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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10874: Parabéns a você (517): Luís F. Moreira, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 2789 (Guiné, 1970/72)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P10887: Do Ninho D'Águia até África (40): O arame farpado (Tony Borié)
1. Quadragésimo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
O tempo ia passando, as obras no aquartelamento tinham algum progresso, havia restos de tudo, e por todo o lado era a barafunda do costume, já havia alguns postes de cimento, colocados na parte sul, com uma certa distância uns dos outros, alinhados, e continuavam a abrir buracos no chão, derrubando algumas árvores, os veículos militares começavam a chegar com rolos de arame farpado, feios, cheios de espetos, intimidativos e arrogantes.
Estava a começar a colocação do arame farpado nessa área, a verdade estava a vir ao de cima, estavam a começar a demarcar fronteiras, para lá do arame farpado era terreno proibido, talvez dos guerrilheiros, portanto do inimigo, para cá do arame farpado, era terreno conquistado, portanto, era nosso.
Era esta a verdade que o Cifra compreendia, não porque tivesse tido escola superior ou alguém o tivesse instruído nesse sentido, mas era a natureza das coisas, que o fazia compreender, e também se recordava dos livros com histórias aos quadradinhos, que o Carlos, filho do Santos dos Correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, trazia e lhe dava, a troco de uma conta de multiplicar ou dividir, em que o Cifra, nessa altura o To d’Agar, lhe resolvia, e onde vinham histórias do Oeste americano, nas quais os rancheiros no Arizona, no Texas ou em Montana, demarcavam fronteiras com o maldito arame farpado, e já nesse tempo andavam aos tiros para resolver as questões de fronteira.
Ora nós, os militares, estávamos a demarcar fronteiras, esta era a realidade das coisas, sem talvez nos apercebermos de que estávamos a dar todo o terreno ao inimigo e a isolarmo-nos numa área cercada de arame farpado.
O Cifra também compreendia que não era bem este tipo de protecção que precisávamos, mas porquê então este isolamento? E logo com arame farpado?
Era sinal de que não estávamos num cenário livre. Enfim, neste caso, o arame farpado até foi útil, talvez só pela sua presença e intimidação, deverá ter evitado muitos confrontos, portanto, salvou muitas vidas, tanto nos guerrilheiros, como nos militares, oxalá que sim.
O Cifra nunca se sentiu seguro dentro do arame farpado, se tinha medo continuou a tê-lo, tentava não pensar no perigo, tentava sobreviver, arranjando sempre algo que lhe mantivesse a mente ocupada, por isso fumava, também bebia e andava pela aldeia com casas cobertas de colmo que existia perto do aquartelamento, onde não havia arame farpado. Havia pessoas que, embora vivessem numa profunda miséria, gostavam dele, o acarinhavam, o abraçavam, entre outras coisas, e que eram suas amigas, e lhe acariciavam as mãos, dizendo “ca bai”, quando se despedia.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10876: Do Ninho D'Águia até África (39): Passa por mim em Mansoa (Tony Borié)
Do Ninho D'Águia até África (40)
O tempo ia passando, as obras no aquartelamento tinham algum progresso, havia restos de tudo, e por todo o lado era a barafunda do costume, já havia alguns postes de cimento, colocados na parte sul, com uma certa distância uns dos outros, alinhados, e continuavam a abrir buracos no chão, derrubando algumas árvores, os veículos militares começavam a chegar com rolos de arame farpado, feios, cheios de espetos, intimidativos e arrogantes.
Estava a começar a colocação do arame farpado nessa área, a verdade estava a vir ao de cima, estavam a começar a demarcar fronteiras, para lá do arame farpado era terreno proibido, talvez dos guerrilheiros, portanto do inimigo, para cá do arame farpado, era terreno conquistado, portanto, era nosso.
Era esta a verdade que o Cifra compreendia, não porque tivesse tido escola superior ou alguém o tivesse instruído nesse sentido, mas era a natureza das coisas, que o fazia compreender, e também se recordava dos livros com histórias aos quadradinhos, que o Carlos, filho do Santos dos Correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, trazia e lhe dava, a troco de uma conta de multiplicar ou dividir, em que o Cifra, nessa altura o To d’Agar, lhe resolvia, e onde vinham histórias do Oeste americano, nas quais os rancheiros no Arizona, no Texas ou em Montana, demarcavam fronteiras com o maldito arame farpado, e já nesse tempo andavam aos tiros para resolver as questões de fronteira.
Ora nós, os militares, estávamos a demarcar fronteiras, esta era a realidade das coisas, sem talvez nos apercebermos de que estávamos a dar todo o terreno ao inimigo e a isolarmo-nos numa área cercada de arame farpado.
O Cifra também compreendia que não era bem este tipo de protecção que precisávamos, mas porquê então este isolamento? E logo com arame farpado?
Era sinal de que não estávamos num cenário livre. Enfim, neste caso, o arame farpado até foi útil, talvez só pela sua presença e intimidação, deverá ter evitado muitos confrontos, portanto, salvou muitas vidas, tanto nos guerrilheiros, como nos militares, oxalá que sim.
O Cifra nunca se sentiu seguro dentro do arame farpado, se tinha medo continuou a tê-lo, tentava não pensar no perigo, tentava sobreviver, arranjando sempre algo que lhe mantivesse a mente ocupada, por isso fumava, também bebia e andava pela aldeia com casas cobertas de colmo que existia perto do aquartelamento, onde não havia arame farpado. Havia pessoas que, embora vivessem numa profunda miséria, gostavam dele, o acarinhavam, o abraçavam, entre outras coisas, e que eram suas amigas, e lhe acariciavam as mãos, dizendo “ca bai”, quando se despedia.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10876: Do Ninho D'Águia até África (39): Passa por mim em Mansoa (Tony Borié)
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Guiné 63/74 - P10886: Tabanca Grande (377): José Lino Padrão de Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)
1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano José Lino Padrão de Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 1974, com data de 30 de Dezembro de 2012:
Boa tarde
Gostava de pertencer à tertúlia da Tabanca Grande.
Envio as minhas fotos, uma de 1973 e outra de 2012.
Sou o José Lino Padrão de Oliveira, ex-Furriel Miliciano Amanuense que esteve na Guiné de 12-07-1974 a 15-10-1974.
O nosso Batalhão era o 4612/74.
Fomos num dos Boeing 707-300 dos TAM (vendidos para a Força Aérea italiana em 1975) e regressámos no Uíge.
Na Guiné estive no Cumeré - Mansoa e Brá (Engenharia).
Fomos os últimos a sair da Guiné. Quando chegamos ao Uíge já lá estava o pessoal da Amura, Marinha e Força Aérea.
Envio hoje fotos do arrear da bandeira na Engenharia, o último suponho eu.
Em Mansoa também tirei fotos mas essa história fica para outro dia.
Nestas fotos da Engenharia, suponho que é o Magalhães Ribeiro que faz a última cerimónia.
Dali fomos directos para o navio e chegámos a Lisboa a 21-10-1974.
Um abraço
José Lino Oliveira
2. Comentário de CV:
Caro camarada José Lino,
Bem-vindo.
Muito obrigado por quereres fazer parte da família do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
És um dos últimos dos últimos, aqueles que tiveram a felicidade de fechar a porta da guerra e transferir a soberania da Guiné para aqueles que durante mais de 10 anos lutaram contra nós, contra o colonialismo português, como gostava de dizer Amílcar Cabral. O problema era que os Antónios, os Josés, os Silvas e os Costas que eram mobilizados para a guerra, não eram os colonialistas propriamente dito, mas os que morriam e ficavam estropiados nos campos de Batalha em nome de uma ideologia ultrapassada.
Se o vosso tempo de comissão foi curtíssimo, chegaram à Guiné, estava a guerra praticamente terminada, viveram mesmo assim tempos intensos, cheios de incerteza. Sabemos da desorganização política cá na metrópole e daquilo que vos chegaria aos ouvidos que muito contribuiria para o vosso desassosego. Vir o mais cedo possível seria o vosso anseio.
Espero(amos) que nos fales desses tempos, nos contes como os viveste e a impressão que tiveste da população de Bissau, que ao que se sabe, a determinada altura se tornou hostil para as Forças Armadas Portuguesas.
Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia em geral e dos editores em particular.
Cá te esperamos.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10880: Tabanca Grande (376): Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha, na Reserva, ex-Cabo Manobra da LDM 304 (Guiné, 1966/68)
Boa tarde
Gostava de pertencer à tertúlia da Tabanca Grande.
Envio as minhas fotos, uma de 1973 e outra de 2012.
Sou o José Lino Padrão de Oliveira, ex-Furriel Miliciano Amanuense que esteve na Guiné de 12-07-1974 a 15-10-1974.
O nosso Batalhão era o 4612/74.
Fomos num dos Boeing 707-300 dos TAM (vendidos para a Força Aérea italiana em 1975) e regressámos no Uíge.
Na Guiné estive no Cumeré - Mansoa e Brá (Engenharia).
Fomos os últimos a sair da Guiné. Quando chegamos ao Uíge já lá estava o pessoal da Amura, Marinha e Força Aérea.
Envio hoje fotos do arrear da bandeira na Engenharia, o último suponho eu.
Em Mansoa também tirei fotos mas essa história fica para outro dia.
Nestas fotos da Engenharia, suponho que é o Magalhães Ribeiro que faz a última cerimónia.
Dali fomos directos para o navio e chegámos a Lisboa a 21-10-1974.
Um abraço
José Lino Oliveira
Guiné > Brá > Engenharia > Cerimónia do arrear da Bandeira Portuguesa
2. Comentário de CV:
Caro camarada José Lino,
Bem-vindo.
Muito obrigado por quereres fazer parte da família do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
És um dos últimos dos últimos, aqueles que tiveram a felicidade de fechar a porta da guerra e transferir a soberania da Guiné para aqueles que durante mais de 10 anos lutaram contra nós, contra o colonialismo português, como gostava de dizer Amílcar Cabral. O problema era que os Antónios, os Josés, os Silvas e os Costas que eram mobilizados para a guerra, não eram os colonialistas propriamente dito, mas os que morriam e ficavam estropiados nos campos de Batalha em nome de uma ideologia ultrapassada.
Se o vosso tempo de comissão foi curtíssimo, chegaram à Guiné, estava a guerra praticamente terminada, viveram mesmo assim tempos intensos, cheios de incerteza. Sabemos da desorganização política cá na metrópole e daquilo que vos chegaria aos ouvidos que muito contribuiria para o vosso desassosego. Vir o mais cedo possível seria o vosso anseio.
Espero(amos) que nos fales desses tempos, nos contes como os viveste e a impressão que tiveste da população de Bissau, que ao que se sabe, a determinada altura se tornou hostil para as Forças Armadas Portuguesas.
Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia em geral e dos editores em particular.
Cá te esperamos.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10880: Tabanca Grande (376): Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha, na Reserva, ex-Cabo Manobra da LDM 304 (Guiné, 1966/68)
Guiné 63/74 - P10885: Em busca de ... (211): O ex-Alf Mil Médico João Calheiros Lobo, procura camaradas do HM 241 do ano de 1970
1. Mensagem de João Calheiros Lobo, médico pediatra, ex-Alf Mil Médico do HM 241 de Bissau (1970), com data de 23 de Dezembro de 2012:
João Calheiros Lobo, médico pediatra.
Na altura (1970) médico do pavilhão B, medicina interna.
Na fotografia em anexo a contar da esquerda. O primeiro e segundo não me recordo do nome, o terceiro sgt. Santos enfermeiros (de Leiria julgo eu), o quinto o cabo enfermeiro Inácio e o sexto o cabo enfermeiro Alves (julgo ser da proximidade de Esmoriz).
Gostaria de ser contactado e saber se encontram anualmente ou quando se encontram e sabem de reuniões de médicos do HM241 dessa altura.
Cumprimentos,
João Calheiros Lobo
joao.calheiros.lobo@gmail.com
HM 241 de Bissau, 1970 > (?), (?), Sarg. Enf.º Santos, Alf Mil Médico João Lobo, 1.º Cabo Enf.º Inácio e 1.º Cabo Enf.º Alves
2. Comentário de CV:
Caro camarada João Lobo, aqui fica o seu pedido de contacto com ex-camaradas/colegas do HM 241.
Esperamos que através do nosso Blogue os encontre e reviva bons, e menos bons, momentos daqueles tempos da nossa juventude.
