domingo, 28 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho

1. Em mensagem do dia 16 de Junho de 2015, o nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67), enviou-nos a primeira parte de um trabalho a que deu o título de "Guiné, Ir e Voltar".


‘Só existe uma coisa mais terrível do que uma guerra, fazer de conta que ela nunca aconteceu’

A guerra é igual para todos os que nela participaram. Alguns não a puderam contar e muitos outros, embora ainda vivos, querem permanecer mortos para as memórias desses tempos.

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A escrita desta história

Esta memória foi escrita com recurso a curtos diários, a relatórios de operações1 feitas pelo grupo e a documentos escritos, depoimentos e diários de camaradas de outros grupos.
Foi esboçada ainda em 1967, dois meses depois de ter regressado a casa, sem qualquer intenção de voltar a pensar no assunto.
Tentei respeitar o espírito que na época vigorava entre nós, em Brá. Apesar de, a certa altura, ter a ideia de que a guerra na Guiné dificilmente seria resolvida pela via militar, no nosso próprio interesse era importante fazê-la com eficácia, fugindo à balbúrdia, do “todos ao monte” e fé em Deus, tão frequentemente vista em unidades espalhadas pelo território e que muitas vezes tão maus resultados acarretava.
Os Comandos formados no CTIG, entre 1964 e 1966, eram realmente diferentes. Tinham um dístico grande à entrada das camaratas: “Os Comandos não são melhores nem piores, são diferentes”.
Operavam em grupos de 20 a 30 homens, diariamente treinados, com boa capacidade física, muito móveis e serviam-se de armamento ligeiro. Tanto saltavam de viaturas em andamento internando-se rapidamente no mato como eram largados de helis mesmo em cima de acampamentos Inimigos. Apesar de utilizarem a surpresa como arma principal de ataque, rodeando-se de cuidados extremos na progressão para o objectivo, nem sempre tiveram sucesso, tiveram os seus desaires. Cerca de 6% dos seus efectivos morreram em combate e 10% foram feridos com mais ou menos gravidade. Deram tudo o que puderam, sem pedirem nada em troca, até a farda amarela que usavam foi paga do seu bolso e o crachá que traziam no peito tiveram que o ganhar com muito treino e em operações reais. Com as acções que desencadearam, aliviaram muitas vezes a pressão a que o pessoal em quadrícula estava sujeito.
E mostrámos que também era possível desinquietar o IN nos seus santuários.
As outras histórias que entram nesta escrita fazem parte do ambiente que se vivia na altura e ajudam a compreender melhor a guerra traiçoeira, sem tréguas, movida por uma guerrilha que se encontrava no seu meio, especialista, na altura, no bate e foge e em semear minas, contra um exército de jovens de vinte e poucos anos, na sua maioria, com preparação militar muito deficiente e que mesmo assim resistiu denodadamente.
As chamadas tropas regulares, dispersas em quadrícula, viveram a parte mais dura. Com armamento inferior, especialmente a partir de finais dos anos 60 e a viverem em condições precárias, em locais de difícil acesso, sujeitas a ataques diários, com as evacuações condicionadas ao horário solar, num ambiente hostil e com o moral a ser fustigado a toda a hora pela propaganda do PAIGC, tudo tiveram contra elas, inclusive militares das nossas próprias tropas que passavam informações para o Inimigo.
Mesmo assim, fizemos, nós todos, o que nos competia: a vida negra à guerrilha. A vida dos combatentes do PAIGC nunca foi fácil, nem nos santuários de que se afirmavam donos e senhores podiam dormir descansados.
Soldados e cabos, furriéis e alferes, milicianos na esmagadora maioria, sem esquecer os valorosos profissionais que os enquadraram, honraram as páginas mais brilhantes, que tanto gostara de ler, na escola primária, no livro da História de Portugal.
Nas outras páginas, o mesmo Portugal que lhes pediu os melhores anos da vida, bocados deles e a própria vida de muitos deles, findas as hostilidades, tudo fez para que se envergonhassem da guerra em que estiveram envolvidos.
Na história recente rapidamente o País esqueceu os que se bateram na 1.ª Grande Guerra na Flandres e aos que se bateram em África permitiu que lhes colassem etiquetas de selváticos colonialistas. Aos bravos naturais da Guiné que, por um motivo ou outro, optaram por se juntarem às tropas nacionais, a esses, os governantes da altura abandonaram-nos à própria sorte. O PAIGC de então não lhes perdoou, apelidava-os de cães raivosos e abateu-os como tal.
É a história, é certo. Mas é também uma parte dessas páginas que ainda não está suficientemente esclarecida.
Não se pretende aqui fazer história, trata-se apenas de deixar o testemunho do que viveu e viu, um dos participantes na guerra na Guiné.

Lisboa, Janeiro de 2015.
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Nota:
1 - Filmes da guerra da Guiné são raros. No QG, em Bissau, havia um departamento de fotografia e cinema com operadores. Pois em centenas de quilómetros percorridos, a pé ou em viaturas, nunca os vi. As escassas imagens filmadas em combate são, na quase totalidade, as que foram obtidas por jornalistas estrangeiros que acompanharam a guerrilha. E nos que nos acompanharam o destaque vai para o filme de uma emboscada que nos custou mortos e feridos (realização da ORTF, hoje alojado no I.N.A.), ocasionalmente filmado numa operação de propaganda à política da Guiné Melhor durante a governação do então Brigadeiro Spínola. Ficam os depoimentos dos que ainda estão vivos.

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À minha Mulher, às nossas Mulheres

As nossas Mulheres. As que nos acompanharam desde os bancos das escolas. Que viveram, com a Cruz na parede das salas, com o olhar severo e crítico dos Pais, sempre presentes ao jantar, e o olhar benevolente e compreensivo das Mães, presentes o dia todo.
As nossas Mulheres. Amantes, de beijos roubados às portas das casas, de um sôfrego respiro de ânsias e desejos difíceis de esconder.
As nossas Mulheres. Que nos acompanharam com linhas escritas com lágrimas, em aerogramas de saudade e esperança numa vida que diziam estar, mesmo aqui, ao lado da esquina, amanhã, o mais tardar. De tão jovens, algumas não aguentaram tanta separação. Quem lhes leva a mal, que a vida é curta e a Guiné estava tão longe.
As nossas Mulheres. Que nos recolheram, exaustos de uma vida tão mal vivida, e nos ensinaram de novo a vivê-la.
As nossas Mulheres. Que foram dando à luz e criando, quantas vezes sós, os filhos de uma geração desperdiçada, tantas vezes com os companheiros ausentes e desinteressados.
Às nossas Mulheres, às que estiveram no Terreiro do Paço a receberem medalhas e a todas as Mulheres da nossa geração, que de uma ou outra forma, compartilharam a nossa vida.


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Mas então como é a guerra lá?
A guerra lá… não tem muito que contar. É a gente ir numa coluna a pé ou em viaturas e de repente rompe um fogachal do caralho, com os gajos a abrir fogo sobre a malta e depois nós respondemos.

De uma conversa à mesa, ao jantar, entre o pai da noiva e o futuro genro, recém-chegado da Guiné, quando este lhe foi comunicar que queria casar com a filha.

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Em dois anos muito do que aconteceu

A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para a contar

Gabriel Garcia Marques em "Viver para contá-la"

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A minha Guerra

Este é o sítio para falar comigo.
Parece despropositado levantar a questão da minha Guerra, aqui, num local tão público. Qual Guerra? A nossa, a minha, a que vivi nos naqueles anos, de 65 e 66, ainda de barba mal crescida. Uma Guerra ainda imberbe, dirão alguns. Imberbe ou não, foi matando um aqui, outro ali, outro aqui outra vez e outro ali de novo. Para os que morreram foi definitiva. E esfacelando um em Binta, outro em Cufar, um em Guidaje, um outro em Cuntima, outro ainda acolá. Não interessa agora falar em locais, naqueles anos o pessoal do Hospital, todos os dias tinha trabalho novo.

