quarta-feira, 17 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4541: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (10): Juvenal, como foste nessa de chamar Vanessa à tua menina ? (Luís Graça)

O blogue chama-se Não digas que sim, e está na blogosfera desde Abril de 2009. A jovem blogadora chama-se Vanessa Amado. O pai, babado, é o nosso querido camarada Juvenal Amado, membro da nossa Tabanca Grande desde Janeiro de 2008 e a autor da série Estórias do Juvenal Amado. Foi, noutra encarnação, 1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Guiné. Zona Leste, Galomaro, 1972/74. Faz hoje 59 anos (*)...

Descobri que o Juvenal tem uma filha, que mora aqui perto de mim, na Amadora, e que trabalha no sector da saúde, num dos hospitais da Grande Lisboa. Presumo que seja médica ou enfermeira. É sobretudo uma grande mulher, dotada de inteligêncial emocional e sensibilidade social, e com um enorme talento para a escrita como o pai, que ela adora... Um grande beijinho para ti, Vanessa, e obrigado por me teres emprestado as palavras que eu queria dizer ao teu pai, nos dia do seu aniversário...

No nosso blogue, que é também um blogue de afectos, há sempre lugar para estas pequenas ternuras, para mais quando um camarada faz anos... Um camarada da Guiné, da zona leste, que andou por muitos sítios que eu também trilhei, e de cujas estórias/histórias sou fã... Parabéns, Juvenal, que tenhas um grande dia, e que continues a partilhar connosco as tuas memórias da Guiné e as tuas preocupações cívicas... Até sábado, na Ortigosa. E que não me leves a mal parodiar aqui a letra da canção do António Variações, Maria Albertina, recriada pelo Camané... Tens notivos de orgulho pela tua filha Vanessa, autora deste texto de antologia que tomo a liberdade de aqui reproduzir, para teu e nosso encanto e reflexão. (LG)


1. Vanessa Amado > Terça-feira, 2 de Junho de 2009 > O que guardo no bolso da bata branca faz de mim rica

[Reproduzido com a devida vénia]

É no olhar doente da morte que encontro o brilho dos meus olhos e a força do meu coração. Num mundo feito de pequenos gestos, pequenos toques descritos em livros de especialidade, poucas palavras que salvam vidas, encontro o meu lugar.

Os odores, os ruídos, os vultos brancos, o cheiro a café e desinfectante, as conversas paralelas, as folhas preenchidas dos segredos de cada um expostos ao olhar de estranhos. Estranhos amigos que significam tudo, que nunca esquecem. É talvez o único lugar do mundo, onde os estranhos se tornam os fiéis guardiões do bem mais precioso, a vida.

Cada olhar perdido, da dor ou das luzes florescentes da porta de urgência, entra de mãos erguidas e entrega a vida. Recebo cada um, olho cada capa azul, cada mão, cada sonda, cada cateter, na esperança de fazer a diferença, dar vida, confiança, esperança ou dar paz na morte.

Guardo cada um no seu local, os vivos, os que me deixaram e talvez por isso a bata tem um bolso junto ao peito. Poderia enunciar nomes, tantos que não existem letras para os escrever, vidas que começam e acabam, que seguiram mais ricas, mais pobres, mas que levam sempre um pouco de amor, que sinto pela minha profissão.

A minha vida segue, no lugar onde a vida começa e acaba, onde o choro e o riso se confundem.

A vida é feita de pequenas ironias organizadas num caos com sentido, com caminhos tortuosos, aparentemente sem saída. Valem os momentos, as palavras do coração, a escrita da alma, o amor verdadeiro pelo nosso papel, neste teatro de comédia e tragédia a que chamamos vida.

Trabalho por amor, dou cada passo, escrevo cada linha, faço mais um esforço, acordo como se fosse já o fim do dia, com o olhar cansado e os músculos doridos, por amor. Aprendi a definir-me pelo que faço e não pelo nome, vejo ao espelho o resultado do meu trabalho e não a minha cara, o meu corpo, sou o produto do meu trabalho, não sou completa sem ele.

Enquanto escrevo estas palavras, tenho uma mão amiga no ombro, uma mão pesada, quente, que me conforta há tantos anos, quantos aqueles que tenho. Alguém como eu e que vai sentir estas palavras suas, o meu pai. Para nós, trabalhadores de alma a vida é dura mas tão mais sentida, não é pai ?


http://naodigasquesim.blogs.sapo.pt/1239.html

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Notas de L.G.:

(*) 17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4538: Parabéns a você (9): Juvenal Amado nasceu a 17 de Junho de 1950

(**) Vd. último poste desta série > 15 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4188: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (9): Em São Leonardo de Galafura, com o Zé Manel e o António Pimentel (Luís Graça)

2 comentários:

António Matos disse...

Querida Vanessa ( sou mais velho que o teu Pai pelo que, suponho, me permitirás o "sem-cerimóna" ),
Ainda há pouco tempo houve quem apelasse à não participação neste blog de todo aquele que não tivesse sido combatente na Guiné .....
Para esses, permite-me que lhes dedique este teu texto com o mesmo carinho com que tu prendas o teu Pai.
Agora srª Drª Vanessa, parabéns por este naco de prosa ;
Parabéns pela entrega que dedica à sua profissão ;
Parabéns pelo seu Pai;
Parabéns pelo seu naodigasquesim ;
Parabéns pelo seu "Quando o sofá passa a ser de um lugar apenas" ;
Parabéns por ter aparecido por aqui !
Se me permite, receba um beijinho,
António Matos

Anónimo disse...

Minha Menina (DOUTORA), Vanessa

Permita-me que a trate assim.
Quero dizer-lhe´, que sinto um prazer imenso, ao ler o que escreve. Sei, sem sombra de dúvidas, que trouxe nos genes, essa sua capacidade. Cada um herda o que os seus progenitores ou antecessores, teem para lhe deixar.
O que tenho lido sobre a sua família, é mais que suficiente, para chegar a esta conclusão: herdeira de avô, artista em várias áreas, de pai bom amigo e sentimentalão, é já mais que suficiente para transportar consigo, as qualidades que possui, e que certamente ainda são fortalecidas pela outra parte, que não conheço, mas adivinho.
Desejo-lhe as maiores felicidades,
tanto na sua vida profissional como na sua vida particular, e felicito-a, tanto como a seus pais, pela vossa capacidade de transmitirem sentimentos, que cada vez se tornam menos disponíveis nas pessoas.
Posso dar-lhe um beijo?

Felismina Costa