Gostaríamos que fizesse parte desta enorme família, quase 600 membros, de ex-combatentes da Guiné, e quando dizemos ex-combatentes, partimos do princípio que cada um a seu modo, no seu local de intervenção, posto e função, travou a sua luta, logo foi combatente.
Se se quiser juntar a nós, por favor envie uma foto actual, diga-nos qual a data de ida e regresso da Guiné, locais onde exerceu a sua nobre função além do HM, se for o caso, e outros elementos que achar necessário fornecer para que o possamos conhecer melhor como camarada. Será bem recebido e juntar-se-á ao já razoável grupo de médicos e enfermeiros que fazem parte da nossa Tabanca Grande.
Em nome da tertúlia e editores, deixo-lhe um abraço e os melhores votos de um bom 2013.
Ao seu dispor
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10718: Em busca de ... (210): Ex-Tenente Esteves da CCS/BCAÇ 2834 que esteve em Buba, Aldeia Formosa e Gadamael nos anos de 1968/69 (Francisco Gomes)
João Calheiros Lobo, médico pediatra.
Na altura (1970) médico do pavilhão B, medicina interna.
Na fotografia em anexo a contar da esquerda. O primeiro e segundo não me recordo do nome, o terceiro sgt. Santos enfermeiros (de Leiria julgo eu), o quinto o cabo enfermeiro Inácio e o sexto o cabo enfermeiro Alves (julgo ser da proximidade de Esmoriz).
Gostaria de ser contactado e saber se encontram anualmente ou quando se encontram e sabem de reuniões de médicos do HM241 dessa altura.
Cumprimentos,
João Calheiros Lobo
joao.calheiros.lobo@gmail.com
HM 241 de Bissau, 1970 > Cabo Enf.º Inácio e Alf Mil Médico João Calheiros Lobo
HM 241 de Bissau, 1970 > (?), (?), Sarg. Enf.º Santos, Alf Mil Médico João Lobo, 1.º Cabo Enf.º Inácio e 1.º Cabo Enf.º Alves
2. Comentário de CV:
Caro camarada João Lobo, aqui fica o seu pedido de contacto com ex-camaradas/colegas do HM 241.
Esperamos que através do nosso Blogue os encontre e reviva bons, e menos bons, momentos daqueles tempos da nossa juventude.
Gostaríamos que fizesse parte desta enorme família, quase 600 membros, de ex-combatentes da Guiné, e quando dizemos ex-combatentes, partimos do princípio que cada um a seu modo, no seu local de intervenção, posto e função, travou a sua luta, logo foi combatente.
Se se quiser juntar a nós, por favor envie uma foto actual, diga-nos qual a data de ida e regresso da Guiné, locais onde exerceu a sua nobre função além do HM, se for o caso, e outros elementos que achar necessário fornecer para que o possamos conhecer melhor como camarada. Será bem recebido e juntar-se-á ao já razoável grupo de médicos e enfermeiros que fazem parte da nossa Tabanca Grande.
Em nome da tertúlia e editores, deixo-lhe um abraço e os melhores votos de um bom 2013.
Ao seu dispor
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10718: Em busca de ... (210): Ex-Tenente Esteves da CCS/BCAÇ 2834 que esteve em Buba, Aldeia Formosa e Gadamael nos anos de 1968/69 (Francisco Gomes)
Guiné 63/74 - P10884: Blogpoesia (313): Mensagem / massagem de fim de ano (Luís Graça)
Mundo > Velho Mundo > Portugal > Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > Uma Cedezeira... Não confundir com Cerdeira...
Vídeo (1' 11'): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
O que dizer
Neste último dia do ano,
O 366º dia do ano, bissexto,
Que não tenha já sido dito, antes,
Ao longo dos últimos 365 dias ?
Ruído.
Muito ruído.
Vozes.
Murmúrios.
Sussurros.
Silêncio.
Silêncios vários.
Ranger de dentes.
Choros.
Coros.
Bater de portas.
E batentes.
E palmas.
Lamentações.
Muros.
Manifestações.
Protestos.
Vozearia.
E palmas.
Lamentações.
Muros.
Manifestações.
Protestos.
Vozearia.
Perjúrios.
Fuzilamentos.
Matraquear de metralhadoras.
Browning.
Zombaria.
O arco de triunfo do morteiro.
Oitenta e um.
Coaxar de rãs.
Uivar de lobos.
Latido de chacais.
Tsunamis.
Terramotos.
Vulcões.
O apito supersónico do sinaleiro.
O estertor da morte.
Eclipes.
Elipses.
Sinais.
Fuzilamentos.
Matraquear de metralhadoras.
Browning.
Zombaria.
O arco de triunfo do morteiro.
Oitenta e um.
Coaxar de rãs.
Uivar de lobos.
Latido de chacais.
Tsunamis.
Terramotos.
Vulcões.
O apito supersónico do sinaleiro.
O estertor da morte.
Eclipes.
Elipses.
Sinais.
Marginais-secantes.
Estrelas candentes.
A estrela do norte.
Palavras, para quê ?
Paroles. Paroles.
Buzzwords.
Rebentamentos.
Flagelações.
Espasmos.
Orgasmos.
(Res)sentimentos de um ocidental.
Exclamações.
Incitações.
Excitações.
Interjeições.
Insinuações.
Aclamações.
Reclamações.
Eura...ções.
Cura... ções.
Prov(oc)ações.
Rações vitais de combate.
Cruzes de guerra com palma.
Ruído de fundo.
Vozes celestiais.
Vozes do outro mundo.
Soluços.
Estrelas candentes.
A estrela do norte.
Palavras, para quê ?
Paroles. Paroles.
Buzzwords.
Rebentamentos.
Flagelações.
Espasmos.
Orgasmos.
(Res)sentimentos de um ocidental.
Exclamações.
Incitações.
Excitações.
Interjeições.
Insinuações.
Aclamações.
Reclamações.
Eura...ções.
Cura... ções.
Prov(oc)ações.
Rações vitais de combate.
Cruzes de guerra com palma.
Ruído de fundo.
Vozes celestiais.
Vozes do outro mundo.
Soluços.
Gemidos,
Ais.
Vozes de burro que não chegam aos céus.
O esticar da corda do enforcado.
A dança dos quatro (pontos) cardeais.
O TGV que um dia há-de chegar ao Porto.
Cascatas.
Miragens.
Parábolas.
A sinfonia do novo mundo.
O RPG.
Sete.
Outra vez o silêncio.
De Deus.
Crenças e descrenças.
Gemido de recém-nascido.
Ais.
Vozes de burro que não chegam aos céus.
O esticar da corda do enforcado.
A dança dos quatro (pontos) cardeais.
O TGV que um dia há-de chegar ao Porto.
Cascatas.
Miragens.
Parábolas.
A sinfonia do novo mundo.
O RPG.
Sete.
Outra vez o silêncio.
De Deus.
Crenças e descrenças.
Gemido de recém-nascido.
Mensagens.
Massagens.
Adão. Eva
Dão-se alvíssaras a quem achar o paraíso (perdido).
Inalações.
Violações.
Passagem aérea para peões.
O silêncio dos órgãos.
Massagens.
Adão. Eva
Dão-se alvíssaras a quem achar o paraíso (perdido).
Inalações.
Violações.
Passagem aérea para peões.
O silêncio dos órgãos.
Sangrias e purgas.
O trabalho subterrâneo de mineiro do cancro
Minando o corpo.
As vozes que se apagam.
Que se abafam.
Que se calam.
O envelhecimento.
Afonia.
Apneia do sono.
A voz da classe operária.
Quem disse que ninguém a cala ?
Slogans.
Palavras de ordem.
As procissões.
As promessas.
Os 1000agres.
A fé.
A esperança, que é sempre a última a morrer.
A caridade.
A caridadezinha.
Os pecados.
Todos: os mortais e os veniais.
O dito e o não dito.
O trabalho subterrâneo de mineiro do cancro
Minando o corpo.
As vozes que se apagam.
Que se abafam.
Que se calam.
O envelhecimento.
Afonia.
Apneia do sono.
A voz da classe operária.
Quem disse que ninguém a cala ?
Slogans.
Palavras de ordem.
As procissões.
As promessas.
Os 1000agres.
A fé.
A esperança, que é sempre a última a morrer.
A caridade.
A caridadezinha.
Os pecados.
Todos: os mortais e os veniais.
O dito e o não dito.
Um alfa bravo.
O feito e o-por-fazer.
O feito e o-por-fazer.
Os subterfúgios.
O sobrescrito.
O silvo da serpente.
O irã-cego.
O postal ilustrado de Bissau colonial.
A pitonisa.
A pitão.
A sibila.
O aerograma do SPM tal e tal.
As doces tentações da carne.
O sobrescrito.
O silvo da serpente.
O irã-cego.
O postal ilustrado de Bissau colonial.
A pitonisa.
A pitão.
A sibila.
O aerograma do SPM tal e tal.
As doces tentações da carne.
A chula.
O forró.
A mortificação da carne.
A abstinência.
O jejum.
A fome.
A sede.
Os prazeres que se compram.
Os favores que se pagam.
A cor suja do vil metal.
O tilintar das trintas moedas.
A traição de Judas.
O perfume do capital.
O sangue, o suor e as lágrimas do trabalho.
A clépsidra.
A ampulheta.
A pedra de Roseta.
O Senhor da Pedra.
Amizade.
Camaradagem.
Camarigagem.
Desculpem-me
Se omiti.
Se esqueci.
Se branqueei.
Se embelezei.
Se inventei
Ou até se falsifiquei
Qualquer coisinha.
Em nome da liberdade poética.
O ano de 2012 ?
Foi isto.
Tudo isto.
O de 2013
Não será diferente.
A menos que mudes de planeta.
Ou escrevas a última mensagem do ano
A tinta preta.
A mortificação da carne.
A abstinência.
O jejum.
A fome.
A sede.
Os prazeres que se compram.
Os favores que se pagam.
A cor suja do vil metal.
O tilintar das trintas moedas.
A traição de Judas.
O perfume do capital.
O sangue, o suor e as lágrimas do trabalho.
A clépsidra.
A ampulheta.
A pedra de Roseta.
O Senhor da Pedra.
Amizade.
Camaradagem.
Camarigagem.
Desculpem-me
Se omiti.
Se esqueci.
Se branqueei.
Se embelezei.
Se inventei
Ou até se falsifiquei
Qualquer coisinha.
Em nome da liberdade poética.
O ano de 2012 ?
Foi isto.
Tudo isto.
O de 2013
Não será diferente.
A menos que mudes de planeta.
Ou escrevas a última mensagem do ano
A tinta preta.
Luís Graça
Porto, Rua da Alegria, 30 de dezembro de 2012
PS1 - Um beijinho com muita ternura para a Laura Fonseca que me emprestou a secretária e a janela do seu andar na rua da Alegria. E a cuja tese de doutoramento fui buscar três palavras-chave: vozes, silêncios, ruídos [Fonseca, Laura (2006). Vozes, silêncios e ruídos na educação escolar das raparigas.Tese de Doutoramento. FPCEUP, Porto, Portugal].
PS1 - Um beijinho com muita ternura para a Laura Fonseca que me emprestou a secretária e a janela do seu andar na rua da Alegria. E a cuja tese de doutoramento fui buscar três palavras-chave: vozes, silêncios, ruídos [Fonseca, Laura (2006). Vozes, silêncios e ruídos na educação escolar das raparigas.Tese de Doutoramento. FPCEUP, Porto, Portugal].
Fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
________Nota do editor:
Último poste da série > 31 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10883: Blogpoesia (312): Escolhas (Juvenal Amado)
Guiné 63/74 - P10883: Blogpoesia (312): Escolhas (Juvenal Amado)
Bajuda da Guiné - Pintura de Juvenal Amado (2011)
© Reprodução proibida
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 29 de Dezembro de 2012:
Luís, Carlos, Virgínio, Magalhães e restantes camaradas da Tabanca Grande, desejo a todos um bom ano de 2013.
