terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6822: Efemérides (48): A CCAÇ 5 e as comemorações do 11.º aniversário dos acontecimentos do Pidjiguiti (ou Pindjiguiti) (José Martins)


1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 2 de Agosto de 2010:


Boa noite camaradas
Junto nota do que se passou em 3 de Agosto de 1970.

Abraço
José Martins




Vista do aquartelamento de Canjadude

Fotos: © José Corceiro (2010). Direitos reservados


Gatos Pretos
Companhia de Caçadores n.º 5

Camaradas de Armas que partiram há 40 anos

João Purrinhas Martins Cecílio

Furriel de Infantaria, NMEC 46341858, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 10 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 28 de Maio de 1970, vindo da Companhia de Caçadores 2464 e da situação de evacuado, assumindo as funções de Comandante de Secção.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.


Carlos Alberto Leitão Dinis

1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro, NMEC 09227569, natural de Oliveira do Hospital, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 8 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 30 de Março de 1970, assumindo as suas funções na Secção de Saúde.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.



Como o PAIGC comemorou, na zona de Canjadude, a passagem do 11.º Aniversário do Massacre de Pi(n)djiguiti

Actividade Operacional

3 de Agosto de 1970 - O Inimigo implantou uma mina anticarro no itinerário Canjadude - Nova Lamego e flagelou o aquartelamento pelas 22 horas. Estas acções devem prender-se com as comemorações do dia 3 de Agosto. Destas acções resultaram 2 mortos para as Nossas Tropas.

(Nota sobre a data de 3 de Agosto de 1959 – Acontecimentos de Pidjiguiti ou Pindjiguiti, em Bissau, com violenta repressão de estivadores grevista, causando várias dezenas de mortos)

Relatório da Flagelação feita pelo IN ao Aquartelamento de Canjadude em 03AGO70

01. Situação Particular

Em 030745AGO70 accionamento de 1 mina anticarro no Uelingará, itinerário de Canjadude-Nova Lamego.

Desde 02SET69 que o IN não se revelava no Sector da Companhia. O último ataque ao Aquartelamento deu-se em 11JUL69.

02. Missão da Unidade

Defesa do Aquartelamento com as forças existentes neste, segundo o plano de defesa, atendendo a que 1 Pelotão se encontrava de reforço a Nova Lamego.

03. Força Executante

a) Alferes Miliciano de Infantaria Deodato Santos de Carvalho Gomes

b)
1.º Pelotão – Furriel Miliciano Borges
3.º Pelotão – Alferes Miliciano Sousa
4.º Pelotão – Alferes Miliciano Martins
Pelotão de Milícia n.º 254
Formação

c) Meios constantes em b).

d) ____________

e) Armamento e equipamento orgânico do pessoal e de defesa do Aquartelamento.

04. Planos Estabelecidos

A defesa do Aquartelamento segundo o plano estabelecido.

05. Desenrolar da Acção

Em 032210AGO70 um grupo IN de cerca de 50 elementos desencadeou a flagelação ao Aquartelamento com Morteiro 6 cm, RPG 2, RPG 7 e armas automáticas das direcções Leste e Nordeste do Aquartelamento e a cerca de 800 metros. O pessoal dos postos de sentinela reagiu imediatamente assim como o Morteiro 81 do Aquartelamento, seguindo-se a reacção conjunta de toda a guarnição segundo o Plano de Defesa, tendo o IN retirado cerca das 22H25, continuando as nossas armas a bater a zona de retirada na direcção de Canducuré.

O IN utilizou a estrada de Ganguiró e Canducuré-Canjadude na aproximação e retirada. Feito o reconhecimento da base de fogos IN e do itinerário de retirada, encontraram-se poças de sangue no local de instalação assim como ao longo da estrada. Em Ganguiró o IN dispersou na direcção de Cabuca, seguindo cerca de 5 elementos na direcção de Rio Buoro-Siai.

06. Resultados Obtidos

Devido à reacção imediata das NT o IN foi forçado a retirar, tendo deixado no local da instalação o material indicado no anexo b), tendo-se encontrado manchas de sangue, o que leva a pressupor ter tido o IN alguns elementos feridos e provavelmente dois mortos.

07. Serviços

Nada

08. Apoio Aéreo

Nada

09. Ensinamentos colhidos

Devido aos resultados obtidos pelo accionamento da mina anticarro em 030745AGO70, o IN certamente pretendeu aproveitar uma possível desmoralização do pessoal

10. Diversos

Nada.

