segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6817: Os nossos médicos (20): O atentado contra o Cap Mil Med José Joaquim Magalhães de Oliveira, de que eu fui testemunha (Augusto Inácio Ferreira, 1º Cabo Op Cripto CCAV 2482, Fulacunda, 1969/70)








Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > BCAV 2867 / CCAV 2482 (1969/71) >  "Caro Camarada Luis Graça: Tal como prometi aqui vão 2 fotos 'iguais', sendo que uma mostra um circulo, que é o local exacto onde o Capitão Médico Oliveira estava sentado a ler antes do incidente"...

Fotos (e legendas): © Augusto Inácio Ferreira (2010). Direitos reservados


1. Mensagem do Augusto Inácio Ferreira (ou Augusto Ferreira):

Data: 1 de Agosto de 2010 16:08
Assunto: GUINÉ 63/74 - Os nossos médicos - O malogrado Cap José Joaquim Magalhães de Oliveira. (Augusto Inácio Ferreira, 1º Cabo Op Cripto CCAV 2482, Boinas Negras de Fulacunda 1969/70) (*)

Caro Camarada Luis Graça

Um destes dias fui alertado por um camarada que tal como eu pertenceu ao BCAV 2867 e à CCAV 2482, para a existência do teu blogue.
Antes de mais quero deixar aqui o meu reconhecimento pela tua dedicação na elaboração deste blogue. Camaradas como tu merecem-me todo o respeito e admiração, e nós só poderemos estar gratos por ver que NÓS não nos esquecemos de NÓS.

Agora vamos ao que me trouxe aqui.

Ao consultar os registos sobre o BCAV 2867, sou levado a concordar que os mesmos não são famosos.

Chamou-me a atenção um facto ali descrito que continua a envolver algum "mistério" por parte de quem procura dar uma notícia correcta e não possui dados. Espero que ainda vá a tempo de poder dar uma ajuda, e tentar esclarecer este triste acontecimento, de que fui testemunha. Tem a ver com o incidente verificado com o Capitão Médico OLIVEIRA. Assim o referencio, pois era assim que o conhecia. Tudo o que já foi descrito sobre ele "penso" que está correctamente feito. Apenas aqui estou para esclarecer o que é motivo de "mistério" para quem não teve conhecimento dos factos e para que conste como verdadeiro, evitando especulação sobre o caso.

Vou começar por descrever o que nesse mesmo dia anotei no meu diário: (6.9.1969) 


 EVACUADO CAPITÃO-MÉDICO DO BATALHÃO QUE AQUI SE ENCONTRAVA,  MOTIVADO POR ATENTADO DE MORTE. UM FURRIEL PERTENCENTE À CCAV 2483 DE NOVA SINTRA QUE AQUI SE ENCONTRA COM O SEU GRUPO DE COMBATE, DISPAROU SOBRE ELE, QUANDO SE ENCONTRAVA SENTADO NUMA CADEIRA DE BRAÇOS A LER. FORAM DISPARADOS TRÊS TIROS, MAS APENAS UM O ATINGIU NA PERNA DIREITA NA REGIÃO DA COXA. O CASO PARECIA BASTANTE GRAVE.
Isto foi o que escrevi nesse mesmo dia. Agora vou procurar relatar o que se passou.

À data a região de Fulacunda estava envolvida em operações, o  que exigiu o reforço de outras forças além das pertencentes à CCAV 2482, tendo inclusive  motivado a deslocação do COMANDO liderado pelo então Ten Coronel Trinité Rosa.

 Além do pelotão a que pertencia o Fur Moreira, estava a 15ª CCOMANDOS comandada pelo então Major ROBLES. No dia 30.8.69, - (8 dias antes do incidente com o Cap Oliveira), quando os Camaradas pertencentes aos Comandos faziam o percurso entre Fulacunda e o rio onde iriam "tomar" a LDM que os conduziriam a BISSAU (em final de comissão), uma das viaturas UNIMOG accionou uma mina anti-carro. Daí resultou a morte imediata de 5 camaradas, tendo vindo a falecer mais 2 em Bissau passado algum tempo. 