Um grande abraço
Juvenal Amado
ESCOLHAS
Marchei a compasso
Na minha cabeça um, dois
Esquerdo, direito
Tão certo como o destino
Lixado e mal pago
Aceitei-o sem revolta útil
Arrependimentos não trazem sossego
Talvez insónias
Há minha volta vi meninos de barriga grande
Mulheres amputadas com o peito cansado de amamentar
A terra pintada de vermelho com lágrimas de sangue
Na sua indescritível beleza
Percorri caminhos já percorridos
Em piso seco ou escorregadio
Nunca consegui evitar as curvas da vida
Às tantas na Primavera
Substitui o odor tropical
Adormeci inebriado com cheiro a cravo
Durante o sonho tive pesadelos
Desencantos mórbidos
Riso e escárnio de dentes podres
Vagueei curvado entre escombros
Sou espetro do que poderia ter sido
Recebo a chuva gelada no rosto
Marco passo na própria insatisfação
Insuportável o fel que me sobe das entranhas
Que me deixa branco nos cantos da boca
Não me cansei de olhar o passado
Acabei a tropeçar no Futuro adiado
Mais uma vez encolho os ombros
É a puta da vida mais curta que comprida
É a que temos e é só uma
Haverá sonhos que resistam aos pesadelos?
Juvenal Amado
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10860: Blogpoesia (311): Natal, Bambadinca, 24/25 de dezembro de 1969 (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P10882: Notas de leitura (445): "Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968", por Luís de Matos (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2012:
Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma viagem à volta do diário de Luís de Matos, que pertenceu à CCAÇ 1590, uma unidade que andou pela intervenção sobretudo na região norte, Ingoré, Suzana, S. Domingos, Sedengal, daí as inúmeras referências aos patrulhamentos, batidas e operações junto da fronteira.
São apontamentos a olhar o humano, a registar as lágrimas de partidas, trata-se de um combatente que se sente com a obrigação de abraçar todos os cometimentos da sua companhia, e daí o cuidado pelo registo das operações, os usos e costumes e o peso da solidão.
Foi graças ao nosso confrade Carlos Pedreño Ferreira que tive acesso a esta peça tão estimável de alguém que não se sentiu predestinado para escrever para a história mas para juntar os feitos de todos os seus camaradas.
Um abraço do
Mário
Diário da guerra colonial, por Luís de Matos (2)
Beja Santos
Luís de Matos vai finalmente de férias, em Março de 1967. Quando regressar, incluirá nas suas notas o que se passou na sua ausência: emboscada do seu pelotão entre S. Domingos e Sonco, em 10 de Abril; houve levantamento de rancho em S. Domingos, as refeições iriam melhorar um pouco. Chega de férias em 3 de Maio e tira uma fotografia com o Furriel Ratinho, natural de Cunheira, concelho de Alter do Chão, Segundo Sargento Ramalho, natural de Montoito, ele, natural de Terena, conselho de Alandroal, e o Furriel Zorro, natural de Santo André, concelho de Estremoz. E escreve: “Trouxe comigo na bagagem uns paios caseiros alentejanos, para entregar ao Florimundo Garcia, que a tia Bernarda me pediu para levar ao seu futuro genro”. Em 7 de Maio, S. Domingos “embrulha”. Em 10 de Maio parte para uma batida, não houve contacto. Aqui e acolá há sinais do IN, assaltos a tabancas, minas anticarro, emboscadas. Em 10 de Junho escreve que há uma base guerrilheira que dá pelo nome de S. Domingos, localizada a cerca de 2 quilómetros da fronteira com o Senegal. Parte uma operação para tentar localizar e destruir tal base. Fala em mortes do IN, mas não ficaremos a saber se a base foi destruída. Em 20 de Junho, regista o insólito: “O Mário Silva é do 3º Pelotão que está em Susana. Disse-me que o seu pelotão com mais de 50 Felupes, foi fazer uma operação junto à fronteira do Senegal. O meu grupo de combate ficou instalado do lado de cá, mas os Felupes, armados com espingardas Mauser e catanas, não sei onde foram nem por onde andaram, o que sei é que passado pouco tempo apareceram carregados de frigoríficos, máquinas de costura e algumas cabeças espetadas em paus. Só podem ter ido a uma qualquer aldeia do Senegal, ali mesmo junto à fronteira”. Em 25 de Junho, participa na operação destinada a destruir a base de Campada, junto à fronteira do Senegal. Descreve minuciosamente a progressão. A um quilómetro de Barraca Poilão, o IN embosca mas a reação foi de tal ordem que se pôs em fuga. Encontraram casas de mato há muito tempo abandonadas. Continua a progressão até Cutene Pesse, aqui descobrem 17 casas, mas o IN desaparecera. O IN, sempre que pode, molesta as tabancas da região. Os sobressaltos na região de Susana são constantes. Quando chegam as nossas tropas, as tabancas dão sinais de abandono, é preciso ir buscar as populações ao mato.
Estamos em Julho, o pelotão de Luís de Matos parte para o “paraíso”, de Sedengal. Mais uma vez ele descreve o ambiente. Lançam-se ao trabalho, cortam palmeiras, refazem os abrigos. E escreve: “No Sedengal, praticamente assumi os trabalhos de remodelação do sistema defensivo como se fosse coisa minha. Nós temos de ter um bom sistema de abrigos. A par deste trabalho, também construímos pequenas pontes, pois basta colocar vários troncos de palmeira ao lado uns dos outros, são pequenas melhorias mais favoráveis no dia-a-dia das populações". Percorre a tabanca, vai atento, pretende saber a maneira como eles se sentam, os utensílios que utilizam para cozinhar, como comem e o quê, etc. Visitam as tabancas das redondezas, ele sente-se feliz pelo facto de a sua companhia ter assentado arraiais. Anda a ler obras de Leon Uris e de Jean Lartéguy. Começa-se a fazer uma horta junto à bolanha. Chegou entretanto uma máquina de calcular FACIT, a contabilidade foi revolucionada. Vê-se que há gosto registar as pequenas coisas: "o 1º cabo atirador António Sousa foi promovido a cozinheiro; ao alferes e aos furriéis servem-nos de vez em quando uns bifinhos de gazela como nunca tínhamos comido, acompanhados com puré de batata e salada; os soldados no norte continuam a meter vinho tinto na sopa". E descreve o Sedengal: "é um pequeno aquartelamento, feito à base de abrigos construídos com troncos de palmeira, reforçados com bidões cheios de terra, tudo está vedado com troncos de palmeira e valas. Pelo norte, existe a tabanca com cerca de uma centena de habitantes". Chove torrencialmente e escreve no diário a 29 de Julho: “As chuvadas têm a sua beleza. O cheiro da terra, chilrear da passarada, de que não sei o nome da maior parte deles, a verdura da mata e das ervas são muito diferentes daquelas da metrópole que estou habituado a ver no meu Alentejo”. No Ingoré, não param os patrulhamentos, o IN está cada vez mais destemido, intensifica-se, do lado das nossas forças armadas, a montagem de emboscadas. Continua bem informado do que se passa no Ingoré. Um sargento do quadro explicou ao vagomestre Zorro as vigarices que são possíveis para desviar géneros: "desvio de vinhos, de latas de salsichas, azeite, de volumes de tabaco, sacas de arroz". E filosofa: “Como em todas as guerras, há sempre gente pronta a tirar proveito para si, à custa da desgraça alheia".
Em Agosto realiza-se a operação “Desmamar”, vão duas companhias, um pelotão de milícias e um pelotão de caçadores nativos, progride-se de Ingoré a Canchungo, procurar uma base do IN, nada foi encontrado. Nesse mês, Luís de Matos não ganhou para o susto, houve um grande rebentamento, foi projetado, recompôs-se depressa. Nunca larga o filão das operações em que outros pelotões da sua companhia são envolvidos, fala na ação psicossocial a tabancas como Antotinha, Blanzar e Gunal, os comandantes dos grupos de combate levam folhas de tabaco para oferecer aos homens, o enfermeiro distribui medicamentos e trata os ferimentos. E não esquece datas: “Faz hoje precisamente um ano que na estrada entre Bissorã e Barro, durante uma emboscada de que fui alvo, morreu o condutor Matos, não há vez nenhuma que veja as fotografias das viaturas acidentadas, que não as imagine todas as fumegar, e veja ali o pobre do soldado Matos, cortado ao meio”.
No Sedengal, ele parece o cronista da companhia, para o melhor e para o pior. Viera para o Senegal o alferes Tavares de Almeida, e três furriéis, ele, o Ratinho e o Valeiras. Em Novembro, o Valeiras fazia serviço de sargento de dia e o alferes participou ao capitão que o Valeiras não agira oportunamente numa ameaça de levantamento de rancho. Sucederam-se as punições, o Valeiras foi transferido para o Pel Caç Nat 58, passou 25 meses na Guiné. E dá o seu ponto de vista sobre a situação do Valeiras: “Veio da Casa Pia, onde aprendeu vários ofícios. Não é propriamente um operacional, visto que a sua especialidade é de armas pesadas. É um moço calmo e descontraído, não faz mal a uma mosca. Logo havia de apanhar pela frente um alferes que não lhe perdoou aquela pequena falha. Que diabo, estamos todos no mesmo barco. E quem é que não comete erros?”.
Em finais de Novembro, o seu pelotão regressão ao Ingoré, o leitor volta a ter descrições detalhadas das flagelações a Ingoré e mesmo ao Ingorezinho. Sempre dado aos pormenores, desenha aspetos pitorescos, a começar pelos soldados do seu pelotão. Alguns exemplos: “O Gomes é um moço que mais parece um gigante. Com o seu metro e noventa e cento e vinte quilos de peso, tem força que nem um leão. Paciente e calmo, encara toda esta vida com um sorriso estampado no rosto. Gosta de beber o seu copo e quanto mais melhor. O Soeiro é bom rapaz, franzino, anda sempre com um sorriso miudinho como que a querer espantar o medo por onde quer que ande, ou a querer ser simpático para toda a gente. Parece-me que mal pode com a G3”. Em finais de Abril, partem do Ingoré para Bissau. E escreve a 10 de Maio: “É sexta-feira. Embarquei de regresso à metrópole, a bordo do paquete Niassa. Abraços e mais abraços”.
E assim termina um relato singelo e sincero, tudo adubado com fotografias, a lista da CCAÇ 1590, a lembrança dos que já partiram, o hino de “As Gazelas”, da autoria do 1º Cabo Escriturário José Manuel Pereira Ciblote, as ementas a bordo, tudo minudências de quem quer homenagear toda a CCAÇ 1590.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10872: Notas de leitura (443): "Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968", por Luís de Matos (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10877: Notas de leitura (444): Um reparo à descrição da Operação Nebulosa inserta no livro "Alpoim Calvão - Honra e Dever" (Jorge Félix)
Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma viagem à volta do diário de Luís de Matos, que pertenceu à CCAÇ 1590, uma unidade que andou pela intervenção sobretudo na região norte, Ingoré, Suzana, S. Domingos, Sedengal, daí as inúmeras referências aos patrulhamentos, batidas e operações junto da fronteira.
São apontamentos a olhar o humano, a registar as lágrimas de partidas, trata-se de um combatente que se sente com a obrigação de abraçar todos os cometimentos da sua companhia, e daí o cuidado pelo registo das operações, os usos e costumes e o peso da solidão.
Foi graças ao nosso confrade Carlos Pedreño Ferreira que tive acesso a esta peça tão estimável de alguém que não se sentiu predestinado para escrever para a história mas para juntar os feitos de todos os seus camaradas.
Um abraço do
Mário
Diário da guerra colonial, por Luís de Matos (2)
Beja Santos
Luís de Matos vai finalmente de férias, em Março de 1967. Quando regressar, incluirá nas suas notas o que se passou na sua ausência: emboscada do seu pelotão entre S. Domingos e Sonco, em 10 de Abril; houve levantamento de rancho em S. Domingos, as refeições iriam melhorar um pouco. Chega de férias em 3 de Maio e tira uma fotografia com o Furriel Ratinho, natural de Cunheira, concelho de Alter do Chão, Segundo Sargento Ramalho, natural de Montoito, ele, natural de Terena, conselho de Alandroal, e o Furriel Zorro, natural de Santo André, concelho de Estremoz. E escreve: “Trouxe comigo na bagagem uns paios caseiros alentejanos, para entregar ao Florimundo Garcia, que a tia Bernarda me pediu para levar ao seu futuro genro”. Em 7 de Maio, S. Domingos “embrulha”. Em 10 de Maio parte para uma batida, não houve contacto. Aqui e acolá há sinais do IN, assaltos a tabancas, minas anticarro, emboscadas. Em 10 de Junho escreve que há uma base guerrilheira que dá pelo nome de S. Domingos, localizada a cerca de 2 quilómetros da fronteira com o Senegal. Parte uma operação para tentar localizar e destruir tal base. Fala em mortes do IN, mas não ficaremos a saber se a base foi destruída. Em 20 de Junho, regista o insólito: “O Mário Silva é do 3º Pelotão que está em Susana. Disse-me que o seu pelotão com mais de 50 Felupes, foi fazer uma operação junto à fronteira do Senegal. O meu grupo de combate ficou instalado do lado de cá, mas os Felupes, armados com espingardas Mauser e catanas, não sei onde foram nem por onde andaram, o que sei é que passado pouco tempo apareceram carregados de frigoríficos, máquinas de costura e algumas cabeças espetadas em paus. Só podem ter ido a uma qualquer aldeia do Senegal, ali mesmo junto à fronteira”. Em 25 de Junho, participa na operação destinada a destruir a base de Campada, junto à fronteira do Senegal. Descreve minuciosamente a progressão. A um quilómetro de Barraca Poilão, o IN embosca mas a reação foi de tal ordem que se pôs em fuga. Encontraram casas de mato há muito tempo abandonadas. Continua a progressão até Cutene Pesse, aqui descobrem 17 casas, mas o IN desaparecera. O IN, sempre que pode, molesta as tabancas da região. Os sobressaltos na região de Susana são constantes. Quando chegam as nossas tropas, as tabancas dão sinais de abandono, é preciso ir buscar as populações ao mato.