Este é o sítio para eu falar da Guerra dos Combatentes, da que se travou em lalas, bolanhas, picadas e matas. Da que se tratou a tiro, à morteirada, com foguetes e rockets a abrir capim e carne, do silvo das saídas do morteiro e do estrondo, muito longe, muitas outras não tão longe assim. Dos ataques e flagelações a bases da guerrilha e a aquartelamentos das NT. Dos ataques às barracas do PAIGC, a maioria nas madrugadas, que as NT tanto pareciam gostar. Foram instruídas para isso, em Mafra, Tavira, Caldas. Abrir fogo logo ao nascer do sol, que havia ainda muito para fazer e andar. E ao aproximar das noites, como parece ter sido também o gosto da guerrilha, os flagelamentos aos aquartelamentos das NT. Evitavam encontrar-se à mesma hora nos mesmos locais, assim parecia.

É dessa Guerra, talvez a menos importante, que estou a falar. A outra, a que se travava nos ares condicionados de Bissau e de Conacry, essa não merece grande realce nesta escrita, embora pessoalmente nos meus últimos três meses a tenha visto de longe, tão longe que quase nem me dizia respeito. E digo quase, porque no Bento encontrava camaradas vindos, de Catió, de Cutia, de Guileje, de Madina do Boé, de todo o lado. Gente com quem andara não há muitos dias, que fazia parte de mim, que eram da minha família, portanto.
Mas a minha guerra era já outra. Continuava a pôr-me a pé às horas do regimento e largava a papelada também à hora regimental. Banho, música no quarto, as horas do jantar na messe de Santa Luzia a aproximarem-se, e ala que se faz tarde, Bissau à frente, cinema, cerveja, uísque até se fazerem horas para chonar, que no dia seguinte lá me esperavam os movimentos de entradas e saídas de géneros, pagamentos aos pequenos fornecedores, aos fornecedores de alferes, que os maiores eram da responsabilidade de outras graduações, felizmente para mim, que, naquele tempo, talvez devido à demasiada juventude, não era grande apreciador de papel e também de certos envelopes.

Colonialismo e imperialismo eram palavras que nos soavam nos primeiros anos da década de 60. Para a grande maioria dos militares portugueses, palavras que não diziam muito. Angola, Moçambique, Guiné, S. Tomé, Cabo Verde, Timor e Macau eram Portugal. Foi com essas palavras que cresci e com elas me fui fazendo homem.
De um momento para o outro, muita coisa começou a acontecer. Vimos e ouvimos na TV o Artur Agostinho, o Henrique Mendes e as vozes de outros que a minha memória já não retém, o Pandita Nheru a entrar em Goa, as hordas da UPA a assassinarem quem se mexia no norte de Angola e na Guiné umas abatizes e um ou outro assassinato de gente local. Simples casos que as forças policiais não deixariam de resolver imediatamente. Não chegaram estas medidas, viu-se logo, e rapidamente houve que ir para Angola em força e já.
Um incêndio que, soprado por ventos bem fortes rapidamente se alastrou à Guiné e poucos meses depois a Moçambique. Foi o princípio do fim da vida de muitos e até 1974, calcula-se em cerca de oitocentos mil o número de jovens que interromperam as suas vidas para fazerem uma guerra, afinal, inútil.

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Eram barcos e barcos que largavam
Fez-se dessa matéria a nossa vida
Marujos e soldados que embarcavam
E gente que chorava à despedida

Letra do Fado Vulgar de Vasco Graça Moura

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GUINÉ, IR E VOLTAR - I

A caminho

O capitão, comandante da Polícia do Funchal até há um ano atrás, foi dos primeiros a descer as escadas, morto por pôr o pé naquela terra que tão bem conhecia. Queria aproveitar para rever a cidade, dar umas voltas, encontrar amigos. E nem precisou de andar muito. Logo houve quem o convidasse para o almoço no dia seguinte. Só se fosse muito cedo, para o meio-dia, no máximo, que o navio partia às duas da tarde. Arranja-se para o meio-dia então, capitão Marques! Pode trazer quem quiser, um convidado seu é nosso também.
Alferes, para amanhã temos peixe-espada ao almoço, quer vir?

Porto do Funchal em Janeiro de 1965. © Foto do autor.

Nem meio-dia era, lá estavam no 1.º andar de um restaurante com boas vistas, até o cais se podia ver, e com algum esforço até o navio se via, treze a uma mesa com as travessas em cima, o convívio a aquecer, e sem darem por ela o tempo a passar-se. Uma sirene de um navio ouviu-se. Não é o nosso Alfredo da Silva2 , pois não? Ai não, não é! Mas a partida não estava marcada para as duas? Ainda falta quase uma hora!

Pois era mesmo o navio deles nas manobras de desatracagem. Ora esta, pode lá ser? Um carro depressa! E o peixe-espada, com tão bom ar, em cima das mesas, a olhar para eles. Olhem, fica para vocês, que vos saiba bem.
A descerem por aquelas ruas abaixo, a caminho do porto, uma carrinha da polícia a abrir, quando lá chegaram, já o navio estava ao largo. Uma lancha depressa, arranja-se já! Sinais e mensagens de rádio, do porto para o navio, o aviso para pararem. Qual quê, não podemos, abrandamos só, que se cheguem. Com a lancha encostada, lançaram-lhes uma escada de cordas.
O capitão à frente, que era mais graduado, o alferes atrás uns bons degraus. Uma dificuldade por ali acima, o capitão Marques a protestar, que maçada, já não tenho idade para desportos destes, que porra! Dentro do navio finalmente, então a partida não estava marcada para as duas? Tivemos que antecipar uma hora e avisámos, se calhar os senhores não dormiram a bordo.
O capitão Marques, do caga-e-tosse3 ou lateiro , como então se dizia, senhor de pouco mais de cinquenta anos, e o alferes miliciano repartiam o camarote. Poucas pessoas para tanta carga. Farinha, medicamentos, açúcar, peças de fardamento, arroz, pneus, motores, batata, latas de óleo, frescos, combustíveis. E armas, munições, explosivos e outro material de guerra arrumado em dezenas de caixotes, em compartimentos à parte.
O mar calmo fez-lhes sempre companhia naqueles três dias de navegação até S. Vicente. Preguiçavam nas amuradas, jogavam a sueca e o king no salão, ouviam música de dança, o costume num navio daqueles anos.
O Mindelo em frente trouxe-lhes os cheiros de África. E também coisas que alguns deles viam pela primeira vez. Engraxadores, miúdos às dezenas com pequenas caixas de madeira debaixo do braço, duas latas de pomada, um pano e uma escova, a atirarem-se aos passageiros, quase todos militares, desembarcados momentos antes, ainda a equilibrarem-se em terra firme. Limpa sapato, alferes? E menina nua a dançar, quer ver? Cabras, com os ossos à mostra, a morderem o pó, papel amarelecido de jornal ao vento, pessoas devagar nas ruas, abrigadas do sol. Graxa, nosso alferes?
O alferes saiu com o Black, um antigo colega de liceu, a curiosidade a levá-los por aquelas ruas de pedra escura. O mar sempre ao lado, o café deslavado bebido na esplanada, os sapatos a brilharem e os miúdos com as caixas de graxa atrás, que o pó era muito. Tempo morno, pessoas devagar nas ruas, a pararem a qualquer pretexto.
Deve ser bem agradável viver uns tempos aqui, Black. Onde se pode almoçar, menina? Ali? O que se come lá?
Sentados numa varanda, o mar em frente, então o que se arranja? Lagosta grelhada e batata frita? Enquanto esperavam, um olho descansava no azul das águas em frente, o outro não largava o navio à esquerda. Duas moças, vestidos leves nas pernas morenas, para um lado e para outro. Só comem isto? Não querem mais, mesmo? Então, não estava bom?
Quando saíram dali levavam atrás o cortejo dos miúdos e as caixas da graxa, sempre a insistirem, e menina nua a dançar, querem ver agora?
No navio frente ao cais, o capitão Marques encontrou-os debruçados na amurada, a olharem para a cidade. O que levo daqui, meu capitão? As morenas, o andar delas, a maneira como falam, o cantar doce, os gestos calmos de quem tem tão pouco que fazer e tanto tempo à frente, o quilo da lagosta a 90 escudos, a terra amarelada, pó e mais pó, e muitos, muitos miúdos com caixas de graxa. Bissau, se for assim não é nada mau! Nem penses, pior, muito pior, arriscava outro alferes, o Leite, sorriso na cara.