No dia 1.9.69, perto do local onde se dera este incidente,  outro aconteceu. Um Camarada da CCAV 2482 pisou uma mina anti-pessoal. Resultado que todos nós infelizmente conhecemos.

O ambiente não era o mais favorável e o moral de alguns camaradas começava a dar sinais de fraqueza. Tenho relatos impressionantes, mas que não vou relatar. Apenas vou procurar esclarecer o "caso do Furriel Moreira e o Cap Médico Oliveira".

Nessa manhã o Furriel Moreira, "GUIMARÃES" para os seus camaradas, havia estado na Enfermaria (mesmo ao lado estava o Posto Rádio e o Centro Cripto), pequenos edificios mesmo no centro da parada. Segundo relato dos enfermeiros, o Furriel Moreira apresentava um ar doentio (muito amarelo). Segundo os seus camaradas, tinha problemas físicos, e era ajudado com frequência pelos mesmos. 

Naquela manhã (segundo versão dos enfermeiros), relatou isso mesmo ao Capitão-Médico, e após algum diálogo este lhe terá dito: 
- A SUA DOENÇA É FALTA DE MATO!

 O Furriel saiu da enfermaria com um: 
- Então até logo. 

Premeditação para o que vem a seguir?

Ao meio da tarde, estava eu no Centro Cripto quando sou despertado por um tiro ali bem perto, .... seguido de outro ... e mais outro. Foi tudo muito rápido, mas quando soou o terceiro tiro já estava fora do centro. A primeira imagem que tenho é que na minha frente vejo um corpo tombar de bruços, ali a cerca de 40 metros. Corri com alguns camaradas nessa direcção. Verificamos que era o Cap Médico que antes se encontrava sentado numa cadeira de braços a ler. 

O edificio de comando ficava mesmo ao lado das instalações reservadas aos furriéis. Afim de nivelar o terreno havia um muro que se elevava do chão cerca de 50 cm naquele local, fazendo um pequeno passeio de cerca de um metro de largo que circundava todo o edíficio. Era ali que o Cap Médico se encontrava sentado numa cadeira de braços com fundo em lona,  segundo creio. 

O Furriel Moreira "deve" ter feito tiro instintivo e a primeira bala atingiu o solo a pouco mais de 10 metros do local onde se encontrava. O objectivo estaria a cerca de 20/30 metros. A segunda bala atingiu o parapeito do tal muro que foi feito para nivelar o terreno aquando da construção do edifício, e que naquele local teria cerca 80/100 cm de altura. A terceira bala atingiu a perna direita na região da coxa. A bala no local onde entrou, "deve" ter provocado danos graves na zona do "baixo ventre". 

Não houve rajada alguma. Foi tiro a tiro. 

Foi feita uma mensagem a pedir a evacuação, que foi muito rápida. Acompanhei-o sempre desde o ínicio, tal como o Cap Morais até à pista. Durante os preparativos médicos, ainda recordo que foi difícil à enfermeira que o assistiu junto ao Heli, "encontrar" a veia para lhe pôr o soro. Registei estas últimas palavras antes do Heli partir.
-  Ó Morais ... estou a sofrer muito. 

E é com "elas" que termino este relato. TODOS NÓS SOFREMOS MUITO. Que a camaradagem que ainda hoje nos une, sirva para aliviar os traumas porque todos nós passámos.

Camarada Luis Graça.

Eu sou um dos responsáveis por anualmente reunir a CCAV 2482. Estivemos 26 anos sem o fazer, mas enquanto eu por cá andar, nenhum dos meus camaradas será privado desse convívio anual. Todos os anos o faremos no último sábado de Maio. O ano passado (2009) reunimos o BCAV 2867 na Quinta do Paul na ORTIGOSA. 

 Apesar das poucas notícias sobre o BCAV 2867 ainda há registos. Não morremos. Há um site,  "RUMO A FULACUNDA", via GOOGLE, que poderás consultar,  caso não conheças. A semana passada estive a falar com a minha lavadeira (via telefone) para FULACUNDA, ao fim de 40 anos. Uma ansiã com 85 anos. Foi bonito.

Irei (ainda hoje), enviar uma foto de FULACUNDA sobre o edifício de comando onde estava sentado naquela tarde o malogrado Capitão Médico Oliveira.