Estamos em Julho, o pelotão de Luís de Matos parte para o “paraíso”, de Sedengal. Mais uma vez ele descreve o ambiente. Lançam-se ao trabalho, cortam palmeiras, refazem os abrigos. E escreve: “No Sedengal, praticamente assumi os trabalhos de remodelação do sistema defensivo como se fosse coisa minha. Nós temos de ter um bom sistema de abrigos. A par deste trabalho, também construímos pequenas pontes, pois basta colocar vários troncos de palmeira ao lado uns dos outros, são pequenas melhorias mais favoráveis no dia-a-dia das populações". Percorre a tabanca, vai atento, pretende saber a maneira como eles se sentam, os utensílios que utilizam para cozinhar, como comem e o quê, etc. Visitam as tabancas das redondezas, ele sente-se feliz pelo facto de a sua companhia ter assentado arraiais. Anda a ler obras de Leon Uris e de Jean Lartéguy. Começa-se a fazer uma horta junto à bolanha. Chegou entretanto uma máquina de calcular FACIT, a contabilidade foi revolucionada. Vê-se que há gosto registar as pequenas coisas: "o 1º cabo atirador António Sousa foi promovido a cozinheiro; ao alferes e aos furriéis servem-nos de vez em quando uns bifinhos de gazela como nunca tínhamos comido, acompanhados com puré de batata e salada; os soldados no norte continuam a meter vinho tinto na sopa". E descreve o Sedengal: "é um pequeno aquartelamento, feito à base de abrigos construídos com troncos de palmeira, reforçados com bidões cheios de terra, tudo está vedado com troncos de palmeira e valas. Pelo norte, existe a tabanca com cerca de uma centena de habitantes". Chove torrencialmente e escreve no diário a 29 de Julho: “As chuvadas têm a sua beleza. O cheiro da terra, chilrear da passarada, de que não sei o nome da maior parte deles, a verdura da mata e das ervas são muito diferentes daquelas da metrópole que estou habituado a ver no meu Alentejo”. No Ingoré, não param os patrulhamentos, o IN está cada vez mais destemido, intensifica-se, do lado das nossas forças armadas, a montagem de emboscadas. Continua bem informado do que se passa no Ingoré. Um sargento do quadro explicou ao vagomestre Zorro as vigarices que são possíveis para desviar géneros: "desvio de vinhos, de latas de salsichas, azeite, de volumes de tabaco, sacas de arroz". E filosofa: “Como em todas as guerras, há sempre gente pronta a tirar proveito para si, à custa da desgraça alheia".
Em Agosto realiza-se a operação “Desmamar”, vão duas companhias, um pelotão de milícias e um pelotão de caçadores nativos, progride-se de Ingoré a Canchungo, procurar uma base do IN, nada foi encontrado. Nesse mês, Luís de Matos não ganhou para o susto, houve um grande rebentamento, foi projetado, recompôs-se depressa. Nunca larga o filão das operações em que outros pelotões da sua companhia são envolvidos, fala na ação psicossocial a tabancas como Antotinha, Blanzar e Gunal, os comandantes dos grupos de combate levam folhas de tabaco para oferecer aos homens, o enfermeiro distribui medicamentos e trata os ferimentos. E não esquece datas: “Faz hoje precisamente um ano que na estrada entre Bissorã e Barro, durante uma emboscada de que fui alvo, morreu o condutor Matos, não há vez nenhuma que veja as fotografias das viaturas acidentadas, que não as imagine todas as fumegar, e veja ali o pobre do soldado Matos, cortado ao meio”.
No Sedengal, ele parece o cronista da companhia, para o melhor e para o pior. Viera para o Senegal o alferes Tavares de Almeida, e três furriéis, ele, o Ratinho e o Valeiras. Em Novembro, o Valeiras fazia serviço de sargento de dia e o alferes participou ao capitão que o Valeiras não agira oportunamente numa ameaça de levantamento de rancho. Sucederam-se as punições, o Valeiras foi transferido para o Pel Caç Nat 58, passou 25 meses na Guiné. E dá o seu ponto de vista sobre a situação do Valeiras: “Veio da Casa Pia, onde aprendeu vários ofícios. Não é propriamente um operacional, visto que a sua especialidade é de armas pesadas. É um moço calmo e descontraído, não faz mal a uma mosca. Logo havia de apanhar pela frente um alferes que não lhe perdoou aquela pequena falha. Que diabo, estamos todos no mesmo barco. E quem é que não comete erros?”.
Em finais de Novembro, o seu pelotão regressão ao Ingoré, o leitor volta a ter descrições detalhadas das flagelações a Ingoré e mesmo ao Ingorezinho. Sempre dado aos pormenores, desenha aspetos pitorescos, a começar pelos soldados do seu pelotão. Alguns exemplos: “O Gomes é um moço que mais parece um gigante. Com o seu metro e noventa e cento e vinte quilos de peso, tem força que nem um leão. Paciente e calmo, encara toda esta vida com um sorriso estampado no rosto. Gosta de beber o seu copo e quanto mais melhor. O Soeiro é bom rapaz, franzino, anda sempre com um sorriso miudinho como que a querer espantar o medo por onde quer que ande, ou a querer ser simpático para toda a gente. Parece-me que mal pode com a G3”. Em finais de Abril, partem do Ingoré para Bissau. E escreve a 10 de Maio: “É sexta-feira. Embarquei de regresso à metrópole, a bordo do paquete Niassa. Abraços e mais abraços”.
E assim termina um relato singelo e sincero, tudo adubado com fotografias, a lista da CCAÇ 1590, a lembrança dos que já partiram, o hino de “As Gazelas”, da autoria do 1º Cabo Escriturário José Manuel Pereira Ciblote, as ementas a bordo, tudo minudências de quem quer homenagear toda a CCAÇ 1590.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10872: Notas de leitura (443): "Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968", por Luís de Matos (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10877: Notas de leitura (444): Um reparo à descrição da Operação Nebulosa inserta no livro "Alpoim Calvão - Honra e Dever" (Jorge Félix)
domingo, 30 de dezembro de 2012
Guiné 63/74 - P10881: O nosso livro de visitas (154): Joaquim Nunes Sequeira, ex-combatente da Guiné
1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Nunes Sequeira, ex-combatente da Guiné, com data de 26 de Dezembro de 2012:
Boa tarde Luís,
Sou o camarada Sintra da Guiné. Gostava de fazer parte do blogue, em breve envio uma história com fotos e mais conversas da Guiné.
Ando a praticar no PC!
Segue em anexo uma grande recordação do Natal de 1965.
Obrigado e um abraço do Sintra para todos os Camarigos,
Joaquim Nunes Sequeira
o “Sintra” da Guiné.
2. Comentário de CV:
Caro camarada Joaquim Sequeira,
Bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Estou a responder-te em nome do nosso Editor Luís Graça.
Para seres devidamente apresentado à tertúlia, precisamos de saber o teu antigo posto militar (foste Cabo?), Especialidade, Unidade (Companhia e Batatalhão), datas de ida e regresso da Guiné e locais onde cumpriste a tua comissão. Podes ainda fornecer outros elementos que achares convenientes.
Manda também as tuas fotos da praxe para os nossos arquivos e encimarem os teus postes.
Quando mandares fotografias para publicar, manda em anexo as respectivas legendas, que devem indicar, pelo menos: data, local e fotografados.
No caso da foto que mandaste hoje, suponho que és o porta-estandarte do Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes. Estou certo? Como vês, aqui a legenda fazia jeito.
Fico à espera dos elementos em falta para seres apresentado definitivamente.
Faço votos para que a tua adaptação à informática decorra com normalidade. Em pouco tempo estarás um apto até porque isto nem é muito complicado, só parece.
Para qualquer esclarecimento, podes contactar-me para o meu endereço.
Recebe um abraço em nome da tertúlia e dos editores, e os votos de um excelente 2013.
Carlos Vinhal
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10728: O nosso livro de visitas (153): Mário Oliveira, bravo marinheiro da Armada, cabo CM reformado, que esteve na Guiné, em 1961/63, ainda antes do início oficial da guerra, a bordo do NRP Sal, navio patrulha da classe Príncipe
Boa tarde Luís,
Sou o camarada Sintra da Guiné. Gostava de fazer parte do blogue, em breve envio uma história com fotos e mais conversas da Guiné.
Ando a praticar no PC!
Segue em anexo uma grande recordação do Natal de 1965.
Obrigado e um abraço do Sintra para todos os Camarigos,
Joaquim Nunes Sequeira
o “Sintra” da Guiné.
2. Comentário de CV:
Caro camarada Joaquim Sequeira,
Bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Estou a responder-te em nome do nosso Editor Luís Graça.
Para seres devidamente apresentado à tertúlia, precisamos de saber o teu antigo posto militar (foste Cabo?), Especialidade, Unidade (Companhia e Batatalhão), datas de ida e regresso da Guiné e locais onde cumpriste a tua comissão. Podes ainda fornecer outros elementos que achares convenientes.
Manda também as tuas fotos da praxe para os nossos arquivos e encimarem os teus postes.
Quando mandares fotografias para publicar, manda em anexo as respectivas legendas, que devem indicar, pelo menos: data, local e fotografados.
No caso da foto que mandaste hoje, suponho que és o porta-estandarte do Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes. Estou certo? Como vês, aqui a legenda fazia jeito.
Fico à espera dos elementos em falta para seres apresentado definitivamente.
Faço votos para que a tua adaptação à informática decorra com normalidade. Em pouco tempo estarás um apto até porque isto nem é muito complicado, só parece.
Para qualquer esclarecimento, podes contactar-me para o meu endereço.
Recebe um abraço em nome da tertúlia e dos editores, e os votos de um excelente 2013.
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10728: O nosso livro de visitas (153): Mário Oliveira, bravo marinheiro da Armada, cabo CM reformado, que esteve na Guiné, em 1961/63, ainda antes do início oficial da guerra, a bordo do NRP Sal, navio patrulha da classe Príncipe
Guiné 63/74 - P10880: Tabanca Grande (376): Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha, na Reserva, ex-Cabo Manobra da LDM 304 (Guiné, 1966/68)
1. Mensagem do nosso amigo Rui Silva, filho do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha de Guerra na Reserva, que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné, nos anos de 1966 a 1968, como Cabo Manobra na LDM 304:
Boa tarde
Estou a escrever-vos por interposta pessoa.
O meu pai esteve na Guine em 67 e 68 tendo sido patrão da LDM 304 que patrulhava a zona do Rio Grande de Buba e Tombali (peço desculpa não sei se os nomes se escrevem assim estive agora ao telefone com ele a pedir estes dados, pois só agora descobri este blog). Era Cabo Manobra e conhecido por Salada (Manuel).
Frequentou o Curso de Sargentos, tendo passado à reserva como Sargento-Ajudante.
Além da comissão efectuada na Guiné esteve em mais 2 comissões, uma em Luanda que terminou aquando do 25 de abril de 74, tendo ainda efectuado uma outra a bordo de um navio hidrográfico, sendo que nesta, o objectivo era cartografar as espécies de peixes existentes em diversas zonas das então nossas colónias.
