Fotos: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
1. Mensagem de Hélder Valério de Sousa [ ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche eBissau, 1970/72]
Data: 30 de setembro de 2015 às 15:21
Assunto: Ainda as "viagens de férias". A propósito da "sondagem/inquérito".
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 5 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)
Data: 30 de setembro de 2015 às 15:21
Assunto: Ainda as "viagens de férias". A propósito da "sondagem/inquérito".
Caros camaradas
A Guiné tinha a 'vantagem' em relação aos outros TO (Angola e Moçambique) de ser mais perto e os custos das viagens serem menores. Daí que, para aqueles que tinham meios económicos próprios, ou que os conseguiram obter, a partição (quando possível) do período da comissão em três permitia as tais duas viagens. Foi o que aconteceu comigo. Cheguei lá na primeira metade de Novembro de 70 e vim de férias na segunda metade de Julho de 71, oito meses depois, sensivelmente. A 2ª viagem foi de meados de Março a meados de Abril de 72, também sensivelmente.
Não me recordo se avisei da data exacta da chegada para me irem buscar ao aeroporto mas acho que sim pois já tenho ouvido dizer que vinha 'muito magro e que um braço dava para agarrar pela cintura' (tomara agora essa 'elegância'....).
Retenho que no imediato me sentia como se estivesse num local estranho, as coisas, o movimento à minha volta não se encaixavam no meu (re)conhecimento. Parecia que estava 'no ar'.
Estive com amigos da "vida artística", de várias interpretações de como a sociedade devia evoluir.
Tive uma longa confraternização (quase um dia) com um amigo que entretanto tinha mudado de nome e de morada, onde se discutiu muito sobre a situação do País e da guerra, em particular da Guiné. Estive com outros que me davam outras perspectivas. Cada um procurava captar a minha atenção e simpatia. Fui-me mantendo equidistante, mas atento.
Aquando dessas minhas férias, em Agosto de 71, já era mais conhecido como "Mesopotâmia".... acho que injustamente, mas era um 'sinal dos tempos'....
Hélder Sousa
Incentivado pelo comentário do Carlos V e, já agora, pelo que ele escreveu relembrando as suas férias, posso acrescentar mais alguma coisa às minhas, que entretanto foram sendo relembradas. Enquanto escrevia vi o comentário do Luís sobre o casamento, mas sobre esse assunto, as razões, os motivos, podem ficar noutro artigo.
Realmente o custo das viagens de ida e volta deveria ter sido então os tais 6.190$20 que foram liquidados em prestações. Acho que sim.
É bem verdade que isto que nos foi proposto para relembrarmos as nossas férias (*), onde foram passadas, se é que foram, e quantas vezes, não é uma verdadeira sondagem (palavra agora muito em voga), é apenas um inquérito, um incentivo à participação e que também pode servir para 'medir' mais coisas, por exemplo os nossos "estados de alma", a situação da chegada, a ansiedade, ou não, do regresso, e também sobre a capacidade económica de quem veio gozar férias à "Metrópole".
Não é certamente surpresa para ninguém que naqueles tempos a diferenciação 'social' e por extensão a hierarquia militar originasse situações de potencial económico diferentes para as diferentes 'camadas'. Por isso as respostas ao "inquérito" acabam por reflectir isso mesmo, não vejo razão para criticar a existência, em si mesmo, da "sondagem", basta mudar o nome e concluir o que já foi referido e que é que também, ainda hoje é assim, aqueles que tinham um enquadramento mais baixo tinham, em regra, menores habilitações, menores rendimentos e como tal, também de um modo geral, acedem menos a estes meios informáticos, pelo que a sua "amostra" fica prejudicada. Mas explicada.
Voltando às viagens...
A Guiné tinha a 'vantagem' em relação aos outros TO (Angola e Moçambique) de ser mais perto e os custos das viagens serem menores. Daí que, para aqueles que tinham meios económicos próprios, ou que os conseguiram obter, a partição (quando possível) do período da comissão em três permitia as tais duas viagens. Foi o que aconteceu comigo. Cheguei lá na primeira metade de Novembro de 70 e vim de férias na segunda metade de Julho de 71, oito meses depois, sensivelmente. A 2ª viagem foi de meados de Março a meados de Abril de 72, também sensivelmente.