Há dias que uns cheiros diferentes andavam no ar. Era África a entrar-lhes pelo nariz. No convés do “Alfredo da Silva”, já mais composto com alguns passageiros embarcados na Praia, o alferes passava as tardes sentado a dormitar e a ler um livro do Moravia, “La Ciocciara”.
E, numa manhã cedo, o navio lançou o ferro frente a Bissau. Duas horas ao largo, parados, a aguardar as lanchas de transbordo, de olhos arregalados a verem o trabalho da estiva, num linguarejar que não conseguia entender.

Bissau à nossa frente. © Imagem no blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné

E depois, os passageiros começaram a sair, com vagar, a pressa de pisar aquela terra não parecia ser muita, pelos vistos. Pés no chão, a olhar para as palmeiras, o alferes aproveitou a boleia num jeep, que os aguardava, rumo ao QG4.
Avenida acima, pareceu-lhe enorme, a esplanada do Bento5 , longe de pensar que, mais tarde, viria a ser assíduo frequentador, a Sé, os Correios, casas com ar colonial à esquerda e à direita, o BNU, o cinema.

Avenida da Praça do Império até ao cais. © Foto do autor.

Aqui é a Praça do Império, o Palácio do Governador, Brigadeiro Arnaldo Schulz, já ouviram falar? Este edifício novo todo envidraçado é a Associação Comercial e Industrial de Bissau, um capitão, cicerone esforçado e competente, a virar à direita, agora esta avenida a subir leva-nos a Santa Luzia, ao QG, lá em cima, estão a ver?
E pronto, camaradas, agora dirigem-se ali, àquela porta em frente, apresentam-se na repartição de pessoal que indicará os vossos destinos. Boa sorte, ah!

Palácio do Governo, Praça do Império, Bissau. © Foto do autor.

Na 1.ª Rep.6 passaram-lhe para as mãos um papel, a guia de marcha, e um jipe deixou-o na Amura7, onde havia uma dependência do Batalhão de Cavalaria 4908, a que passara a pertencer, por rendição individual, e que já levava 17 ou 18 meses de comissão.
O 490 tinha estado no Sul, na operação Tridente, o primeiro grande movimento militar na África Portuguesa, 71 ou 72 dias seguidos, abarracados no arquipélago do Como, a comer enlatados. Regressara arrasado, cheio de carraças, hepatites e outras enfermidades, com os pelotões reduzidos a metade, e, segundo as más-línguas de alguns frequentadores do Bento, deixara lá o dobro dos guerrilheiros.
Depois, o tenente-coronel levara o Batalhão para o Norte onde, exaustos, escorriam os meses que faltavam para dizer adeus à guerra. Centrado em Farim, dispusera-se em quadrícula com uma companhia em Cuntima, na fronteira com o Senegal, outra em Jumbembem, a meio caminho entre Cuntima e Farim enquanto a companhia de comando e serviços e a outra operacional ficaram sediadas em Farim. 
Disseram-lhes, ao alferes e ao capitão Marques, que aguardassem na Amura, uns dias, não sabiam quantos, até que houvesse transporte aéreo para Farim.

Fortaleza de Amura, Bissau. © Imagem em Luís Graça e Camaradas da Guiné.

Toda uma pequena vivenda térrea por conta dele, mala pousada a um canto. Dois quartos, um quarto de banho e uma cozinha com frigorífico. O calor invadia tudo, um calor diferente, com cheiro, húmido, a colar a roupa ao corpo. A água do banho, estranha, quente, com cor, a espuma agarrava-se à pele, não queria sair nem por nada.
Depois foi ver a Amura por dentro. Uma fortaleza antiga, numa pequena elevação, com uma praça ampla de casas térreas, pequenas, iguais umas às outras e árvores à volta, a fazerem sombra.
Combinara encontrar-se com os companheiros da viagem, o alferes Leite e o capitão Marques, numa esplanada de um café chamado Bento. Depois de percorrerem as ruas da baixa de Bissau, a marginal e pouco mais, acabaram o dia no Fonseca9 a ostras e cerveja. Nesse dia, o alferes bebera mais cerveja do que em toda a sua vida, no início até estranhara beber tanta, contou até dez garrafas das grandes, que era o tamanho padrão, depois habituou-se, no 2.º dia já não contou. E os primeiros dias foram passados assim, esplanada do Bento, almoço na Amura, sesta com a ventoinha no tecto a andar à roda que o calor era muito, passeio à tarde, ostras e cerveja, jantar outra vez na Amura, e depois na cama, a cabeça a acompanhar a ventoinha, a andar à roda. Amanhã às nove, aqui na Amura, um jeep leva-o ao aeroporto.
Mal dormiu, às 8 estava pronto, pequeno-almoço tomado, mala e saco na mão.

Outra vez para a Praça do Império, pelos vistos passava tudo por ali, depois o jeep guinou para a estrada do aeroporto.
De quem é aquela estátua, ali à esquerda? Honório Barreto? Quem foi? Também não sabe? Uma grande recta, casas indígenas de um lado e doutro, à esquerda a seguir a uma curva o Hospital Militar, o Batalhão de Engenharia, o quartel de Brá umas centenas de metros adiante, charcos de água e palmeiras por todo o lado e o aeroporto à vista. Boa sorte, meu alferes, despediu-se assim o cabo condutor. Um Dornier 2710 da Força Aérea aguardava na pista. Era uma pequena avioneta de um motor, os bancos da frente para o piloto e acompanhante, a traseira reservada a correio, malas, pequenos volumes, o que calhasse e coubesse.
Ao rumarem para norte, viu Bissau a ficar mais distante.

Zona de Farim. © Foto de Carlos Silva.

Seguiu o voo, as manobras do piloto, as primeiras fotografias do ar, as matas lá em baixo, misteriosas, pouco amigáveis.
Aterraram, pouco mais de meia hora depois, num campo em Farim. Uma pequena povoação junto a um rio11, casas de adobe rodeando outras, maiores, de aspecto colonial, e nuvens de pó de viaturas com militares a rodarem para as margens da pista.

Aproximação à pista de Farim. © Foto de Carlos Silva.