Como já está com 80 anos, computadores e afins nem lhes chega perto mas irei escrever uma ou várias das inúmeras historias dele para vos enviar. Não escrevo agora nenhuma para evitar algum erro ou incorrecção pois estaria a contar a história na 3.ª pessoa.
Quanto a foto actual envio já com a promessa de em breve enviar a antiga juntamente com algumas histórias.
Atentamente
Rui Silva
A – Poço (resguardado com chapa balística); B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme; E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC. Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.
Foto: © Manuel Lema Santos (2008). Todos os direitos reservados.
2. Comentário de CV:
Caro amigo Rui Silva,
Muito obrigado por trazer até à nossa Tabanca Grande o senhor seu pai, o nosso camarada Manuel Salada, mais um militar da nossa briosa Marinha de Guerra, que vai ocupar um lugar muito especial pois é o elemento menos jovem nesta família de ex-combatentes.
Uma vez que se propõe a ser o interlocutor de seu pai junto no nosso Blogue, esperamos que consiga dele algumas histórias vividas nos rios da Guiné, assim como fotos que ele terá no seu espólio de recordações.
Não se preocupe se acontecer vir um ou outro nome de rio ou localidade escrito com erro, porque cá estamos nós para proceder à devida correcção. Nós que somos mais novos, tantas vezes nos enganamos, que fará que já atingiu a bonita idade dos oitenta e esteve naquele Teatro de Operações vai para 45 anos.
Feita esta singela apresentação, resta-nos enviar ao nosso camarada Manuel Salada um abraço de boas-vindas em nome dos editores e de toda a tertúlia deste Blogue.
Votos de um 2013 com saúde para toda a família.
Ao seu dispor
Carlos Vinhal
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10843: Tabanca Grande (375): José da Luz Rosário, ex-Fur Mil do Pel Canh S/R 2298 (Cabuca e Buruntuma, 1971/72)
Boa tarde
Estou a escrever-vos por interposta pessoa.
O meu pai esteve na Guine em 67 e 68 tendo sido patrão da LDM 304 que patrulhava a zona do Rio Grande de Buba e Tombali (peço desculpa não sei se os nomes se escrevem assim estive agora ao telefone com ele a pedir estes dados, pois só agora descobri este blog). Era Cabo Manobra e conhecido por Salada (Manuel).
Frequentou o Curso de Sargentos, tendo passado à reserva como Sargento-Ajudante.
Além da comissão efectuada na Guiné esteve em mais 2 comissões, uma em Luanda que terminou aquando do 25 de abril de 74, tendo ainda efectuado uma outra a bordo de um navio hidrográfico, sendo que nesta, o objectivo era cartografar as espécies de peixes existentes em diversas zonas das então nossas colónias.
Como já está com 80 anos, computadores e afins nem lhes chega perto mas irei escrever uma ou várias das inúmeras historias dele para vos enviar. Não escrevo agora nenhuma para evitar algum erro ou incorrecção pois estaria a contar a história na 3.ª pessoa.
Quanto a foto actual envio já com a promessa de em breve enviar a antiga juntamente com algumas histórias.
Atentamente
Rui Silva
A LDM 302 navegando no Cacheu, junto ao tarrafo da margem.
Legenda;A – Poço (resguardado com chapa balística); B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme; E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC. Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.
Foto: © Manuel Lema Santos (2008). Todos os direitos reservados.
Rio Grande de Buba - Recorte da Carta da Província da Guiné
2. Comentário de CV:
Caro amigo Rui Silva,
Muito obrigado por trazer até à nossa Tabanca Grande o senhor seu pai, o nosso camarada Manuel Salada, mais um militar da nossa briosa Marinha de Guerra, que vai ocupar um lugar muito especial pois é o elemento menos jovem nesta família de ex-combatentes.
Uma vez que se propõe a ser o interlocutor de seu pai junto no nosso Blogue, esperamos que consiga dele algumas histórias vividas nos rios da Guiné, assim como fotos que ele terá no seu espólio de recordações.
Não se preocupe se acontecer vir um ou outro nome de rio ou localidade escrito com erro, porque cá estamos nós para proceder à devida correcção. Nós que somos mais novos, tantas vezes nos enganamos, que fará que já atingiu a bonita idade dos oitenta e esteve naquele Teatro de Operações vai para 45 anos.
Feita esta singela apresentação, resta-nos enviar ao nosso camarada Manuel Salada um abraço de boas-vindas em nome dos editores e de toda a tertúlia deste Blogue.
Votos de um 2013 com saúde para toda a família.
Ao seu dispor
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10843: Tabanca Grande (375): José da Luz Rosário, ex-Fur Mil do Pel Canh S/R 2298 (Cabuca e Buruntuma, 1971/72)
Guiné 63/74 - P10879: O meu Natal no mato (40): O Presépio da CCAÇ 2444 em 1968 em Bissorã (João Rebola)
1. Mensagem do nosso camarada João Rebola* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2012:
Olá Luís Graça / Carlos Vinhal
Envio-vos estas fotos que foram tiradas na Outra Banda, em Bissorã, para serem publicadas na Tabanca Grande.
Foi o segundo Natal passado longe da família de sangue, mas com uma outra família: os meus soldados.
A saudade dos seus entes queridos, o odor da sua terra, a distância do pátrio-lar, tudo isto aliado à grande religiosidade, bem característica do povo açoriano, motivaram um pedido:
- Furriel, faça-nos um presépio com o menino Jesus, com a Nossa Senhora, com os Reis Magos, etc, etc.
E onde é que iria encontrar aqueles personagens?
Ora, em Bissorã, havia um estabelecimento de um simpático libanês, o Alfredo Kalil, onde nada faltava. Seria lá que poderia encontrar aqueles objectos?
Já não me lembro o que comprei para pôr no presépio. Mas que tinha figuras adequadas a este, lá isso tinha!!
E assim, aconteceu Natal, na outra Banda.
A continuação de Boas Festas e um 2013 com "manga "de saúde para todos os ex-combatentes e seus familiares.
João Rebola
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10821: Tabanca Grande (373): João Manuel Pereira Rebola, ex-Fur Mil da CCAÇ 2444 (Guiné, 1968/70)
Vd. último poste da série de 21 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9246: O meu Natal no mato (39): Mejo, 1- Guileje, 0 (José Brás)
Olá Luís Graça / Carlos Vinhal
Envio-vos estas fotos que foram tiradas na Outra Banda, em Bissorã, para serem publicadas na Tabanca Grande.
Foi o segundo Natal passado longe da família de sangue, mas com uma outra família: os meus soldados.
A saudade dos seus entes queridos, o odor da sua terra, a distância do pátrio-lar, tudo isto aliado à grande religiosidade, bem característica do povo açoriano, motivaram um pedido:
- Furriel, faça-nos um presépio com o menino Jesus, com a Nossa Senhora, com os Reis Magos, etc, etc.
E onde é que iria encontrar aqueles personagens?
Ora, em Bissorã, havia um estabelecimento de um simpático libanês, o Alfredo Kalil, onde nada faltava. Seria lá que poderia encontrar aqueles objectos?
Já não me lembro o que comprei para pôr no presépio. Mas que tinha figuras adequadas a este, lá isso tinha!!
E assim, aconteceu Natal, na outra Banda.
A continuação de Boas Festas e um 2013 com "manga "de saúde para todos os ex-combatentes e seus familiares.
João Rebola
Nesta foto, da esquerda para a direita: Madeira, João Rebola, Pimentel e Gualter
Nesta foto: Os Fur Mil Manuel Sá e João Rebola
____________Nota de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10821: Tabanca Grande (373): João Manuel Pereira Rebola, ex-Fur Mil da CCAÇ 2444 (Guiné, 1968/70)
Vd. último poste da série de 21 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9246: O meu Natal no mato (39): Mejo, 1- Guileje, 0 (José Brás)
Guiné 63/74 - P10878: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (20): 21.º episódio: Memórias avulsas (2): Uma banhoca em Bissorã
1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3,
1965/67), com data de 29 de Dezembro de 2012:
Caros amigos editores
Aí vai mais um pedaço de lembranças. Se acharem que não se encaixa, rasguem.
Abraços para vocês amigos e Bom 2013, cheio de felicidades e saúde para nós todos e também para os nossos familiares.
Veríssimo Ferreira
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (21)
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (2)
UMA BANHOCA EM BISSORÃ
Não passam sem mim? Bora lá...
Acompanhámos um pelotão dos ali residentes, ainda e também com fatiota amarela, e quase no fim da comissão.
A operação foi tremenda e ainda não percebi como findou sem que ninguém se aleijasse, pois que até no paintball acontecem acidentes. Isto do "pintarcombólinhas" é um jogo com que e também alguns matulões brincam à guerras, morrem e matam de mentira, atiram bolinhas de várias cores como o próprio nome dá a entender, assim do género: agora borro-te de verde e depois borras-me tu de vermelho. (cruzes canhoto... t'arrenego... digo eu).
"pintarcombólinhas", ou brincar às guerras
Fiquei pensando quantos destes aperaltados com camuflado passado a ferro, não se tornariam objectores de consciência se lhes pusesse uma verdadeira canhota na mão, em vez daquela bem imitada e em plástico espingardinha de "sniper" ou quantos não desertariam se colocados perante a dolorosa realidade duma mobilização.
A dois, expus este meu pensamento e no fim fingi-me de convencido, (pois que se me acabou a pachorra para os aturar), que afinal eles é que sabem. Explicaram-me que fazem guerras no playstation e ganham e que o tempo aqui passado, nestes terrenos que deveriam ser apenas para a reprodução das lebres, lhes desenvolve o raciocínio, a coragem, a tenacidade... a resistência.
E lá me pus eu de novo a pensar e disse-lhes: Pois é, no meu tempo íamos para a tropa terminar a nossa formação como HOMENS. Último olhar para ver se já tinham barba, mas mirando aquelas cútis bem tratadas apenas vi que estavam cheias de cremes embelezantes, esparralhadas de cores, mas nem pelos, nem acne se topava por ali.
E mais pensei e percebi porque é que cada vez se passam menos certidões de nascimento.
Lá que senti saudades dos tempos de escola onde até as pedras e as fisgas eram a sério... lá isso senti.
******
Já me perdi... onde é qu'eu ia? "Ainda não percebi como findou, sem que ninguém se aleijasse"...era aqui.
Estivemos debaixo de intenso fogo, pr'ái mais d'uma hora e sem sabermos bem como dar a volta à critiquérrima situação. Dum lado o IN e do outro o rio que atravessáramos quase seco mas que aliado à maré, subira... subira... e a raivosa corrente parecia até querer morder.
Não havendo melhor hipótese, porque os emboscadores eram bem mais do que deviam ser, decidiu o Senhor Oficial, distinto comandante da força em presença, cavar dali em passo de corrida e tacticamente em retirada estratégica, forçando a que investíssemos contra o impetuoso aguaçal.
Um amigo Fur Mil do meu pelotão, indigitado e treinado para chefiar a Secção de metralhadoras Dreyse, que não tínhamos, pede-me ajuda para atravessar, porque não sabia nadar.
Peguei na coronha da sua G3 e aconselhei-o a que pegasse no cano e lá fomos. Quase a salvo, escorregou e foi uma carga de trabalhos para lhe deitar a mão, mas lá o coloquei em lugar seguro.
Fosse dos nervos... ou... do que fosse, sussurrou-me:
- Já sei nadar... aprendi hoje pá..."
Fora o seu primeiro baptismo debaixo de fogo e d'água, tal como acontecera com alguns de nós, mas para ele não houve repetições devido a ter sido requisitado para a locução da Rádio em Bissau.
Prenunciando desgraças, andavam por ali na margem, dezenas de abutres, que como sabem se trata duma espécie de pardal de telhado mas muito maior e a quem chamam jagudis, passarões proibidos de apanhar (o que só soube depois de já ter aparafusado o pescoço a um), dada a profiláctica actividade que desenvolvem na limpeza de tudo o que é carne e não mexe.
Um Jagudi
Foto de © João Santiago com a devida vénia
No solo deslocam-se aos saltinhos e foi muito triste para mim não os poder caçar, dada que esta gulodice alimentar (passarinhos fritos) era e continua a ser, uma das minhas dietas preferidas.
Lá no K3 e com a pressão d'ar, muitos me passaram pelo estreito, caídos dos cajueiros que frequentavam e onde faziam os ninhos. Da cor do respectivo fruto, cabecinha verde e peitaça assaz gorda com'á dos piscos, que lá no meu burgo metropolitano apanhava com as costelas, debaixo das figueiras em Outubro, com os figuitos já meio-passados e usando o tradicional isco, as agúdias.
