia o PAIGC unicamente era dizer que tinha feito “ronco” e tínhamos caído numa mina. Os maços ao abandono só pretendiam dar esta informação. Já tinha visto que à frente esta um papel no solo. Depois de levantar um a um os maços e de os colocar no bolso (existia uma com 7 cigarros, os outros tinham 2/3/4 cigarros). A segurança estava a distância de não ser atingida caso algum engenho explosivo rebentasse. O papel tinha mais ou menos escrita a seguinte mensagem: “Furriel Mário Gaspar, estamos à tua espera na fronteira e entrega-te, nada te faremos”. Tudo com péssimo português. Guardei e cheguei a trazê-lo para casa, mas nunca mais o vi.
Quer dizer que estavam bem informados de todos os nossos passos, nunca entendi muito bem a razão de estar lá o meu nome, mas talvez o perceba, ou por outra, percebo. Nunca contei esta a ninguém… Acredito que nada me faziam e que me obrigavam a ir à rádio denunciar a minha entrega, mas caso quisesse me colocariam nos braços da minha linda sueca.
Em suma, ninguém está interessado… Afectos? E Portugal é mais por Portugal se sentir obrigado.
Talvez um dia surja a América. Se pretendem minério de ferro, a olho vivo, quando estudava penso que se falava em petróleo.
Um abraço à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14335: (Ex)citações (265): Sondagem: Mudei muito. Quem é que não mudou? (Juvenal Amado)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
FALECEU ONTEM UM EX COMBATENTE DA GUINÉ BISSAU, VITOR FERNANDES, FOROS DO TRAPO - PEGÕES
Amigo Mário Vitorino:
Em relação à nossa Guiné, deixa de ter ilusões, os países são como as pessoas, quando não têm bens para trocas razoaveis, ficam para trás, ficam no esquecimento. O mesmo se passa com os homens, vivem muito pelos seus interesses. Já um pouco velhos, e a perder forças custa-nos a aceitar, que temos que nos ir conformando ao convivio da familia e dos amigos e vizinhos próximos. Confesso-te que a minha mulher por vezes me pergunta se já a abandonei para ter outra relação.
Meu caro amigo, as nossas primeiras relações devem ser as dos familiares próximos e dos vizinhos e amigos mais próximos, pois só esses é que nos podem dar segurança afectiva e psicológica. A partir daí é que nos devemos aventurar para o resto do mundo. Mário tu conheces o meu e-mail, estou disposto ajudar-te naquilo que me for possível, até porque sei que não estás de muito boa saúde. A missão mais louvavel do nosso blogue deve ser a ajuda que possamos prestar uns aos outros.
Desejo-te as melhoras.
Um grande abraço
Francisco Baptista
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