É o alferes que vem substituir o Monteiro, para Cuntima, não é? Estava a ver que nunca mais chegava, o Tenente-Coronel de cavalaria, de mão estendida, ar duro.
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Notas:
2 - Navio misto da Sociedade Geral
3 - Serviço Geral do Exército. Faziam a carreira a partir de praças. Imprescindíveis para o bom funcionamento do Exército.
4 - Quartel-General.
5 - Café-cervejaria, ponto de encontro dos militares aquartelados em Bissau ou dos que se encontravam em trânsito. Ficou também conhecida por 5ª Rep. por naquelas mesas se falar de tudo.
6 - Repartição do QG (Serviços de Pessoal).
7 - A Fortaleza foi fundada em 1696 pelo capitão-mor José Pinheiro. A reconstrução iniciou-se em 1753, sob o traço de Frei Manuel de Vinhais Sarmento, e teve continuação 13 anos mais tarde, sob a direcção do coronel Manuel Germano da Mata. Devido à pedra empregue na construção da fortaleza ser de origem ferruginosa, desgastando-se rapidamente com o tempo, a muralha teve que ser reconstruída novamente em 1946, era então governador o Almirante Sarmento Rodrigues. A fortaleza tinha, no seu interior, um terreiro quadrado com 150 metros sombreado por mangueiras, cujo fruto é muito saboroso.
8 - Sob o comando do Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, o Batalhão integrava a CCS e as C.ªs de Cav 487, 488 e 489. Arrancou de Estremoz, do RC 3, com a divisa "Sempre em Frente". A estadia na Guiné iniciou-se em Julho de 1963 e a comissão foi dada como finda em Agosto de 1965. Da actividade operacional, destaca-se a participação na operação "Tridente", na Ilha do Como, uma das operações militares de maior envergadura efectuadas pelas tropas portuguesas em todos os anos que durou a Guerra de África. Mas a acção do Batalhão não se resumiu a essa operação. Após o desembarque, com base em Bissau, desenvolveu várias acções na zona do Oio. Partiu para as Ilhas do Como, Caiar e Catunco em 14 de Janeiro de 1964 e só de lá saiu quando a acção foi dada por terminada, em 24 de Março de 1964. Passou então à quadrícula, assumindo, em 31 de Maio do mesmo ano, a responsabilidade do sector de Farim, que compreendia os subsectores de Cuntima, Jumbembem, Bigene e Farim e, a partir de 29 de Junho, o de Binta. Em 25 de Março de 1965 preparou-se para ocupar Canjambari (que estava dentro do sector à sua responsabilidade e que na altura estava nas mãos da guerrilha). Não foi uma acção fácil. Com a picada que ligava Jumbembem a Canjambari obstruída por enormes abatizes, emboscados e flagelados constantemente, apesar da vasta experiência das tropas, a ocupação só se deu por concluída em 31 de Maio de 1965. Em 15 de Junho o BCav 490 foi substituído no sector pelo Bat. Art. 733, tendo recolhido a Brá, onde ficou alojado até à data de regresso a Lisboa.
9 - Também conhecido pelo Solar dos 10.
10 - Servia para tudo, transporte de pessoal, correio, pequenas cargas, evacuações, reconhecimentos aéreos, posto de comando aéreo.
11 - Cacheu

(Continua)
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sábado, 27 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14802: Cancioneiro de Buba: "Oh! Xenhôr dos Matosinhos /, Oh! Xenhôra da Boa-Hora,/ Ensinai-nos os caminhos /P'ra desandarmos daqui p'ra fora!" ...(Manuel Traquina, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)



Manuel Traquina, ex-fur mil at inf,
CCAÇ 2382, Buba, 1968/70,

1. Diz o Manuel Traquina, alentejano, no poste  P7324 (*), que os seus 24 anos, passados em Buba, no dia 5 de junho de 1969, foram celebrados como deve ser e melhor regados com uísque do bom. 

Tinha já ele dois anos e meio de tropa e ainda lhe faltava mais um ano para a peluda, se lá chegasse com vida e saúde... Estava mais que farto... Estava "farto deles"... Estávamos todos "fartos deles",. camarada... 

"Eles" era muita gente, mas cada um lá sabía dos seus ódios de estimação...Nessa altura,. eu tinha apenas uma semana de Guiné, e já tinha chegado a Contuboel onde puseram a funcionar um pseudo centro de intrução militar... Éramos mais de 400, entre instrutores
e recrutas, a CART 2479 e a CCAÇ 2590 (reduzia a 60 gatos pingados)... Os nossos recrutas, do recrutamento local, eram mais de 3e deram origem às futuras CART 11 / CCAÇ11 e CCAÇ 12...


Ao fim de seis meses eu também já cantava o "Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que um homem sonha / O mundo pula e avança / Como  bola colorida / Entre as mãos de uma criança".. O poema era do António Gedeão, lembram-se ?...

Não admira, por isso, que a canção favorita em Buba, por esses tempos, fosse o "senhor de Matosinhos", com o Cardoso da 15ª Companhia de Comandos, à viola, e o Gonçalves da CCS do Batalhão 2834, no acordeão...

Cantava esta e outras, ao fim de seis meses, já "apanhado do clima"... Não admira, por isso, que o "senhor de Matosinhos"  fosse uma das canções favoritas da malta da Guiné, cantarolada por muitos de nós, nas noites de álcool, camaradagem e solidão... Não só por ser brejeira e divertida mas também pelo seu refrão, a que dávamos um sentido e um tom, sarcásticos, de contestação à tropa e à guerra... Em Buba, em Bambadinca, em muitos outros sítios... Julgo que a maior parte da malta não sabia a letra completa, mas todos sabiamos ao menos o refrão, muitas vezes cantado à moda do norte:

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.


2. Aqui fica a letra. recuperada de um sítio dos escoteiros, e reproduzida com a devida vénia... [Ar livre > Escotismo > Cancioneiro].

Li algures, mas ainda não pude confirmar, que o autor (da letra e da música) seria um tal Avelino Carneiro (1907-1961), natural de Telheiro, São Mamede de Infesta, Matosinhos, talentoso autor, amador, de alguns peças de teatro de revista (, a primeira das quais terá sido, em 1942, "O senhor de Matosinhos), levadas a cena no Porto mas também em Lisboa, no parque Mayer. 

Nada como a malta de Matosinhos para me esclarecer sobre este ponto... Por falta de tempo, não pesquisei mais nada sobre o "senhor de Matosinhos" que eu devo ter ouvido, pela primeira vez, na Guiné... E confesso que nem sequer sabia bem onde ficava Matosinhos... Só lá fui depois do 25 de abril, não à festa mas à terra, de gente boa, trabalhadora e hospitaleira... LG


Pom pom...

Da chidade da birgem, os dois,
Nós biemos há dias para cá,
A biagem foi bom mas depois
Ninguém biu o que a gente biu já.

Dizem que lá por Lisboa
A bida é boa, boa bai ela,
Mas só se bêem p'las ruas
Catraias nuas, ó lariló lé las.

Por isso como em Paranhos
Há paus tamanhos que é de 'spantar,
Na Baixa ou no Arrebalde
São de ramal os paus no ar.

Refrão

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.

Pom pom . . .

Sant' Antoninho da Estrada,
Não digas nada, de tudo isto,
Quinté já sinto ingonias
Das porcarias que tenho bisto.

Ind' ontem ali na abenida,
Uma astrebida de perna à bela
Quis m' agarrar na mãozinha,
Mas, coitadinha, lebou com ela.

Refrão (...)



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  Nota do editor:

(*) Vd poste de 23 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7324: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina (8): Dia de Aniversário

Guiné 63/74 - P14801: Parabéns a você (927): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14789: Parabéns a você (926): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16 e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14800: Memória dos lugares (297): O Rio Geba e o macaréu no Xime (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74 / José Martins Rodrigues, ex- 1º cabo aux enf, CART 2716, Xitole, 1970/72)


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 5


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1973/74) > Xime > Rio Geba > c. 1973/74

Fotos ( e legendas): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Estas fotos [, nºs 4, 5, 6 e 7,] mostram um fenómeno natural que poucos rios no mundo podem mostrar: o macaréu no rio Geba Trata-se de uma onda que se forma na confluência do "Geba estreito" com o "Geba largo".

Enquanto, no momento mais baixo da maré, a água do Geba estreito corre para a foz a grande velocidade e com grande caudal (rio de planície), no mar, e por isso também no "Geba largo" a maré começa a subir rapidamente devido à grande amplitude das marés. 

