segunda-feira, 16 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14371: Manuscritos(s) (Luís Graça) (50): Na hora da tua morte...



Na hora da tua morte
por Luís Graça



De rio em rio
se alcança a foz
e se galga o mar.
Vais na torrente,
a bracejar.


De mar em mar
se vai ao longe:
p’ra naufragar,

no oceano, largo e profundo,
ou p’ra encalhar,
no cabo do mundo

De estrela em estrela
navegas por toda a parte,
à boleia dos sonhos
que te venderam 
a preço de saldo.

D
o planeta ao planetário
vai um salto:
há apenas uma tela,
a separar-te 
do desastre humanitário.


Na deriva da vida
segues em contramão,
como um cavalo com o freio nos dentes,
fora da estrada,
sem seguro de acidentes.
num louco tropel.

Daqui para a frente,
vais pouco confiante e nada crente,
como num carrossel:
já não é caminhada,
já não é jogging,
é picada armadilhada,
é alucinação.


Preferes nada saber de astrofísica,
muito menos de metafísica.
Seria bom saberes algo mais 
de economia.


Porque um dia,
vão-te cobrar a portagem,
no fim da viagem
ou numa qualquer paragem,
técnica,
quando o teu planeta azul
perder o contrato de concessão
ou a simples licença de habitação.


Um dia,
faça chuva ou faça sol,
vais ser despojado do teu corpo,
desalojado do teu habitáculo,
como a lagosta ou o caracol.


Quem te prometeu um tabernáculo,
ergonomicamente correto,
digno de um deus maior, 
nada sabia de ergonomia
e muito menos era arquiteto.


A
final,
não passas de um animal terrestre,
numa terra que não é tua:
na melhor das hipóteses,
és um erro de casting
do criador…

Alguém te há de lembrar
que não passas de um simples hóspede,
e que o hóspede e o peixe
ao fim de três dias… fedem,
como assegura o provérbio popular.


Na tua aldeia,
na hora da tua morte,
tocará o sino,
a finados.

Alguém então quererá
dizer uma última palavra:
fostes um bom homem,
mas à tua porta não bateu a sorte.


Ninguém, por certo, perguntará
p'los teus sonhos... de menino.


Lisboa, março de 2015


_______________

Nota do editor:

2 comentários:

Anónimo disse...




Sôbolos rios que vão
Por Babylonia, me achei,
Onde sentado chorei
As lembranças de Sião,
E quanto nella passei.
Alli o rio corrente
De meus olhos foi manado;
E tudo bem comparado,
Babylonia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.

Alli lembranças contentes
N'alma se representárão;
E minhas cousas ausentes
Se fizerão tão presentes,
Como se nunca passárão.

Luís, grande poeta, amigo e camarada, tu conheces este poema e a nostalgia histórica e biblica que ele transporta. Todos nós filhos dessa civilização milenar que o grande Camões, maior, do que reis e guerreiros, evoca com tanta inspiração, que nos obriga a sentirmos que somos filhos de civilizações antigas, de culturas formadas na aliança e no choque de muitos povos. A História narra-nos tudo isso com alguma frieza, porém só a poesia nos consegue transmitir toda a beleza, emoção e grandeza dessas páginas que marcaram todo esse passado turbulento.
Depois de muita história e muita prosa gosto de descansar nesses resumos breves mas que explicam,que são os versos dos poetas.
Conclusão sempre gostei muito do poema de Camões, que em parte copiei porque ele é muito mais longo como tu bem sabes.
Gostei muito do poema que escreveste e vêm-me à memória um fado com um poema bem cantado pela Mariza que fala da alma dos poetas.
Um grande abraço

Francisco Baptista

Anónimo disse...




Desculpa Luís pois mais uma vez caí na asneira de fazer uma análise tão redutora, desse poema tão grande, tão filosófico, tão complexo, de Luís de Camões. O meu mal foi sempre, em me ficar pela leitura dos primeiros quinze ou vinte versos. Ao lê-lo mais atentamente confesso que me parece dos poemas mais dificeis de intrepertar do nosso grande poeta.
A primeira vez que me vi aflito com ele foi na oral do meu antigo 5º ano em que eu ia confiante com um 15 da prova escrita e o examindor, um bom professor e um mestre em literatura me disse para intrepertar o poema.
Terá feito isso para me desarmar e me convencer que a minha vaidade estava abaixo dos meus conhecimentos.
É provável. Recordo-me que senti dificuldades e vergonha por não conseguir dar uma interpertação capaz No final o examinador, "depois de se ter divertido comigo" deu-me a mesma nota na oral.
Camarada e amigo eu gosto tanto dos primeiros versos deste poema tão longo e a maior parte das vezes, a minha leitura fica por aí. Desculpa pois hoje fiz a asneira do costume.
Depois disso li o poema todo com mais vagar, mas confesso para conseguir intrepertá-lo razoavelmente tenho que o ler mais duas ou três vezes.
O teu poema continuo a achar que é muito bom, mas menos complexo do que o de Camões.
Um abraço

Francisco Baptista