sábado, 7 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6832: Convívios (264): Festejar a vida em Santa Luzia, Ourique (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa com data de 4 de Agosto de 2010:

Boa-noite Amigo Carlos Vinhal
Queria partilhar convosco um almoço a que assisti na minha terra no passado dia 25 de Julho.


FESTEJAR A VIDA

A organização presidida por ex-combatentes, promove o encontro de naturais da minha freguesia, nos últimos três anos, dando prioridade aos nascidos em 1943, mas sucessivamente alargados os convites, a familiares e amigos, e, é na qualidade de convidados, que me apresento com meu marido, meu filho mais velho, nora e neto.

Penso que já vos disse, que sou alentejana, natural de uma freguesia do Concelho de Ourique, chamada Santa Luzia. A partir dos anos sessenta, quase todos nós deixamos as nossas terras e fixámo-nos nas periferias das grandes cidades, tentando mudar o rumo da vida, tentando melhorará-la.

O trabalho do campo, mal remunerado, e cada vez mais escasso, mercê das novas tecnologias agrícolas, fazia com que, principalmente os jovens saíssem à procura de dias melhores, e foi assim que a minha aldeia, tal como tantas outras, viu partir os seus filhos: o êxodo dá-se ao mesmo tempo que acontece a guerra do ultramar, e os próprios ex-militares que regressam, depressa saem também, tentando melhores condições de vida. Muitos alentejanos fixaram-se na margem sul, (sempre pensei, que por se sentirem mais próximos do seu torrão Natal). O certo é que as aldeias, foram ficando despovoadas, poucos jovens permanecem, e os menos jovens vão partindo para a viagem final.

Contudo alguns resistem, decidem ficar, e aos poucos os que saíram vão regressando reformados:

O chamamento da terra é algo muito forte!

E ei-los que voltam! E os que voltam querem trazer mais, e querem reunir os que há muito partiram e nunca mais se reuniram, e organizam-se, fazem-se contactos a nível escolar, e são convocadas turmas inteiras da escola Primária, porque era o único estabelecimento de ensino, e a terra enche-se de gente. No café do Zé Capela, um dos organizadores do evento, e no recinto do Clube local, os encontros de quem não se via há 40 anos são verdadeiras demonstrações de alegria e saudade. Quem és tu? E tu quem és? São perguntas constantes, e os sorrisos e as lágrimas, e os beijos e os abraços, e o recordar famílias, e situações divertidas, e dramas, e os rostos que já não vimos nunca mais, e as casas em que vivemos transformadas, modificadas por novos ocupantes, tudo isso gera emoções quase impossíveis de caber no peito. Fiz questão de falar a todos os habitantes que vi, como sempre fiz, percorri a aldeia inteira acompanhada pela meus, para mostrar ao meu neto os lugares onde cresci e onde vivi as histórias que sempre lhe contei, onde feliz e amada por todos, donde trouxe as melhores recordações da minha vida.

O almoço foi espectacular, na maior camaradagem, na maior alegria!

Que alegria me deu a minha gente!

Depois do almoço, cantamos o nosso encantador canto alentejano, havia vozes magnificas, e as menos boas faziam-se ouvir na mesma. Éramos todos um. A mesma alegria e a mesma emoção.

Os meus amigos da organização fizeram questão de me dizer: - Obrigados por teres vindo e teres trazido a tua família, tu és nossa, não queremos que faltes nunca. Vem sempre e trá-los também. Chorei, distribuí beijos e abraços aos meus irmãos e irmãs de infância, que à despedida me diziam: - Não vás, fica cá.

Li alguns poemas meus, um intitulado Santa Luzia, numa homenagem à terra que nos viu nascer e crescer.

Havia convidados ex-combatentes que prestaram serviço em Angola com os nossos conterrâneos e que ficaram amigos para a vida, e um deles me disse que se sente como se fosse um dos nossos.

Gostei de tudo, da alegria, da saudade, da emoção, para a qual tenho pedido ajuda ao Lexotan, e sobretudo de constatar que a minha gente tem os mesmos valores, a mesma maneira de ser e agir, que o berço, mesmo pobre, lhes incutiu.

Porque é grande a minha emoção, quis partilhar convosco, homens da guerra, habituados que estão a estes
encontros e a sentir estas emoções. Eu, também vivo as vossas, como se minhas fossem.