Este encontro das duas águas provoca uma onda que sobe o rio lentamente (a cerca de 10 a 20 Km/h ???). A sequência desta onda pode ver-se nestas fotos. Na época das chuvas esta onda pode atingir, perto de um metro ou um pouco menos (???). No fim da época seca apenas se observa uma pequena perturbação das águas. Nesta foto não se vê com muita nitidez essa onda,

Foto nº 4 - O rio Geba estreito, na maré vazia ], do lad esquerdo, a margem sul, onde se situava o quartel e tabanca do Xime; do lado direito, a margem norte, onde se situava a tabanca e o destacamento do Enxalé]:

Foro nº 5 - Já se pode ver [ e , "in loco", ouvir...]  o macaréu ao longe;

Foto nº 6 - Uma visão perfeita do macaréu à passagem junto ao cais do Xime [onde estava o fotógrafo];

Foto nº 7 - Após passar o cais,  vimos essa onda "pelas costas" e dá uma ideia de que não existe. Era bastante perigosa para os barcos pequenos que subiam o rio e talvez por isso se verificaram alguns acidentes graves [, caso de um sintex, com a companhia anterior no Xime, a CART 3494, em 10/8/1972, em que morreram três camaradas nossos ].  Neste ponto foi afundada uma das duas canoas que se encontravam na margem [norte].

António Manuel Sucena Rodrigues

[ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74]

2. Comentário do editor:

Temos dozes referências a este marcador, macaréu... Há um vídeo do nosso camarada José Martins Rodrigues, aquando da sua primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, em que ele filmou o macaréu no Xime, no dia 10 de Abril de 2001. O vídeo (6' 58'') está alojado no You Tube, na conta do nosso coeditor Carlos  [Esteves] Vinhal. Tomámos a liberdade de incorporá-lo neste poste.

O José Martins Rodrigues, nosso grã-tabanqueiro,, foi 1º cabo aux enf,  CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72). A sua primeira viagem à Guiné-Bissau, depois da guerra, foi em 1998.




O macaréu no Rio Geba, Xime, 10/4/2001.

Autor: José Rodrigues Martins (2001) 
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (294): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


O primeiro "bate-estradas" que recebemos logo no início oficial do verão... Esperemos que seja o primeiro de muitos, a "pôr na caixa de correio", este verão, pelos amigos e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande... O pretexto é o verão, as férias (para quem as tem...), o passado, o presente e o futuro, a Tabanca Grande e os grã-tabanqueiros, a Guiné que conhecemos, a vida, o Portugal que amamos... Enfim, aproveitem, os menos assíduos nos últinos tempos, para dar notícias e "fazer a prova de vida"... (LG)



1.  Mensagem, de 21 do corrente, do nosso camarada  Mário Gaspar [ ex-fur mil at art,  minas e armadilhas,  CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:


Caros Camaradas e Amigos

Toda a minha vida foi feita de pedaços. A guerra travou os meus passos. Ainda longe da hora da partida, já me antecipava ao tempo. Nunca o escondi, quando era questionado pela frieza dos textos que escrevia, e com ousadia, respondi que me identificaria sempre como Mário Vitorino Gaspar, primeiro por ser o meu nome de baptismo, e de seguida que “Gaspar” (nome do pai) e Vitorino (nome da mãe). Então, visto que se tratava de responsabilidades, era totalmente responsável. Até na carteira profissional de jornalista – que um senhor Secretário de Estado da Comunicação Social, me obrigou a tirar para simplesmente ser director de um Jornal.

Lembro que em 1996 não escrevia – gatafunhava o meu nome numa ficha de trabalho, e assinava os cheques do dia-a-dia. Tratei sempre tudo pelos seus nomes.

Jorge Manuel Alves dos Santos,  o primeiro presidente da APOIAR – Associação que ambos fundámos em novembro / dezembro de 1966   – disse que eu era o director do Jornal. Disse-lhe que não e que escolhesse outro, insistiu e aceitei, do mesmo modo que aceitei – mas contra vontade própria – de partir para Guiné. Fui para a Guiné a 100% – de responsabilidades – e cumpri até último milímetro a minha missão. Fi-lo com ajuda de todos, dos meus heróis – os soldados.

Na APOIAR cumpri não só como dirigente – cerca de 11 anos – como na guerra fui tudo. No primeiro mandato: vogal (pouco tempo), secretário e simultaneamente vice- presidente. No segundo mandato, fui  vice-Presidente. Estes mandatos eram de 2 anos. Depois sou eleito presidente, mas com a alteração estatutária os mandatos eram de 3 anos.

Posso dizer, ao contrário do que todos nós que lá estivemos, não ganhámos mais que a amizade e camaradagem, o resto – a guerra perdemos – e só não o sabia por não querer – A guerra estava perdida.... desde o início.


Folha de rosto da revista Apoiar, nº 34, out/dez 2004. O Mário Gaspar foi o diretor durante nove anos (1996-2004)


Mas na APOIAR ganhámos e orgulho-me por termos conquistado os principais objectivos: Reconhecimento da Doença – Perturbações do Stress Pós-Traumático (PTSD), há quem não pense assim. Conquistámos ainda que fosse criada uma Rede Nacional de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress Pós-Traumático de Guerra, abrangendo a família.

Para tal lutámos, contra tudo e todos, até contra aqueles que deveriam estar a apoiar a APOIAR, como nos disse numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS, o amigo saudoso Coronel Marques Júnior:
– Eu apoio a APOIAR!

E foi a partir desta reunião que ganhámos a batalha. Após publicada lutámos pela promulgação e vencemos. Tudo aprovado por unanimidade.

Mas parar era morrer. Assinei em nome da APOIAR um protocolo com o Ministério da Defesa Nacional. O senhor Ministro da Defesa pretendia que discursasse e recusei. Recusei, e por 3 vezes, por considerarmos nada termos a agradecer. O Reconhecimento da Doença, a Criação da Rede e a Assinatura do Protocolo eram questões fundamentais, e ganhámos – com empenho meu que estive de coma 16 dias após um enfarte cardíaco.

Tinha a certeza que tínhamos vencido aquela batalha, mas havia muito tempo à nossa frente.

Posso dizer e com orgulho, Portugal começou finalmente a falar na Guerra Colonial – nesta do “Colonial”, é divisória por existirem camaradas que a denominam como Guerra do Ultramar, mas eu, e à minha inteira responsabilidade, considerei sempre o termo “Colonial”, até por o “Ultramar” só existir em Portugal. Além de se começar a falar daquela guerra em que no regresso nos chamaram de criminosos e traidores – ainda parti uns dentes a alguns senhores – mas editaram-se livros, fez-se teatro e cinema,  grandes Reportagens e entrevistas.

Entretanto algo correu mal – Contagem do Tempo do Serviço Militar, e Consoante Consta nas Cadernetas Militares ou nos Atestados Passados para o Efeito – o termo completo utilizado. DERAM UMA ESMOLA AOS COMBATENTES e aqueles que estiveram na Guiné mais prejudicados. Mas era uma batalha que considerei sempre que ganharíamos. Esgotei os mandatos e não me podia candidatar.

A luta estava bem encaminhada e a APOIAR estava em todo o país. Existiam acordos com as Câmaras Municipais de Almeirim, Benavente e Torres Novas, embora existissem compromissos de todas as Câmaras do distrito de Santarém, exceptuando Sardoal, Fátima e Ourém – aguardávamos datas para efectuar reuniões. Setúbal e todo o distrito. Nestas localidades seriam criados Centros de Apoio com apoio autárquico, bastando assinar protocolos e avançar com os bons técnicos que a APOIAR possuía. Existiam ainda acordos com os Centros Regionais de Saúde de Lisboa, Santarém e Setúbal.