No quartel para que esquecêssemos o mau bocado passado, ofertaram-nos uma especial mistela, que eu já conhecia dos filmes de cow-boys mas que nunca houvera provado e tomei um trago, depois outro e outro.
Aquilo provoca habituação... ninguém me avisou e o resultado foi, que nunca mais e desde então até hoje e ainda porque foi também o xarope que me foi receitado pelo meu veterinário de família, "nunca mais e desde então até hoje..." consegui deixar o desbragado vício, sendo a dose diária feita em três tomas, ao almoço, ao jantar e... ao jantar.
Recentes pesquisas médicas, concluíram ser um produto natural, biológico e com propriedades vaso-dilatadoras e deve ser ministrado diariamente sem águas nem gelos. Responde pelo nome de Whisky, se o chamarem.
Claro que também nos homenagearam com um opíparo jantar: bifinhos de cebolada com batatinhas fritinhas e cortadinhas às rodelinhas, molhança à parte e feita de mostarda e cola e estando tão apetitoso... até repeti.
É que quando me enervo e mesmo quando não, fico com uma fomeca de todo o tamanho.
As bebidas estiveram consentâneas com a ocasião, a quantidade qb (qb significa: quanto mais melhor) e os digestivos também não estiveram mal, não senhor.
Veio depois o toque de silêncio e três horas depois fui-me à deita. Havia que descansar pois já tinha ordem de marcha para o regresso a Mansabá, pela matina, onde me aguardaria o TGV para Manhau.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10870: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (19): 20.º episódio: Memórias avulsas (1): Eu, turista em Mansabá
Caros amigos editores
Aí vai mais um pedaço de lembranças. Se acharem que não se encaixa, rasguem.
Abraços para vocês amigos e Bom 2013, cheio de felicidades e saúde para nós todos e também para os nossos familiares.
Veríssimo Ferreira
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (21)
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (2)
UMA BANHOCA EM BISSORÃ
Não passam sem mim? Bora lá...
Acompanhámos um pelotão dos ali residentes, ainda e também com fatiota amarela, e quase no fim da comissão.
A operação foi tremenda e ainda não percebi como findou sem que ninguém se aleijasse, pois que até no paintball acontecem acidentes. Isto do "pintarcombólinhas" é um jogo com que e também alguns matulões brincam à guerras, morrem e matam de mentira, atiram bolinhas de várias cores como o próprio nome dá a entender, assim do género: agora borro-te de verde e depois borras-me tu de vermelho. (cruzes canhoto... t'arrenego... digo eu).
"pintarcombólinhas", ou brincar às guerras
Fiquei pensando quantos destes aperaltados com camuflado passado a ferro, não se tornariam objectores de consciência se lhes pusesse uma verdadeira canhota na mão, em vez daquela bem imitada e em plástico espingardinha de "sniper" ou quantos não desertariam se colocados perante a dolorosa realidade duma mobilização.
A dois, expus este meu pensamento e no fim fingi-me de convencido, (pois que se me acabou a pachorra para os aturar), que afinal eles é que sabem. Explicaram-me que fazem guerras no playstation e ganham e que o tempo aqui passado, nestes terrenos que deveriam ser apenas para a reprodução das lebres, lhes desenvolve o raciocínio, a coragem, a tenacidade... a resistência.
E lá me pus eu de novo a pensar e disse-lhes: Pois é, no meu tempo íamos para a tropa terminar a nossa formação como HOMENS. Último olhar para ver se já tinham barba, mas mirando aquelas cútis bem tratadas apenas vi que estavam cheias de cremes embelezantes, esparralhadas de cores, mas nem pelos, nem acne se topava por ali.
E mais pensei e percebi porque é que cada vez se passam menos certidões de nascimento.
Lá que senti saudades dos tempos de escola onde até as pedras e as fisgas eram a sério... lá isso senti.
******
Já me perdi... onde é qu'eu ia? "Ainda não percebi como findou, sem que ninguém se aleijasse"...era aqui.
Estivemos debaixo de intenso fogo, pr'ái mais d'uma hora e sem sabermos bem como dar a volta à critiquérrima situação. Dum lado o IN e do outro o rio que atravessáramos quase seco mas que aliado à maré, subira... subira... e a raivosa corrente parecia até querer morder.
Não havendo melhor hipótese, porque os emboscadores eram bem mais do que deviam ser, decidiu o Senhor Oficial, distinto comandante da força em presença, cavar dali em passo de corrida e tacticamente em retirada estratégica, forçando a que investíssemos contra o impetuoso aguaçal.
Um amigo Fur Mil do meu pelotão, indigitado e treinado para chefiar a Secção de metralhadoras Dreyse, que não tínhamos, pede-me ajuda para atravessar, porque não sabia nadar.
Peguei na coronha da sua G3 e aconselhei-o a que pegasse no cano e lá fomos. Quase a salvo, escorregou e foi uma carga de trabalhos para lhe deitar a mão, mas lá o coloquei em lugar seguro.
Fosse dos nervos... ou... do que fosse, sussurrou-me:
- Já sei nadar... aprendi hoje pá..."
Fora o seu primeiro baptismo debaixo de fogo e d'água, tal como acontecera com alguns de nós, mas para ele não houve repetições devido a ter sido requisitado para a locução da Rádio em Bissau.
Prenunciando desgraças, andavam por ali na margem, dezenas de abutres, que como sabem se trata duma espécie de pardal de telhado mas muito maior e a quem chamam jagudis, passarões proibidos de apanhar (o que só soube depois de já ter aparafusado o pescoço a um), dada a profiláctica actividade que desenvolvem na limpeza de tudo o que é carne e não mexe.
Um Jagudi
Foto de © João Santiago com a devida vénia
No solo deslocam-se aos saltinhos e foi muito triste para mim não os poder caçar, dada que esta gulodice alimentar (passarinhos fritos) era e continua a ser, uma das minhas dietas preferidas.
Lá no K3 e com a pressão d'ar, muitos me passaram pelo estreito, caídos dos cajueiros que frequentavam e onde faziam os ninhos. Da cor do respectivo fruto, cabecinha verde e peitaça assaz gorda com'á dos piscos, que lá no meu burgo metropolitano apanhava com as costelas, debaixo das figueiras em Outubro, com os figuitos já meio-passados e usando o tradicional isco, as agúdias.
No quartel para que esquecêssemos o mau bocado passado, ofertaram-nos uma especial mistela, que eu já conhecia dos filmes de cow-boys mas que nunca houvera provado e tomei um trago, depois outro e outro.
Aquilo provoca habituação... ninguém me avisou e o resultado foi, que nunca mais e desde então até hoje e ainda porque foi também o xarope que me foi receitado pelo meu veterinário de família, "nunca mais e desde então até hoje..." consegui deixar o desbragado vício, sendo a dose diária feita em três tomas, ao almoço, ao jantar e... ao jantar.
Recentes pesquisas médicas, concluíram ser um produto natural, biológico e com propriedades vaso-dilatadoras e deve ser ministrado diariamente sem águas nem gelos. Responde pelo nome de Whisky, se o chamarem.
Claro que também nos homenagearam com um opíparo jantar: bifinhos de cebolada com batatinhas fritinhas e cortadinhas às rodelinhas, molhança à parte e feita de mostarda e cola e estando tão apetitoso... até repeti.
É que quando me enervo e mesmo quando não, fico com uma fomeca de todo o tamanho.
As bebidas estiveram consentâneas com a ocasião, a quantidade qb (qb significa: quanto mais melhor) e os digestivos também não estiveram mal, não senhor.
Veio depois o toque de silêncio e três horas depois fui-me à deita. Havia que descansar pois já tinha ordem de marcha para o regresso a Mansabá, pela matina, onde me aguardaria o TGV para Manhau.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10870: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (19): 20.º episódio: Memórias avulsas (1): Eu, turista em Mansabá
Guiné 63/74 - P10877: Notas de leitura (444): Um reparo à descrição da Operação Nebulosa inserta no livro "Alpoim Calvão - Honra e Dever" (Jorge Félix)
1. Mensagem do nosso camarada Jorge Félix (ex-Alf Mil Pilav, AL III - BA 12 - ESQ 122, Guiné, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2012:
Meu caro Luís,
Vou aproveitar o "nosso" espaço para fazer um reparo, a uma passagem do livro do Sr Comandante Alpoim Calvão, pessoa por quem tenho o maior respeito e admiração.
Na pág. 184 do livro, "Alpoim Galvão, Honra e Dever", acerca da operação "Nebulosa", na foz do rio Inxanche (Inxanxe no livro), limite sul da fronteira com a Guiné-Conakri, em determinado momento pode ler-se o seguinte: ... "as obrigações que ligavam o comandante Calvão à TG3 e às operações especiais do Comando-Chefe obrigavam-no a um regresso imediato a Bissau, não se podendo dar ao luxo de perder tempo no naturalmente moroso trajecto marítimo da LFG. Tinha ficado, por isso, acertado que no final da operação o deixariam na Marca Samba, de onde a Força Aérea o recolheria de helicóptero. (Marca Samba era um pequeno farolim que a Marinha instalara havia dois ou três anos numa restinga areenta e pedregosa, a umas milhas na foz do rio Cacine, assinalando um baixio que constituía um perigo para a navegação e afirmando-se como ponto de referência para quem, vindo por mar, demandava a barra daquele rio. (Nota nª 188).
É pois naquele ponto perdido no meio do mar que foi deixado o comandante Calvão, sem ter necessidade de qualquer armamento já que se encontrava muito longe de terra. Sucede porém, que aquela era uma posição recentemente cartografada, pelo que apenas se encontrava assinalada nas cartas naúticas. Nas da Força Aérea nada constava e para as aeronaves aquele ponto nada mais era do que o mar imenso.Assim os helicópteros andavam a sobrevoar toda a costa da foz do rio Cacine, não podendo supor que o seu objetivo se encontrava naquele baixio tão distante.Entretanto, como o resgate demorava, a maré que inicialmente se encontrava na baixa-mar começa a subir e a restinga a ficar submersa, pelo que o comandante se ia aproximando cada vez mais do farolim. A certa altura, e já com os pés molhados, nada mais lhe resta senão começar a subir pela estrutura, mas quando olha para cima, percebe que não está sozinho: uma enorme jibóia encontrara no farolim um refugio seguro e enroscada no seu topo observava atentamente o recém-chegado. A um e a outro resta apenas a partilha do espaço, cada vez mais exíguo devido à subida das águas. Uma espera que teria sido interminável não fosse a iniciativa do piloto de um dos helicópteros, que alargara o raio da busca."
Observações minhas:
Se tinham acertado que, no final da operação iriam deixar o Senhor Comandante AC na "Marca Samba", aqueles que o iriam buscar, deveriam saber onde o encontrar. Andar a "sobrevoar toda a costa da foz do rio Cacine, não podendo supor que o seu objetivo se encontrava naquele baixio tão distante", é algo que me surpreende. Já escrevi e apaguei "ENE" vezes o que me vai na alma... Estou crente que esta situação foi "romanceada" e escapou ao Senhor Comandante AC.
No dia 27 de Agosto de 1969, o meu saudoso Comandante Diogo Neto, abeirou-me e disse que eu iria fazer uma evacuação, de um oficial fuzileiro, que tinha torcido um pé. (Não se faziam evacuações sem levar levar o "mecânico" e a enfermeira, mas naquela, teria que ir só. E foi o que aconteceu). A Sul da Ilha Melo, no meio do mar, iria encontrar o "oficial dos fuzileiros".
Tive a honra de ser eu, a "procurar" o Senhor Cmt AC para lá da ilha Melo, facto que não foi difícil.
Num "deserto" de água, encontra-se facilmente uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG "Sagitário"). Dei duas voltas, baixas sobre a LDG. Apontavam-me para onde se encontrava o Senhor Comandante.
Um areal a uns trezentos metros da LDG.
Vai encontrá-lo "numa ilhota", disse-me o meu Comandante Diogo Neto.
Lá estava, o Senhor Comandante Alpoim Calvão. Reconheci-o logo. Cumprimentamo-nos, perguntei pelo estado do seu pé, não deu importância ao caso. ...
Há um facto neste "transporte", uma ordem do Gen Diogo Neto, que só pode ser do conhecimento do Senhor Comt AC e meu .