Obrigada
Felismina Costa

Felismina Costa entre dois amigos. De frente, o filho e a nora

Nesta foto: marido, nora, Felismina e o neto
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6746: Tabanca Grande (230): Felismina Costa, madrinha de guerra de Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6775: Convívios (178): Encontro do pessoal da CCAÇ 4740 (Armando Faria)

12 comentários:

Anónimo disse...

olá Felismina

Consegui entrar na net e no blogue.
Com que então é de Santa Luzia.
Fui criado no Alentejo, não á beira do Guadiana mas do Mira...pertinho...(e noutros alentejos)nasci,por falta de travões,no fim do Algarve já perto do Atlântico...parte de minha família é dessa zona.
Não tenho o seu email e não escrevo em "aberto"claro.
Estou ainda em férias e hoje com levante, vento aborrecido.
Mande-me,se assim o entender, o seu email. AB do Torcato

Colaço disse...

Ao que sei o Concelho de Castro Verde está bem representado no blogue a nível de tertulianas pois além da nossa Felismina Costa temos também a Maria Teresa Parreira, eu Castrense não posso deixar passar sem dar os parabéns as tertulianas e ao Concelho.
Daqui vos envio cumprimentos um abraço e um beijo.

Colaço.

Anónimo disse...

Do Algarve, envio saudações cordiais para o autor deste Blogue, para os restantes editores, e para todos os tertulianos.

Felicito a Felismina pela sua coragem e pela sua sinceridade, de peito aberto, à boa maneira alentejana.

Não sou tertuliana, mas sou visitante e admiradora do Blogue e tem-me sido permitido efectuar alguns comentários, pelo que me sinto muito reconhecida.

Sou casada com um ex-combatente da guerra colonial, na Guiné, e com ele aprendi a amar aquele País e aquele povo, bem como a julgar aquela guerra estupida e injusta.

Pelo que me é dado ver, os primeiros comentadores deste post são alentejanos, e, olhando à hora, mostra bem que não estão a "dormir a folga".

Já estava admirada de não ver por aqui comentários do Colaço, prezo muito em vê-lo de volta.

Um fraterno abraço para a Felismina, para o Torcato, e para o meu conterrâneo Colaço.

Maria Teresa Parreira

Colaço disse...

Devia ter escrito temos também a assídua visitante Maria Teresa Parreira.

Anónimo disse...

Amiga Felismina Costa

A sua explanação transportou-me às recordações da minha aldeia - Vale de Espinho – Sabugal -onde nos finais dos anos 50 se iniciou o êxodo dos seus amados filhos, com o fenómeno da emigração.

A agricultura de subsistência na região, é muito inconstante devido às funestas condições climatéricas, a produção nem sempre cobre o investimento feito. Era preciso alimentar os filhos e sonhava-se com um futuro melhor. O contrabando, prática das terras arraianas, era muito arriscado e doloroso, muito instável e nem sempre dava lucro, pois por vezes a Guarda-fiscal aprendia a mercadoria, quando não era pior, e lá se iam as ilusões. Oferta de trabalho fabril, não havia, os produtos que a terra dava muito pouco valor comercial tinham. Perante tamanhas adversidades de vida, que tão madrasta era, eis que é triste, mas os filhos ditosos da minha aldeia tiveram que partir, como verdadeiros heróis que foram, rumo ao desconhecido, incerto e longínquo maná prometido. Partem a “salto”, abandonavam-se entregues nas mãos dum passador, por vezes sem escrúpulos, que os conduz pela calada da noite, muitas das vezes debaixo de intempéries cheios de frio e fome, noites e noites sem dormir, a ter que palmilhar léguas e léguas de terreno acidentado.

Assim, já no destino, os que conseguiram chegar, levando uma vida dura e difícil, estes heróis, que um dia partiram prenhes de sonhos e ilusões, para França, Alemanha, Suíça, ou Bélgica, foram com muito sacrifício, amealhando mais do que podiam economizar, para dar um futuro mais risonho e tranquilo aos seus queridos filhos, e, duma maneira muito digna e honesta, fruto do seu trabalho honrado, contribuíram para a riqueza da sua querida Pátria, a onde todos sonham com dignidade voltar, para engrandecer e embelezar a sua saudosa Terra Natal, ainda que por vezes tenha crescido sem identidade beirã!