Quanto às reacções quando cheguei e às vésperas do regresso, acho que não foi muito diferente do que já li por aqui, claro que com a 'nuances' próprias.
O Hélder Sousa no seu quarto em Bissau (c. 1971/72)... Elegantíssimo |
Retenho que no imediato me sentia como se estivesse num local estranho, as coisas, o movimento à minha volta não se encaixavam no meu (re)conhecimento. Parecia que estava 'no ar'.
Aos poucos fui-me habituando mas o que mais me caracterizava era o meu mutismo, coisa estranha para a maioria dos amigos, já que eu era um tanto expansivo. Visitei os vários familiares procurando vincar que 'estava bem'. Fiz uma quinzena de férias na Nazaré, na casa do costume, da D.ª Maria José e do Sebastião Pinto Caneco.
Lembro-me de olhar por vezes à volta e aquela alegria toda do pessoal na praia, ao sol, no mar, etc., me incomodava quando o pensamento voava para a Guiné (e isso acontecia frequentemente), sendo que aí recordava uma passagem dum poeta português que, estando em Angola, reflectia sobre o que se passava na rectaguarda e escrevia ".... em Lisboa, na mesma, isto é, a vida corre!". Assim era ali também.[O poeta é o Manuel Alegre, que escreveu o já clássico "Nambuangongo, meu amor", e que curiosamente voltou a Nambuangongo, 48 anos depois, em 2010.] [LG].
Lembro-me de olhar por vezes à volta e aquela alegria toda do pessoal na praia, ao sol, no mar, etc., me incomodava quando o pensamento voava para a Guiné (e isso acontecia frequentemente), sendo que aí recordava uma passagem dum poeta português que, estando em Angola, reflectia sobre o que se passava na rectaguarda e escrevia ".... em Lisboa, na mesma, isto é, a vida corre!". Assim era ali também.[O poeta é o Manuel Alegre, que escreveu o já clássico "Nambuangongo, meu amor", e que curiosamente voltou a Nambuangongo, 48 anos depois, em 2010.] [LG].
O emblema da UDV - União Desportiva Vilafranquense |
Tive uma longa confraternização (quase um dia) com um amigo que entretanto tinha mudado de nome e de morada, onde se discutiu muito sobre a situação do País e da guerra, em particular da Guiné. Estive com outros que me davam outras perspectivas. Cada um procurava captar a minha atenção e simpatia. Fui-me mantendo equidistante, mas atento.
Em Vila Franca, terra da minha formação de cidadania, fiquei também um tanto perplexo como as coisas evoluíam. Antes de me ir embora havia uma Pastelaria, a "Lezíria", que era um local normalmente frequentado pela classe média e onde as 'mães de família' passavam o tempo com as suas meninas, bebendo chá, bolos, galões e outras coisas próprias das pastelarias. Era um local com pesados reposteiros a decorar os vãos de janela.
Pois esse local foi-se transformando aos poucos num 'ponto de encontro' em horas mais tardias, para aqueles de nós que saíam
Pois esse local foi-se transformando aos poucos num 'ponto de encontro' em horas mais tardias, para aqueles de nós que saíam
da Secção Cultural da UDV [, União Desportiva Vilafranquense]
e que iam beber um copo de leite quente retemperador, em tempo de inverno. Esse local rapidamente passou a ser conhecido entre os jovens como o "Kremlin", como alusão à actividade conspiratória que ia acontecendo.
Aquando dessas minhas férias, em Agosto de 71, já era mais conhecido como "Mesopotâmia".... acho que injustamente, mas era um 'sinal dos tempos'....
Quando se aproximou a data do regresso as coisas ficaram um bocado mais tensas. Os silêncios maiores. O olhar mais vago, mais "ausente". Mas a determinação mantinha-se e com maior ou menor angústia lá se embarcou para o regresso a Bissau, com passagem e paragem sem saída, no Sal. À chegada o tal choque térmico já por várias vezes aqui relatado, foi tal e qual como descrito.
Depois,.... depois foi o retomar da actividade!
Da 2ª viagem darei conta depois.
Abraços
Hélder Sousa
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 5 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)