Nada de grave, mas comprova aquilo que digo. Num futuro próximo poderemos "desvendar" este facto.
Só foi utilizado um heli e na procura não houve tempo perdido, nem podia haver. Na minha caderneta, pode ler-se: no dia 27 de Agosto 69, um TEVS para " Cassumba S" com o tempo de 1 hora e 50 minutos, duas aterragens, a "operação" que corresponde ao facto narrado em cima.
Numa próxima edição, este facto romanceado, deveria ser alterado, a fim de dar uma outra imagem da FAP.
As esperas intermináveis dos helis, aconteciam quando não havia meios para "acudir" a todos ao mesmo tempo.
******
Luís, envio isto para o teu/nosso Blog, a fim de dar cumprimento à verdade que aspiramos.
Se me permites, envio os meus cordiais cumprimentos com todo o respeito e admiração ao Senhor Comandante Alpoim Calvão.
Abraço do tamanho do Geba
Jorge Félix
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10872: Notas de leitura (443): "Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968", por Luís de Matos (Mário Beja Santos)
sábado, 29 de dezembro de 2012
Guiné 63/74 - P10876: Do Ninho D'Águia até África (39): Passa por mim em Mansoa (Tony Borié)
1. Mais episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, que retoma a sua actividade no seu aquartelamento.
Do Ninho D'Águia até África (39)
Já lá ia mais de ano e meio que vivia no aquartelamento em Mansoa, vamos descrever um dia normal do Cifra, que já conhecia o local e as pessoas.
Creio que este texto, fará relembrar todos os companheiros, que na mesma situação, estiveram ali estacionados. Embora estivesse rodeado de militares e equipamento bélico, o dia foi passado sem ataques ao aquartelamento, ou qualquer outro incidente, e estando de folga das suas tarefas, portanto cá vai.
Levanta-se mais ou menos pelas seis e meia, sete horas da manhã, que era quando alguns camaradas do pelotão de morteiros se preparavam para saírem em patrulha, não faz a cama, pois a partir de um certo tempo de estadia em cenário de guerra era um “desleixado”, como dizia o Trinta e Seis, mas diziam que dava sorte, deixando a cama por fazer, única e simplesmente fecha o mosquiteiro, veste os calções, coloca nos pés umas tamancas, que lhe fez o Mister Hóstia, com umas tábuas e uma tira de lona, que faziam de dobradiças de uma caixa de munições, coloca ao ombro o farrapo branco e encardido, que fazia de toalha, que em novo se chamava oficialmente toalha, e era feito de pano cru, pega na barra de sabão “Lifebuoy”, que tinha comprado ao achinesado “Life Boy”, mas que ficou a dever, pois só acertava contas no fim do mês quando recebia o “patacão”, mas apontou a lápis numa tábua de uma caixa de granadas que fazia de mesinha de cabeceira, pois o achinesado do “Life Boy” não era lá muito certo nas contas de fiado, pelo menos no parecer do “Marafado”, e encaminha-se para um local, na parte mais a sul do aquartelamento, onde tinham sido abertos três furos de água, que vinha quente, mesmo muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida, e onde havia alguns bidões vazios de gasolina, gasóleo ou mesmo óleo, que tinham sido lavados e estavam já cheios dessa água, do dia anterior, e estava morna, onde o Cifra toma banho nu ao ar livre.
Uma vez aconteceu, àquela hora cedo da manhã, o Cifra ir lá tomar banho com outros companheiros, onde ia o Curvas, alto e refilão, aparecendo por lá os tais polícias que faziam interrogatórios, e se passeavam pelo aquartelamento, creio que nessa altura andavam a fiscalizar a instalação do arame farpado, e o Curvas, alto e refilão ao vê-los, chama-os, e com o seu ar agressivo, na sua linguagem, toca com as duas mãos nos seus órgãos genitais, e diz, numa voz, que quase se ouvia em todo o aquartelamento:
- Venham cá filhos da p..., interrogar o Cifra! O que vocês querem é disto, cabrões, cornudos, qualquer dia faço-vos a folha!
Os polícias, começaram a caminhar rápido, sempre encostados ao arame farpado, em direcção à saída do aquartelamento, talvez já tivessem conhecimento da pessoa que era o Curvas, alto e refilão.
Mas continuando com a narrativa, toma banho, regressa ao dormitório, por vezes vestia roupa lavada, outras não, calça as botas de lona, coloca um cigarro “três vintes” na boca e dirige-se à cozinha, onde o “Arroz com pão”, gravura ao lado, lhe dá uma caneca de café, sem açúcar, que tirava ao de cima, de uma enorme panela.
Senta-se cá fora, bebe o café e pensa como devia estar o tempo lá na sua aldeia em Portugal, naquela altura da primavera, com um sol brilhante, lindo e sem aquela humidade que naquele momento já se fazia sentir.
Enfim, com estes pensamentos, dirige-se à aldeia que existia próximo do aquartelamento, visita o tal africano que como sempre estava deitado na rede, e que fazia os tais cigarros especiais. O Cifra, levanta a mão e diz-lhe “olá”. Ele vendo o Cifra àquela hora da manhã, sem dizer nada vai dentro da “morança”, trás uma mão cheia de cigarros, de onde o Cifra tira dois, que não fumou, guardando-os para mais tarde.
Cá fora da morança, duas das suas mulheres tentavam arrumar alguma lenha (foto em cima com o Cifra no meio delas), passa pela vila, vai ao mercado (foto em baixo), ver os produtos que estavam para venda.
Já aqui falámos de outras vezes, viu os tais cães vadios, e os africanos, alguns quase nus, outros vestidos com uma vestimenta que tinha sido branca, há algum tempo atrás, diziam que eram “os Gilas”, que lhes cobria o corpo até aos pés, quase todos descalços, a falarem e sempre a mascarem algo, que cuspiam de vez em quando, sem repararem em ninguém, e sempre que encaravam com um militar, calavam-se, virando a cara para outro lado. Também havia mulheres com um balaio de qualquer coisa à cabeça, que equilibravam como se estivessem num circo, e crianças com o ranho no nariz e o dedo na boca, agarradas às pernas da mãe. O Cifra, que quase sempre andava com rebuçados no bolso, dava-os a essas crianças, que sempre que o encontravam se aproximavam dele, outras ainda bebés, amarradas com um pano largo às costas das mães. Quando choramingavam, as mães ouvindo o choro, passavam por baixo do braço uma das mamas para trás, para que o bebé se amamentasse e se calasse.
Seguidamente passa pela casa onde está uma espécie de câmara municipal e diz “olá” ao funcionário, que é seu amigo, também passa pelos correios e compra dois selos para colocar numas cartas que quer mandar com fotografias para os seus pais. Estes selos têm o formato de losangos e representam animais, são compridos, tendo de ser colocados no envelope, antes de escrever a direcção, pois ocupam muito espaço.
Vai em frente, passa pela loja do Libanês, para comprar rebuçados, não era porque precisasse, mas sempre via as filhas do Libanês (gravura em baixo), continua caminhando, e mais à frente, junto ao rio, onde estão algumas canoas, umas em terra seca, outras na água, são quase todas do Iafane, africano seu amigo, que lhe chama “irmão”, que faz o transporte de pessoas e bens, que vieram trazer os seus produtos, para vender no mercado ou na Casa Ultramarina. O Cifra reparou, que alguns desses africanos, quando viajam na canoa, vão nus, só colocando uma tanga, depois de as atracar.
Foi à sede do clube de futebol, deu dois dedos de conversa com o rapaz africano que servia no bar, muito educado, que já sabia qual a bebida preferida de quase todos os militares, ao qual tratava pelo nome, pois já os conhecia, mas que neste momento andava a varrer, com uma vassoura feita de ramos de alguns arbustos, cá fora, o chão térreo, levantando algum pó, portanto sujando mais do que limpava. Questionado pelo Cifra porque fazia tanto pó, ele respondeu que o “Homem Grande”, seu pai, lhe dizia que o pó e a lama faziam bem à pele e a protegia do sol. O Cifra, quando por vezes encontrava alguém que quisesse jogar às cartas, lá ia numa “sueca” ou numa “bisca lambida”, quase sempre na disputa de uma cerveja, até que chegava a hora de ir à “Bóia”, como dizia o saudoso cabo Bóia, que era a refeição do meio dia, que o Cifra, quase nunca comia, pois esperava pelo fim dela para ir visitar o sargento da messe, que sempre guardava qualquer coisa do almoço, e que sabia que o Cifra gostava.
Aí ficava por quase toda a tarde, ajudando nas contas ou simplesmente conversando, dava um cigarro dos especiais ao sargento da messe, guardando o outro. Quando já era um pouco mais fresco, quase no fim da tarde, que era quando os mosquitos apertavam mais, mas que pouca diferença já fazia, pois a pele do corpo já estava rija e curada, na companhia do Setúbal e do Curvas, alto e refilão, iam dar uma volta pela ponte e admirar o rio (foto em baixo), que adorava na altura da maré cheia, pois parecia o rio da vila a que a sua aldeia do vale do Ninho d’Aguia, pertencia, por altura do inverno quando a água das chuvas, vinda da montanha, o fazia transbordar e alagar os campos vizinhos.
O pôr do sol era um espectáculo lindo com o astro rei a brilhar sobre o manto de água reluzente, pois na sua superfície existia sempre uma camada de lama. Nessa altura fumavam o cigarro especial, entre os três, sentados na beira da ponte, e talvez por isso, o cenário se tornasse encantador, tal qual como se viam nas películas, que às vezes se exibiam na sede do clube de futebol.
Ao final, chegavam ao aquartelamento, passavam pela cozinha, onde o Cifra sempre roubava um naco de pão, sobre o olhar do “Arroz com pão”, que sabia que o Cifra fazia isso quase todos os dias, por isso tinha o pão, sempre no mesmo sítio, que era numa espécie de banca de cozinha, mas muito mal feita, com os restos de umas tantas caixas de munições, bebendo cada um uma cerveja, que já tinham trazido da messe dos sargentos, vinham para o dormitório, onde o Cifra ouvia as aventuras dos que tinham saído em patrulha, ou em alguma operação de destruição de bases inimigas, e adormecia, quase sempre tarde, quando o último terminava de falar, ou alguém deixava de ressonar.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10866: Do Ninho D'Águia até África (38): ...a guerra e o amor (Tony Borié)
Do Ninho D'Águia até África (39)
Já lá ia mais de ano e meio que vivia no aquartelamento em Mansoa, vamos descrever um dia normal do Cifra, que já conhecia o local e as pessoas.
Creio que este texto, fará relembrar todos os companheiros, que na mesma situação, estiveram ali estacionados. Embora estivesse rodeado de militares e equipamento bélico, o dia foi passado sem ataques ao aquartelamento, ou qualquer outro incidente, e estando de folga das suas tarefas, portanto cá vai.
Levanta-se mais ou menos pelas seis e meia, sete horas da manhã, que era quando alguns camaradas do pelotão de morteiros se preparavam para saírem em patrulha, não faz a cama, pois a partir de um certo tempo de estadia em cenário de guerra era um “desleixado”, como dizia o Trinta e Seis, mas diziam que dava sorte, deixando a cama por fazer, única e simplesmente fecha o mosquiteiro, veste os calções, coloca nos pés umas tamancas, que lhe fez o Mister Hóstia, com umas tábuas e uma tira de lona, que faziam de dobradiças de uma caixa de munições, coloca ao ombro o farrapo branco e encardido, que fazia de toalha, que em novo se chamava oficialmente toalha, e era feito de pano cru, pega na barra de sabão “Lifebuoy”, que tinha comprado ao achinesado “Life Boy”, mas que ficou a dever, pois só acertava contas no fim do mês quando recebia o “patacão”, mas apontou a lápis numa tábua de uma caixa de granadas que fazia de mesinha de cabeceira, pois o achinesado do “Life Boy” não era lá muito certo nas contas de fiado, pelo menos no parecer do “Marafado”, e encaminha-se para um local, na parte mais a sul do aquartelamento, onde tinham sido abertos três furos de água, que vinha quente, mesmo muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida, e onde havia alguns bidões vazios de gasolina, gasóleo ou mesmo óleo, que tinham sido lavados e estavam já cheios dessa água, do dia anterior, e estava morna, onde o Cifra toma banho nu ao ar livre.