Parabéns, saúde e felicidade para a sua família.

Um hino ao Emigrante – não lembro quem é o autor.

Levas nos olhos a esperança/A desfazer-se em lágrimas/De saudade,/Da terra que deixaste/Em busca de prosperidade/E da felicidade…/Tanta labuta!/Tanto suor com sabor a fel,/Para que os teus filhos/Um dia, mais tarde/saboreassem a vida,/Já com sabor a mel!/E, quando regressas/À terra/Que te viu nascer,/É que começas a viver/Na casa que sonhaste,/Em que o grande herói/Foste tu, emigrante!

Um abraço de amizade e muita saúde

José Corceiro

Anónimo disse...

Com eu compreendo a Felismina...!

Também eu tive de sair da minha terra, Castro Verde, à procura de uma vida melhor, primeiro para Lisboa, em 1966, e depois para o Algarve em 1970, pela mão dos meus pais.

Os nossos concelhos, Ourique e Castro Verde estão unidos pela terra e pelo passado de miséria e sofrimento, e por sentimentos comuns de saudade e alegria no regresso à terra que nos viu nascer.

Não sei quem fez a letra desta moda, que sempre ouvi o meu pai cantar.
Ainda hoje choro quando a oiço, ao lembrar-me do meu pai.

Já deixei o Alentejo

Vou-me embora p'ra Lisboa
Porque a vida cá é má.
À busca de uma vida boa
que eu procuro e não encontro cá.

Cheguei e embarquei no comboio
Que assoprava pela linha.
Às vezes penso comigo e digo
Que triste sorte é a minha.

Quando cheguei ao Barreiro
embarquei no vapor qu'passa o Tejo.
Chora por mim qu'eu choro por ti
Já deixei o Alentejo.

Chora por mim qu'eu choro por ti
Já deixei o Alentejo.


Para a Felismina um beijo e um abraço, e os meus desejos de muita saúde para continuar a escrever a sua poesia e prosa

Maria Teresa Parreira

José Marcelino Martins disse...

Na realidade só se dá valor às coisas, quando se perderam. Todos somos assim.

É aí que o "nosso chão" (como dizem os Guinéus) nos chama e atrai e, onde a "coisa" mais simples toma proporções gigantescas, e nos faz regressar à meninice, ainda que dela já nada reste, e os cenários, apesar dos mesmos, já estão diferentes no tempo e no espaço.

É nessas alturas que as palavras PATRIA, NAÇÃO e TERRA têm um maior valor e nos faz ter orgulho em partilharmos a nossa história e a nossa experiência.

Estas são as personagens reais da real História de Portugal - todos os portugueses sem distinção!

Bem haja pelos seus textos! Se nós "tertulianos" estamos orgulhosos, como estará a familia?

José Martins

Anónimo disse...

Abalei do Alentejo/olhei para trás Chorando/Alentejo da minh'Alma/tã longe me vais ficando...
Há algo cá dentro que mexe Camarada J.Martins e não sou alentejano...vivi lá muito e de lá abalei há demasiado tempo.Andanças, tanto assim que adorei o relato do J. Corceiro e o contrabando a raia, o ir a salto. São Histórias de vida fabulosas. Zé Corceiro eu em setenta e tal comecei a ir ao Sabugal. A barragem,o regadio...e mais tarde na raia em Penha Garcia ou no Douro e no afluente Águeda com o Exército espanhol a tratar dos rios internacionais...vidas. Só que fui ouvindo, vendo aquela gente.
Continuava mas páro e penso que estas histórias deviam ser contadas.
Um abraço ás Mulheres e Homens de meu País e continuo a orgulhar-me de ser Português e, no mundo por aonde andei sempre o disse.
AB do Torcato

Anónimo disse...