Então foi tudo abaixo. Vi a derrota à distância. Lutar era treta. Os nossos doentes afectados pela guerra são gozados autenticamente: “Doença Nova”, “Doença do Doutor Afonso de Albuquerque”. Houve quem engolisse em Tribunal – o Senhor Oficial faleceu – não vale a pena dizer o nome. Estive do lado do Doutor Afonso de Albuquerque que foi ofendido e ganhou-se a acção.

Mas perdeu-se tudo. Nem sequer podemos dizer o mesmo que Dom Afonso IV disse ao Rei de Castela quando vencida a Batalha do Salado – isto consta nos livros –, o Rei de Portugal disse:
 – Não quero riquezas, basta-me a graça de Deus e a glória de ter vencido.

Perdeu-se uma batalha decisiva e com o poder, a força da razão do nosso lado, por não se ter lutado e continuam “impávidos e serenos, e de joelhos na terra pedindo que não nos roubem o protocolo”.

O que escrevo hoje é somente um pouco de tudo que havia para dizer. Envio em anexo jornais exemplificativos da APOIAR que podem testemunhar o que digo, aliás têm acesso a todos através do site da APOIAR.

Amor em Tempo de Guerra é um exemplo. Os artigos não assinados são todos meus.

Alguém pergunta:
 – O que fazem as Associações de Ex-Combatentes?

O nome de Ex-Combatentes diz tudo. Não são Combatentes e o General Joaquim Chito Rodrigues tem razão quando diz que não somos Ex-Combatentes mas Combatentes.

Pois, Luís, Carlos e todos os Camaradas, ando desiludido com aquilo que vejo suceder no dia-a-dia. Falam comigo e queixam-se. Estou doente mas luto, sozinho sou um inválido. Faço barulho com razão e…

“Começo a conhecer‑­me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor.”


Fernando Pessoa


Há que bater com os chinelos no corredor. E foi a única razão para colocar esse meu ídolo da poesia – o maior poeta do mundo – Fernando Pessoa.

Falando disso muito mal está a nossa literatura. Quem leu, leu… Quem não leu...  Estive na FNAC e existem poucos escritores a serem reeditados tais como José Cardoso Pires e Vergílio Ferreira e mais um ou outro. O Pessoa é favorecido. 

Mas Camilo Castelo Branco; Alves Redol (conheci pessoalmente e escutei muitas histórias que tenho gravadas na memória); Soeiro Pereira Gomes (amigo da personagem de Esteiros, o Gineto que é Joaquim Baptista Pereira); Eça de Queiroz; Branquinho da Fonseca; Urbano Tavares Rodrigues (conheci pessoalmente e até em debates da APOIAR); Aquilino Ribeiro; Manuel da Fonseca; Carlos de Oliveira; José Cardoso Pires, era bom que reeditassem “O Render dos Heróis”, “O Hóspede de Job” e “O Anjo Ancorado”; Domingos Monteiro; Agustina Bessa Luís (não gostava); porque não Albino Forjaz Sampaio; Almada Negreiros; Rómulo de Carvalho; Ary dos Santos; Augusto Abelaira; Cesário Verde; David Mourão Ferreira; Fernando Namora; José Gomes Ferreira (conheci pessoalmente); José Régio; Luís Francisco Rebelo; Luís de Sttau Monteiro; o nosso camarada Padre Mário de Oliveira (tenho os livros do Julgamento Subversão ou Evangelho, que tem a colaboração de um Advogado e O Segundo Julgamento do Padre Mário, escrito com vários Jornalistas); Mário de Sá Carneiro; e por que não Miguel Torga que teve recentes publicações; Romeu Correia (gostei muito); Ruy Belo; Guerra Junqueiro e mais.

Longo este percurso interrompido, nunca mais li um livro,  o último foi na Guiné.

Se quiserem publicar publiquem. Estou farto… Foi escrito sobre o joelho, só parei no poema de Fernando Pessoa e com o bater dos chinelos no corredor.

Despeço-me por hoje e por uns dias, saio daqui a pouco de Lisboa.

Cumprimentos, para todos os camaradas

Mário Vitorino Gaspar

Guiné 63/74 - P14798: Notas de leitura (731): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Continua a haver uma grande expetativa sobre documentos inéditos que ajudem a iluminar certos protagonismos e a condução da luta armada, bem como a vida do que se convencionou chamar a I República, conduzida por Luís Cabral. A publicação recente destas "memórias" não deixaram de constituir um acontecimento, mas sente-se uma grande deceção, era esperável que ao longo do seu exílio em Portugal Luís Cabral deixasse uma obra mais acabada. Iremos agora ver os episódios à volta da independência, em 1974, reler os seus discursos e por fim tomar nota de uma inacreditável entrevista conduzida pela organizadora desta obra, Ângela Benoliel Coutinho.

Um abraço do
Mário


O regresso das memórias de Luís Cabral (2)

Beja Santos

É inquestionável a importância do que escreve Luís Cabral em “Memórias e Discursos”, edição da Fundação Amílcar Cabral, 2014. O antigo presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau deixou textos inéditos ora publicados que nos devem merecer a melhor atenção. Vamos ao essencial. Regista as suas lembranças na infância, na Ilha de Santiago. Em curtos, e por vezes em sincopados apontamentos, derrama notas sobre o início da luta armada, é impressivo em pormenores como a viagem acidentada de Gilles Caron, um fotógrafo e cineasta que vinha fazer um filme-documentário sobre a luta do PAIGC e do qual nunca houve mais notícias, embora Luís Cabral anote que ele fez fotografias maravilhosas. Vê-se que eram notas que um dia iriam ser trabalhadas.

São memórias que exigem leitura atenta porque o que ficou são por vezes águas-fortes, um incisivo mas agudo olhar, uma impressão íntima. Como aquele Joãozinho que tinha vindo da Guiné-Bissau para o assassinar, em Ziguinchor, e que se entregou, faltara-lhe coragem para o homicídio. Tal como fez em “Crónica da libertação” exalta Amílcar Cabral e o seu génio político, como foi ascendendo no tablado internacional, atraindo ao território da guerrilha intelectuais, artistas, jornalistas, até que, em 1972 chega uma missão especial do Comité de Descolonização da ONU, em resultado da qual se abriram as portas que levaram ao reconhecimento internacional da República da Guiné-Bissau. Assim se caminha para a interpretação que ele faz dos motivos do assassinato de Cabral. A Direção estava centrada noutras preocupações e não se apercebeu que, como ele classifica, a traição estava a ser preparada por cadastrados e agentes do colonialismo, naquele ano de 1972, o importante naquele tempo era a preparação das eleições e contrariar a presença das forças portuguesas que se tinham instalado em novos quartéis em pontos estratégicos, nas áreas de produção de arroz, como Mato Farroba e Chugué, o que obrigou militantes da segurança a serem enviados para a Frente Sul. Em Conacri, pululavam pessoas como Inocêncio Kani que vendiam bens do Partido, e comenta:
“Embora estas ações fraudulentas não tivessem ainda chegado ao conhecimento da Direção, sentia-se que o ambiente não era o mesmo. Acentuava-se cada vez mais o fosso entre, de um lado, os dirigentes, responsáveis e militantes íntegros, conscientes dos seus deveres, e que se sentiam ligados aos rigores da luta, e do outro, os que queriam aproveitar-se dos bens destinados a cobrir as necessidades da luta, para gozo pessoal”.
Quem lê esta descrição poderá subentender que o se irá passar à volta do assassínio do líder do PAIGC era uma questão moral, entre íntegros e predadores.