Uma vez aconteceu, àquela hora cedo da manhã, o Cifra ir lá tomar banho com outros companheiros, onde ia o Curvas, alto e refilão, aparecendo por lá os tais polícias que faziam interrogatórios, e se passeavam pelo aquartelamento, creio que nessa altura andavam a fiscalizar a instalação do arame farpado, e o Curvas, alto e refilão ao vê-los, chama-os, e com o seu ar agressivo, na sua linguagem, toca com as duas mãos nos seus órgãos genitais, e diz, numa voz, que quase se ouvia em todo o aquartelamento:
- Venham cá filhos da p..., interrogar o Cifra! O que vocês querem é disto, cabrões, cornudos, qualquer dia faço-vos a folha!
Os polícias, começaram a caminhar rápido, sempre encostados ao arame farpado, em direcção à saída do aquartelamento, talvez já tivessem conhecimento da pessoa que era o Curvas, alto e refilão.
Mas continuando com a narrativa, toma banho, regressa ao dormitório, por vezes vestia roupa lavada, outras não, calça as botas de lona, coloca um cigarro “três vintes” na boca e dirige-se à cozinha, onde o “Arroz com pão”, gravura ao lado, lhe dá uma caneca de café, sem açúcar, que tirava ao de cima, de uma enorme panela.
Senta-se cá fora, bebe o café e pensa como devia estar o tempo lá na sua aldeia em Portugal, naquela altura da primavera, com um sol brilhante, lindo e sem aquela humidade que naquele momento já se fazia sentir.
Enfim, com estes pensamentos, dirige-se à aldeia que existia próximo do aquartelamento, visita o tal africano que como sempre estava deitado na rede, e que fazia os tais cigarros especiais. O Cifra, levanta a mão e diz-lhe “olá”. Ele vendo o Cifra àquela hora da manhã, sem dizer nada vai dentro da “morança”, trás uma mão cheia de cigarros, de onde o Cifra tira dois, que não fumou, guardando-os para mais tarde.
Cá fora da morança, duas das suas mulheres tentavam arrumar alguma lenha (foto em cima com o Cifra no meio delas), passa pela vila, vai ao mercado (foto em baixo), ver os produtos que estavam para venda.
Já aqui falámos de outras vezes, viu os tais cães vadios, e os africanos, alguns quase nus, outros vestidos com uma vestimenta que tinha sido branca, há algum tempo atrás, diziam que eram “os Gilas”, que lhes cobria o corpo até aos pés, quase todos descalços, a falarem e sempre a mascarem algo, que cuspiam de vez em quando, sem repararem em ninguém, e sempre que encaravam com um militar, calavam-se, virando a cara para outro lado. Também havia mulheres com um balaio de qualquer coisa à cabeça, que equilibravam como se estivessem num circo, e crianças com o ranho no nariz e o dedo na boca, agarradas às pernas da mãe. O Cifra, que quase sempre andava com rebuçados no bolso, dava-os a essas crianças, que sempre que o encontravam se aproximavam dele, outras ainda bebés, amarradas com um pano largo às costas das mães. Quando choramingavam, as mães ouvindo o choro, passavam por baixo do braço uma das mamas para trás, para que o bebé se amamentasse e se calasse.
Seguidamente passa pela casa onde está uma espécie de câmara municipal e diz “olá” ao funcionário, que é seu amigo, também passa pelos correios e compra dois selos para colocar numas cartas que quer mandar com fotografias para os seus pais. Estes selos têm o formato de losangos e representam animais, são compridos, tendo de ser colocados no envelope, antes de escrever a direcção, pois ocupam muito espaço.
Vai em frente, passa pela loja do Libanês, para comprar rebuçados, não era porque precisasse, mas sempre via as filhas do Libanês (gravura em baixo), continua caminhando, e mais à frente, junto ao rio, onde estão algumas canoas, umas em terra seca, outras na água, são quase todas do Iafane, africano seu amigo, que lhe chama “irmão”, que faz o transporte de pessoas e bens, que vieram trazer os seus produtos, para vender no mercado ou na Casa Ultramarina. O Cifra reparou, que alguns desses africanos, quando viajam na canoa, vão nus, só colocando uma tanga, depois de as atracar.
Foi à sede do clube de futebol, deu dois dedos de conversa com o rapaz africano que servia no bar, muito educado, que já sabia qual a bebida preferida de quase todos os militares, ao qual tratava pelo nome, pois já os conhecia, mas que neste momento andava a varrer, com uma vassoura feita de ramos de alguns arbustos, cá fora, o chão térreo, levantando algum pó, portanto sujando mais do que limpava. Questionado pelo Cifra porque fazia tanto pó, ele respondeu que o “Homem Grande”, seu pai, lhe dizia que o pó e a lama faziam bem à pele e a protegia do sol. O Cifra, quando por vezes encontrava alguém que quisesse jogar às cartas, lá ia numa “sueca” ou numa “bisca lambida”, quase sempre na disputa de uma cerveja, até que chegava a hora de ir à “Bóia”, como dizia o saudoso cabo Bóia, que era a refeição do meio dia, que o Cifra, quase nunca comia, pois esperava pelo fim dela para ir visitar o sargento da messe, que sempre guardava qualquer coisa do almoço, e que sabia que o Cifra gostava.
Aí ficava por quase toda a tarde, ajudando nas contas ou simplesmente conversando, dava um cigarro dos especiais ao sargento da messe, guardando o outro. Quando já era um pouco mais fresco, quase no fim da tarde, que era quando os mosquitos apertavam mais, mas que pouca diferença já fazia, pois a pele do corpo já estava rija e curada, na companhia do Setúbal e do Curvas, alto e refilão, iam dar uma volta pela ponte e admirar o rio (foto em baixo), que adorava na altura da maré cheia, pois parecia o rio da vila a que a sua aldeia do vale do Ninho d’Aguia, pertencia, por altura do inverno quando a água das chuvas, vinda da montanha, o fazia transbordar e alagar os campos vizinhos.
O pôr do sol era um espectáculo lindo com o astro rei a brilhar sobre o manto de água reluzente, pois na sua superfície existia sempre uma camada de lama. Nessa altura fumavam o cigarro especial, entre os três, sentados na beira da ponte, e talvez por isso, o cenário se tornasse encantador, tal qual como se viam nas películas, que às vezes se exibiam na sede do clube de futebol.
Ao final, chegavam ao aquartelamento, passavam pela cozinha, onde o Cifra sempre roubava um naco de pão, sobre o olhar do “Arroz com pão”, que sabia que o Cifra fazia isso quase todos os dias, por isso tinha o pão, sempre no mesmo sítio, que era numa espécie de banca de cozinha, mas muito mal feita, com os restos de umas tantas caixas de munições, bebendo cada um uma cerveja, que já tinham trazido da messe dos sargentos, vinham para o dormitório, onde o Cifra ouvia as aventuras dos que tinham saído em patrulha, ou em alguma operação de destruição de bases inimigas, e adormecia, quase sempre tarde, quando o último terminava de falar, ou alguém deixava de ressonar.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10866: Do Ninho D'Águia até África (38): ...a guerra e o amor (Tony Borié)
Guiné 63/74 - P10875: Memória dos lugares (203): Parque Nacional da Peneda-Gerês: Cascata do Arado, Mata da Albergaria, a Geira e outras joias do parque que, embora decadente, continua a ser um dos sítios mágicos da nossa terra... (Luís Graça)
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terras de Bouro > Cascata do Arado > 27 de dezembro de 2012
Vídeo (49''): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terras de Bouro > Cascata do Arado, a cerca de 750 m de altitude.
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terras de Bouro > Cascata do Arado > Um dos muitos tristes exemplos da vandalização da sinalética do parque...
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terras de Bouro > A milha XXXI da Geira, a antiga via romana que ligava Braga a Astorga...
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terra de Bouro > Mata da Albergaria > Antiga via romana Braga-Astorga > Marcos miliários (classificados como Monumento Nacional).
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terra de Bouro > Mata de Albergaria, nas proximidades da margem esquerda da barragem do Vilarinho das Furnas e da aldeia de Campo do Gerês.
Parque Nacional da Peneda-Gerês > Terra de Bouro > Mata junto à Pedra Bela.
Fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
1. Há, ainda felizmente, lugares mágicos neste país. O Parque Nacional da Peneda-Gerês, mesmo decadente, é um deles. (Decadente, por muitas razões que não importa aqui desenvolver: os sucessivos governos, a EDP, os serviços florestais, a gestão do parque, os bombeiros, os madeireiros, os incendiários, os autarcas, oa proprietários, as populações, os turistas, os muitos interesses contraditórios em jogo...).
Voltei cá no fim deste ano e ao fim de vários anos. A mata de Albergaria é uma das jóias da coroa do Parque. É um das nossas mais antigas manchas de carvalhal, em estado natural. Acabo de fazer que caminho que atravessa a mata e acompanha a antiga via romana Braga-Astorga - conhecida como a Geira - , ao longo da margem esquerda da albufeira de Vilarinho das Furnas, e que termina em Campo do Gerês. Sobreviveram até aos nossos dias uns vinte e tal marcos miliários que sinalizavam as distâncias enter Braga e Astorga.
Ponho o ouvido esquerdo numa destas pedras milenares, tentando ainda "apanhar" os ecos da marcha forçada dos últimos legionários romanos... Aqui respira-se um duplo silêncio, o da natureza (prodigiosa) e o da história (mal conhecida)... Quantos invasores do nosso território não terão passado por aqui ? E quantos jovens da minha geração não terão pegado na trouxa para fugir da miséria das suas aldeias, a caminho de Paris, de Lisboa, do Porto ? Quantos camaradas meus, oriundos das Terras de Bouro, terão ido parar à Guiné ? Não tenho ideia de ter aqui, sob o poilão da nossa Tabanca Grande, nenhum camarada destas paragens... (Aqui fica um convite e um desafio para aparecerem!).
O Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) , infelizmente, é o único parque nacional que nós temos. Na sua criação também trabalhou a nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro, no início da década de 1970. O PNPG ocupa cerca de 70290 hectares, indo do extremo nordeste do Minho até Trás-os-Montes.Inclui quatro serras, Peneda, Soajo, Amarela e Gerês, e dois rios principais, o Lima eo Cávado. Faz fronteira com a Galiza. Abrange os concelho de Terras de Bouro (Braga), Melgaço, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca (Viana do Castelo) e ainda Montalegre (Vila Real). Ver o respetivo mapa, aqui.
Voltei, ao fim de largos anos, ao Miradouro da Pedra Bela, que costuma proporciona uma vista privilegiada sobre todo o vale do rio Gerês, mas desta vez o nevoeiro era cerrado... Aqui escreveu Miguel Torga, em 1942 (, de acordo com a placa descarrada, no local, em 12 de agosto de 2007, por ocasião do 100º aniversário do nascimento do poeta):
Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.
Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras…
(Miguel Torga – Gerês, Pedra Bela, 20 de Agosto de 1942 – Diário II)
A Ermida, a aldeia comunitária, de economia agropastoril de montanha, essa, já não me deixou nada entusiasmado, face às construções dos últimos anos, com manifesta falta de bom gosto estético e de enquadramento paisagístico... Já não ia lá há mais de 30 anos...
Registe-se aqui o estatuto de conservação de PNPG:
(i) Estatuto de Parque Nacional, através do Decreto-Lei n.º 187/71, de 8 de Maio que cria o Parque Nacional da Peneda-Gerês;
(ii) Reserva Biogenética do Conselho da Europa: “Matas de Palheiros - Albergaria”;
(iii) Sítio de Importância Comunitária (SIC) “Serras da Peneda-Gerês”, da rede ecológica europeia Rede Natura 2000, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto, publicado no Jornal Oficial da Comunidade Europeia, de 29/12/ 2004;
(iv) Zona de Protecção Especial para Aves Selvagens (ZPE) da “Serra do Gerês”, da Rede Natura 2000, através do Decreto-Lei n.º 384-B/99, de 23 de Setembro;
(v) PAN Park desde 2008.
Amigos e camaradas: é um dos recantos do nosso querido Portugal que é peciso conhecer, divulgar, amar e proteger... Os valores naturais e culturais do PNPG devem inspirar-nos e ajudar-nos a resistir melhor ao pessimismo com que acabamos o ano velho e ao ceticismo com que nos preparamos para enfrentar o novo ano...
Terras de Bouro, 28/12/2012
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de dezenbro de 2012 > Guiné 63/74 - P10868: Memória dos lugares (202): Cacheu, Natal de 1964 (António Bastos)
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