Camaradas,
O magnifico comentário do J. Corceiro transporta-nos para realidades passadas, daquelas que condicionavam os portugueses a fracos rendimentos, por mais e melhor que trabalhassem. De direitos nem convém falar. Daí a opção por procurar lá fora as oportunidades que o País negava
(nega?).
Assim, com essa objectividade, somos confrontados com a decisão de alguns em partir quanto antes. Para fugir ao risco da guerra, ou porque não tinham nada e pretendiam, tão só, viver melhor. Deixo esta nota para quando, futuramente, voltarmos a falar de desertores.
Pessoalmente, nunca estive disposto a morrer pela Pátria. Mas a alternativa afigurava-se demasiado dificil para o equilibrio familiar, e para a realização dos meus sonhos. Contei apenas comigo e com a sorte para ter ido, e ter voltado sem beliscaduras notórias. Depois, claro, contei ainda com a grande solidariedade da maioria da malta mobilizada e, naturalmente, do Foxtrot, um grupo de rapazes bons.
Abraços fraternos
JD

Hélder Valério disse...

Caríssima Felismina

Como se pode constatar pelo teu texto/relato, a procura de encontrar nos tempos vividos, nas nossas raízes, nas nossas experiências, individuais e colectivas, a razão da nossa existência, não é uma 'moda' que os ex-militares (combatentes no sentido restricto da palavra, ou nem por isso) tenham como seu exclusivo.
É de facto uma onda que talvez encontre razão na procura de novas orientações para estes desmandos em que se (sobre)vive.
Ele são os encontros do pessoal da Primária, das Escolas Técnicas ou do Liceu, desta ou daquela colectividade, de tantos e variados grupos quantos aqueles em que fomos dando vida.
E são de vária ordem, as diferentes "maltas", como o José Cardoso Pires já retratava no seu livro "Angústia para o Jantar", salvo erro: ele é a 'malta' do café X ou Y, é a 'malta' do futebol, é a 'malta' dos copos, é a 'malta' da 'vida artística' como um amigo se refere aos tempos em que se procura 'mudar o mundo'...
Foi bom teres dado a conhecer esse acontecimento e a retratares a alegria/emoção com que se deram os reencontros.

Abraço
Hélder S.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Confirma-se que há sempre gente atenta e com conhecimentos suficientes para uma boa reprimenda, quando as coisas não são correctas.
Boa e justa, digo eu!
Pois não é o caso que atribuí ao Cardoso Pires a autoria de um livro do Luís de Sttau Monteiro!?
Pronto, detectado o erro, com a ajuda do Zé Dinis, aqui fica a correcção: a "Angústia para o Jantar" é do Luís de Sttau Monteiro, livro dos anos 60, aborda os 'problemas' de consciência e de integração de uma pequena burguesia urbana em fase de mudança, em que uns adaptam-se e outros não e onde aparecem caracterizados os 'grupos naturais' que se vão formando ao longo da vida, escolar, profissional, familiar, etc., e catalogados de 'malta'.
Acho que ainda faz sentido lê-lo hoje, com as necessárias adaptações à época actual...

Um abraço, com as minhas desculpas pelo erro.

Hélder S.

Anónimo disse...

Meus Amigos

Torcato, Colaço, Maria Tereza Parreira, José Corceiro, José Marcelino Martins, JD, Helder Valério:
É um prazer imenso,reconhecer em todos vos os sentimentos que me assistem, tanto em relação ao Alentejo, como às suas gentes, e ao prazer e dor que causam a ausência e o reencontro.
Foi sem dúvida para mim um dia magnífico, o dia 25 de Julho de 2010.
Eu sei que toda a gente é sensível a este tipo de encontros, mas o que vai para além disto, é a vivência no lugar, é o relembrar o espaço, a lonjura, a côr do chão, o céu maravilhoso de Agosto e Janeiro, é o chão transformado em Jardim de Fevereiro a Maio, é a água a correr nos ribeiros, são as árvores floridas mal chega Março, são as vozes das pessoas que se saudam, são as aves esvoaçando tão contentes como nós, é a vida a que assistimos a cada minuto, é o observar a vida nos seus ciclos constantes, é o crescer mais por dentro que por fora, e é a saudade daqueles que nos acompanharam, que falam connosco a mesma linguagem.
Maria Tereza Parreira, gostava de ter o seu contacto, sei que falamos a mesma lingua.
Dos OUTROS Amigos, julgo ter o contacto de todos e irei contanctando.
Obrigada a todos pela vossa sensibilidade.
obrigada mesmo por descobrir em vós os sentimentos que me orgulham, que valorizo e nos tornam pessoas sofridas mas felizes.
Bem-Hajam!
Um ABRAÇO grande para todos, da vossa amiga de sempre:

Felismina Costa