Luís Cabral

Um pouco à semelhança do que escreveu em “Crónica da libertação”, narra o seu sofrimento quando se inteira da extensão e da envergadura da conspiração, fala de um grupo de antigos responsáveis, alguns deles com altas funções no passado, desprestigiados, que se associaram com agentes enviados de Bissau e que tinham como objetivo final aliar-se ao “programa de paz” do governo colonial. Segue-se a reação, o PAIGC agiganta-se, recebe os mísseis Strella. Entretanto, os criminosos encontravam-se em poder das autoridades guineenses, que conduziram os interrogatórios:  “Sempre esperámos que nos fossem dadas cópias desses interrogatórios, o que infelizmente não aconteceu. Também pensámos que nos seria possível fazer o nosso próprio interrogatório aos criminosos em Conacri, num ambiente de segurança e tranquilidade, não seria possível conseguir na fronteira. Nada disso foi possível, e as autoridades decidiram que os criminosos seriam postos em vários pontos da fronteira”.

Fidélis Cabral d’Almada, responsável da justiça do PAIGC, ainda organizou o interrogatório de quem foi entregue no Leste. Luís Cabral escreve que Aristides Barbosa confessou que estavam ainda na prisão da PIDE em Bissau quando foram mobilizados para esta criminosa missão. Estamos a falar do mesmo Fidélis Cabral d’Almada que pediu perdão no IV Congresso do PAIGC pela natureza bárbara dos interrogatórios praticados, era impossível não confessar tudo com tantas e tais atrocidades. E regista, sem apelo nem agravo, uma acusação maior:
“Osvaldo Vieira, membro do Conselho de Guerra, não teve a possibilidade de apresentar uma defesa aceitável contra acusações que pesavam sobre ele. As dúvidas prevaleceram. O Congresso decidiu, por isso, dar mais tempo à Segurança para aprofundar o inquérito, ficando Osvaldo com residência fixa em Koundara. O principal ponto de acusação contra este dirigente baseava-se num bilhete que lhe dirigiu um dos criminosos, no momento em que eram conduzidos para a frente Leste, dizendo-lhe textualmente ‘tudo está arrumado, seguimos para a fronteira e ficamos lá à tua espera’. O Osvaldo estava nesse momento em Koundara, a carta foi confiada por um dos criminosos, João Tomás Cabral, ao comandante do quartel guineense nessa localidade, que a fez chegar às mãos do responsável da nossa Segurança, Otto Schacht”.

Enumera as decisões do II Congresso, depois refere a chegada de Rafael Barbosa a Morés, queria seguir para Conacri, ficou detido, impunha-se apurar as ligações que o antigo presidente do Comité Central do PAIGC estabelecera com os assassinos de Amílcar Cabral. Relata a primeira reunião da Assembleia Nacional Popular e a proclamação do Estado independente, em 24 de Setembro de 1973. É em Madina do Boé, nesse dia que Luís Cabral, na qualidade de presidente Estado profere um discurso em que a propósito dos direitos dos cidadãos livres do novo Estado soberano escreveu o seguinte:
“Nenhuma pessoa honesta na nossa terra deve ter medo de dizer o que pensa, e pode dizê-lo a todos os responsáveis dos órgãos do nosso Estado, seja qual for o nível dessa responsabilidade. Não podem existir razões que justifiquem a criação de grupos de descontentes no seio da nossa sociedade, salvo quando se trate de elementos maus, de criminosos e agentes do inimigo, do nosso povo e da África, para a neutralização dos quais o nosso Estado tem de ser capaz de tomar todas as medidas que se impõem para a segurança do nosso povo e da sua revolução. Para mais eficazmente isolar esses maus elementos que tentarão sempre destruir as nossas vitórias com o cancro da corrupção e da traição, devemos mobilizar todos os meios e todas as forças patrióticas e honestas da nossa terra. Vivemos uma dura experiência com o cobarde assassinato de Amílcar Cabral. Esta dura experiência está bem presente no espírito de todos os combatentes da nossa luta e deve servir de exemplo para a organização da vigilância necessária à defesa e segurança do nosso Estado”.

Importa aqui dizer que as figuras proeminentes da segurança, Otto Schacht e Buscardini, foram liquidados no golpe de 14 de Novembro de 1980.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14782: Notas de leitura (730): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (296): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 > O grande porto fluvial do Xime, no final da guerra...  O cais do Xime em dia de barco, visto do  quartel


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 A >


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 B > Até aqui chegavam autocarros de passageiros!... Não dá para acreditar!... Mas com a com a nova "autoestrada", Xime-Piche (não sei se chegou mesmo a Buruntuma em 1974!),  era já possível recorrer a autocarros de passageiros para transportar o pessoal que aqui desembarcava...


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 B > O grande porto fluvial do Xime, no final da guerra... O leste também era um grande fornecedor de carne bovina para o "ventre da guerra"... Estas cabeças de gado aguardavam transpote para Bissau.


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 1 > Rio Geba visto para montante a partir do aquartelamento do Xime,


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 2 > O cais do Xime em dia de "folga" (não havia barco nesse dia),  visto do quartel

Fotos ( e legendas): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Fotos do cais do Xime, enviadas hoje  (juntamente com outras do Rio Geba e do macaréu) pelo António Manuel Sucena Rodrigues,  
[, foto à esquerda, em Ortigosa, Monte Real, no 3º Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 17/5/2008; 

António Manuel Sucena Rodrigues foi fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74;  

formou-se em engenharia;

vive atualmemnte em Oliveira do Bairro; 

está reformado]

2. Comentário de L.G.:

António:  Tinhas estas fotos... e não dizias nada ?!... Obrigadão...

Tinhas a obrigação de reconhecer aqueles sítios (*)... Claro que era o cais do Xime, em fevereiro de 1970, visto da LDG em que ia o Jaime Machado (e o seu Pel Rec Daimler 2046) para Bissau, acabados de embarcar...

Nessa altura,  nós (CCAÇ 12) andávamos a abrir a nova estrada,
Anónio M. Sucena  Rodrigues, ex-fir mil,
CCAÇ 12 (1972/74)
depois alcatroada (, o alcatrão já não é do meu tempo, mas em março de 1971, quando me fui embora, a nova estrada Bambadinca-Xime  já estava quase pronta para levar o alcatrão)...

Não sei muito bem como era o cais no teu tempo, visto do rio... Sei que a zona portuária ficou mais desafogada, por causa dos carros e do embarque/desembarque de homens e material...  Como se pode ver bem, nas totos que mandaste... Se tiveres mais fotos do Xime (do teu tempo da CCAÇ 12, 1972/74), manda...


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Guiné 63/74 - P14796: Blogpoesia (417): Em surdina..."Durou tão pouco. / Depois da escola, / veio a guerra, / foi-se paz..." (J. L. Mendes Gomes, autor de "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013)


J. L. Mendes Gomes, foto de perfil, Facebook


Em surdina...


por J. L. Mendes Gomes


[foto atual à esquerda;
ex-alf mil,  CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; 
autor de Baladas de Berlim, Lisboa, Chiado Editora, 2013, 229 pp.]



Com brandura e pézinhos de lã,
vamos abandonar o barco,
deixemo-lo seguir,
tomemos nosso destino,
à nossa conta.

Vamos para um lugar distante,
onde não cheguem estes ventos
de desvario louco,
e comecemos tudo de novo.

Enterremos bem fundo,
sob as profundezas mais profundas,
estas horas e anos
de desatino,
que avassalaram nossas vidas,
fazendo crer
que assim deveria ser
até ao fim.

Nunca mais poderíamos sonhar,
como quando éramos meninos,
tudo era belo e lindo
e o céu azul,
cheio de sol.

Durou tão pouco tempo.
Depois da escola,
veio a guerra,
foi-se a paz, 
apagou a chama da esperança.
Veio a derrota,
o abandono ao desbarato.

Por fim, fomos invadidos 
por esta horda de irresponsáveis...
Tudo destruiram.
E até a nós, se não fugíssemos...


Berlim, 25 de Junho de 2015, 7h39m

à hora em que o nosso cãozito Mozzi, 
um companheirão de há dezasseis anos, 
está agonizando em paz,
ao pé de quem ele amou... e nós a ele...

Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor:


Último poste da série > 19 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14768: Blogpoesia (416): A senhora Sexta-Feira, que vivia em Ganjola, a doce companheira do senhor Brandão (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, "Os Palmeirins", Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14795: Fotos à procura de... uma legenda (56): por aquele rio Geba... abaixo: que porto fluvial seria este ?


Foto nº 1 - A 


 Foto nº 1 - B


Foto nº 1 - C


Foto nº1 - D


Foto nº 1 

Guiné > Rio Geba >  c. 1970 > Um porto fluvial, visto de uma embarcação que se dirige a Bissau... Será Bafatá ? Será Bambadinca ? Será Xime ? Será Porto Gole ? Será Gampará ? Será Jababá ? Será Cumeré ? Será Ilha de Rei ? ... O que será ? (A foto nº 1 foi ampliada e editada.)


Foto: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de junho de  2015 > Guiné 63/74 - P14784: Fotos à procura de... uma legenda (55): a arte bem lusitana de viajar em LDG - Lancha de Desembarque Grande

Guiné 63/74 - P14794: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (14): Este Feminismo... é "muinta" feio!

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 16 de Junho de 2015:

Aqui vai uma tentativa de participação com um texto que me foi sugerido num convívio a que fui.

Um Ab.
TZ


A MINHA GUERRA A PETRÓLEO

14 - Este Feminismo é muinta Feio!

Sabemos por experiência da nossa vida que as chamadas causas fracturantes, entre as quais o feminismo se encontra, começam por se afirmar de modo exuberante e muito contestatário, agressivo até. No fundo, trata-se de uma afirmação da subversão. Naquele tempo, aprendemos a atribuir a esta palavra uma carga negativa, quando ela pode ser aplicada a diversos sectores da vida como, por exemplo, às artes.

As artes são frequentemente sacudidas por um grupo de artistas que concluem que a sua arte não está a evoluir e se limita a repetir indefinidamente os mesmos procedimentos, a apresentar o mesmo tipo de obras, tanto que, às vezes até dá a impressão de que se entrou a copiar, reduzindo a inovação a pormenores.

Nessa altura, o tal grupo resolve “virar a mesa” e tornar-se notado pela agressividade com que faz a contestação às práticas artísticas até aí vigentes. Não há outra maneira de o fazer. Só se fazem modificações profundas… modificando profundamente.

São então contestadas as regras e as normas que até aí se seguiam, essencialmente perguntando porque é que se faz assim e se não se poderá fazer de outro modo. E, normalmente a resposta dos conservadores é pouco satisfatória, quando não é tão absurda como “sempre foi assim! Mudar para quê?

Dei toda esta volta bastante larga para vos recordar que o feminismo que conhecemos nos anos setenta está hoje ultrapassado, mas que quando surgiu teve de o fazer de forma ruidosa e contestatária, pondo em causa as regras do funcionamento da sociedade até aí tidas como imutáveis. Hoje, aceitamos e defendemos, todos, certos princípios, procedimentos e valores que, naquela altura, tínhamos como ridículos e destituídos de senso.

Nós próprios assimilámos as novas normas e, hoje, achamo-las normais e aceitamo-las como se não houvesse outras.

Mas é frequente que a tal corrente ou grupo contestatário vá para além do admissível resvalando rapidamente para excessos que não estavam de todo no espírito dos contestários que deram o seu melhor, colidindo ruidosamente com a “ordem estabelecida” e enfrentando corajosamente os conservadores, frequentemente retrógrados e ansiosos de que nada mude.

Isto vem a propósito do que tem sucedido ultimamente nos convívios de ex-combatentes a que tenho ido. Tendo pertencido a quatro unidades de nível Companhia tenho sempre que fazer cinco saídas - uma com o blog - para os convívios anuais, aos quais, como é hoje frequente e bem, comparecem também esposas, companheiras, irmãs, em suma: raparigas da nossa geração.

Pois ultimamente em dois desses convívios circulou e impôs-se rapidamente a “novidade”: senhoras para um grupo de mesas e homens para o outro. Nem queria acreditar no regresso machismo, mas de sinal contrário. Vocês lembram-se de que nas festas antigas, as mulheres iam para lado falar “lá das coisas delas” e os machões latinos iam para outro falar dos “seus assuntos”, normalmente “gajas” e aventuras similares não incluídas nos 80% da votação do último inquérito do Luís Graça. E não houve maneira de as convencer. Depois, perguntei as razões para este retrocesso e aí é que eu fiquei cheio de dores no espírito. Eram elas que achavam desinteressantes “aquelas coisas deles” (muitas vezes repetidas), aquela violência toda que não faz sentido nenhum e que “já aconteceu há tanto tempo”. Assim ficavam no aconchego da sua conversinha sobre “cá as nossas coisas delas”. Ainda me disseram que, alguns, no regresso a casa, vinham enervados e perturbados, o que justificaria, por si só uma maior atenção (digo eu…). Sentiam-se mal em contacto com os homens que falavam alto, diziam asneiras e davam palmadas uns nos outros. Alguns riam-se e outros… até choravam. Uma balbúrdia! Uma verdadeira desgraça!

Isto não pode acontecer no meu país!

Todos e todas somos portugueses (talvez infelizmente) e a solidariedade entre homens e mulheres é um valor que já chegámos à conclusão de que devemos cultivar, especialmente nos da nossa geração. Claro que algumas só ouviram falar “daquilo” depois de casadas, mas outras, através das cartas, sabiam bem o que por lá sucedia. E às que só souberam depois de namoradas e casadas ocorre perguntar: em que país é que viveram durante aqueles anos? Como é possível que tudo lhes tenha passado ao lado? É capaz de ser uma questão cultural, digo eu que sou mauzinho…

Já tenho pensado que se tivéssemos estado presos durante dois anos, longe dos nossos e delas tivéssemos mais aceitação. É que o ambiente concentracionário é mais compreensível, por estar mais visível. E aquelas fotos dos “quartéis” não estimularão a imaginação sobre a maneira como ali se vivia? E a alimentação repetitiva e confeccionada como podia ser? E as horas de sol e de chuva, com o suor a escorrer em bagas grossas? E o paludismo, as matacanhas e outras bichezas que o National Geogrphic ali regista?

Como viram não falei da guerra em si. Essa sim é que é difícil de imaginar.

Não falei das minas, das emboscadas, das flagelações do regresso das colunas ou das patrulhas com um camarada em padiola ou às costas. Isto seria mais difícil de imaginar.

Donde virá esta repulsa que se instalou em algumas das nossas companheiras ao ponto de se dedicarem a banalidades?

Mas o pior é que hoje, nos nossos convívios falamos da “guerra”, pois sim, mas certamente, já há muito que outros assuntos começaram a ser falados: os filhos, os netos, a política (porque não?), da saúde ou falta dela e tantos outros relacionados com o funcionamento do país que nos disseram que íamos servir e defender (de quê?) e no qual, no fim de tudo, nos revemos. Talvez porque não temos outro…

Peço, portanto, aos organizadores dos convívios que evitem esta prática sexista - mulheres para um lado e homens para o outro - que não é digna de cidadãos de corpo inteiro num país civilizado, que nós teimamos em tentar ser. Às mulheres peço que não esqueçam o seu papel de companheiras - uma conquista positiva do feminismo - iguais em direitos, mas também em deveres, que passam por aceitar o outro tal como a vida o foi fazendo e muito mais agora quando a idade pesa. Acima de tudo somos companheiros e amigos uns dos/as outros/as e “Cidadões” e Cidadonas(?) que não devem aceitar o retrocesso civilizacional que representa a separação fundamentada no sexo. Senão… vamos arrepender-nos. Mas já começamos a estar habituados.

Mem-Martins, 16 de Junho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14572: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (13): Uma da nossa Intendência