Com os meus respeitosos cumprimentos

Um forte abraço de amizade

Augusto Inácio Ferreira (**)

Ex-1º Cabo Op  Cripo da CCAV  2482 / BCAV 2867

GUINÉ /FULACUNDA,  1969 / 70

2. Comentário de L.G.:

Obrigado pela tua generosa intervenção, disponibilizando no nosso blogue a versão do teu testemunho. Foste testemunha ocular deste atentado. Mereces todo o nosso crédito. Mesmo de férias, aproveito a circunstância para te convidar a integrar a nossa Tabanca Grande... Do alto do seu poilão podes, com o nosso "megafone", fazer chegar mais longe o teu "toque a reunir" dado à rapaziada do BCAV 2867... Manda-me também duas fotos tuas, que é para poderes ser apresentado, condignamente, aos demais "tabanqueiros"... Um Alfa Bravo. Luis.
________________

Notas de L.G.:




7 comentários:

Zé teixeira disse...

Creio que o camarada Augusto está equivocado ao afirmar que o comandante da 15ª de Comandos era o Major Robles. Era tenente e não era o comandante da Companhia.

Anónimo disse...

Pelo menos em 1971 (apresentou-se no CIC antes de Abril), quando assumiu o comando da 25.ª CCmds, era capitão.
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Se a memória não me atraiçoa, no período Janeiro/Junho de 1970, o capitão Robles comandava a 2ªCa de Instrução no CISMI, Tavira.
José Câmara

tavares disse...

Em abono do rigor digo-vos que o famigerado Fernando (Nandinho)ROBLES foi promovido a capitão em 17-5-969.Sem margem para dúvidas. Gabriel Tavares ex-combatente em ANGOLA

Anónimo disse...

O cmdt da 15ª era o Cap Inf Garcia Lopes.
Mendes

Augusto Inácio Ferreira disse...

- Aos camaradas que aqui fizeram comentários (e bem) sobre o Capitão Robles. Quando fui solicitado a escrever sobre o que se passou com acidente do Cap. Médico Oliveira do BCAV.2867, a referencia que fiz à 15ª CC e ao Capitão Robles, era apenas para a enquadrar no espaço e no tempo em que se deu o acontecimento. Antes da 15ª CC estar em Fulacunda (cerca de 40 dias), esteve em TITE após a n/chegada. A minha especialidade não obrigava ao contacto com os operacionais, e daí desconhecer alguns Oficiais que não pertenciam ao Batalhão. Confirmo (agora) de fonte segura, que o CMDT era o Cap. Garcia Lopes (que não conheci). O então Tenente Robles era o 2º Cmdt. À data da sua promoção referida pelo camarada Tavares de 17.5.1969, enquadra-se perfeitamente, pois os Boinas Negras estiveram em TITE de Março a Junho de 1969, e só depois fomos para Fulacunda. Agora vou explicar o meu lapso. Quando recebi a msg (para a promoção) do TEN.ROBLES, fui eu que lha entreguei, e ao fazê-lo, fiquei com a impressão que ele tinha os galões de Capitão. Deduzi que com aquela promoção (seria Major). Será que ele já teria tido conhecimento do despacho, e aquela msg seria apenas um "proforma"? Daí o meu equívoco, ao vê-lo já com os galões de Capitão. Agora soube que ele após a graduação em Capitão, abandonou a 15ª CC (por isso em Maio de 1969). Como disse atrás, a 15ª CC esteve aqueles 40 dias em Fulacunda onde na sua saída para Bissau tiveram aquele grave acidente, mas nunca lá vi o Cap.Garcia Lopes. Peço desculpa aos camaradas que aqui vieram (e muito bem) corrigir o que estava mal. O SEU A SEU DONO. Um abraço de amizade para TODOS os ex-combatentes.

Unknown disse...

Boa noite.
Quando cheguei a Luanda no dia dez de Abril de mil novecentos e setenta e quatro, e me apresentei no centro de instrução de comandos com a especialidade de transmissões, apresentei-me ao capitão Fernando Robles que na altura chefiava a companhia de comandos sem reforço.
Julgo ter ajudado ao esclarecimento.
O primeiro cabo Carlos Alves