Documentos anexos

Anexo A

1 - Material extraviado:

Causas do extravio:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Porta granadas m/964 – distribuído ao Furriel Miliciano Borges;

2 – Material danificado

Causas da ruína:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Percutor partido da Metralhadora Ligeira Dreyse 7,9 mm n.º B-974

3 – Munições consumidas

Causas do consumo:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
a) 8.000 Cartuchos 7,62 mm
b) 2.000 Cartuchos 7,9 mm
c) 50 Granadas explosivas Morteiro 60 mm;
d) 60 Granadas explosivas Morteiro 81 mm
e) 2 Granadas incendiárias Morteiro 81 mm
f) 30 Granadas explosivas LGF 8,9 cm;
g) 20 Dilagramas

Anexo B

Material IN recolhido após o ataque:
a) 2 Granadas RPG 2
b) 2 Cargas propulsoras RPG 2
c) 2 Carregadores de Kalashnikov

Anexo D

Elementos dignos de realce devido a sua conduta durante o ataque IN ao Aquartelamento

1.º Cabo NM 01432766 – Francisco José Mocinho Ferra – Apontador de Armas Pesadas.

É de salientar o comportamento do 1.º Cabo Ferra, pois logo que se desencadeou a flagelação, correu para o Morteiro 81, do qual é apontador, e logo que foi localizada a posição IN bateu-a com rara pontaria, provocando quase de seguida o silencia do IN.

Foi graças, em grande parte, à sua reacção plena de energia que a flagelação durou apenas alguns minutos. Sempre calmo e cumprindo as ordens do Comando, continuou a bater a zona e o possível itinerário de retirada e que veio a constatar-se posteriormente, ter sido feito com grande eficácia.

(Elementos retirados do estudo para a elaboração da História da Companhia de Caçadores n.º 5)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6788: Patronos e Padroeiros (José Martins) (13): Avós - Santa Ana e S. Joaquim

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (46): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Pindjiguiti, Guiné (1) (Leopoldo Amado)

7 comentários:

Anónimo disse...

Amigo José Martins

Parabéns pela descrição que fazes dos acontecimentos em Canjadude, no dia 3 de Agosto de 1970, que foi para mim o dia de guerra mais marcante.

Tenho um artigo escrito referente a esses acontecimentos, que ainda não cheguei a enviar para o Blogue, por estar ausente em férias e porque ninguém me consegue ajudar, mas estou esperançado, entre os milhares de fotos que tenho, a identificar o Furriel Cecílio, que eu não consigo recordar a fisionomia, embora tenhamos coexistido em Canjadude, algum, mas pouco tempo.
No rebentamento da mina anti-carro, além das duas mortes, houve bastantes feridos e, creio ser do teu conhecimento, que foi a nossa viatura de transmissões que accionou a mina.

Quanto à flagelação, o IN entrincheirou-se, para atacar, no filão das rochas do lado nascente (Bolanha). Foi a eficácia de tiro do morteiro 81 localizado na Tabanca, lado nascente, que tinha uma visão privilegiada donde partia o fogo IN, que pôs este em debandada.

Um abraço

José Corceiro

Unknown disse...

Amigo José Martins

Decididamente esta não foi a guerra por onde eu passei.
Segundo o Amigo José Corceiro , o IN encontrava-se entrincheirado atrás das rochas. Nesse caso vocês não os viam, porque eles não eram burros.
Então porque gastar 10.000 balas em 25 minutos? Já não falo dos morteiros
pois segundo deduzo foram utilizados tentando atingi-los na retirada.Há para mim coisas que me custam a compreender, pois tive várias vezes o IN junto do arame farpado e o que se utilizava eram os morteiros e o Lança Granadas. As
Metralhadoras Pesadas disparavam a varrer e as G3 faziam rajadas curtas.Em 1 ano de Béli e tendo sofrido 6 ataques nunca gastamos tanto fogo. Mas isto também depende da competência de quem comanda
Armandino Alves

José Marcelino Martins disse...

Caro Armandino

"Relatório da Flagelação feita pelo IN ao Aquartelamento de Canjadude em 03AGO70"

Coloquei o titulo acima, para referir que o que foi publicado foi, exectamente, a transcrição do relatório.

A única "coisa" que difere das "guerras em que estivemos" é o tempo.

Estiveste em Beli! Eu estive na evacuaão de Beli, que foi em Junho de 1968.

Mas, vejamos:

8.000 munições 7,62 em 25 minutos, representa 320 munições por minuto; se considerarmos que cada carregador levava 20 munições, teremos 16 carregadores por minuto, para uma companhia inteira.

Será muito?

Nunca fiz um cálculo como agora o apresento, mas não estranho os numeros apresentados. Além do mais não havia uma contagem exaustiva dos involucros,mas, muitas vezes, havia necessidade de "justificar" material danificado, extraviado, etc, ou não era?

No caso não me parece, mas aceito como válida o aproveitar da oportunidade.

Se fosse procurar no blogue situações deste género [utilização ou deterioração excessiva de material, encontraria um post em que se refere que, num incêndio na tabanca de um Pelotão de Caçadores Nativos, "arderam" cobertores que, cujo número, correspondia pelo menos 5 unidades a cada militar.

Números são números, e cada um dará a interpretação que melhor lhe aprover.

Um abraço

Anónimo disse...

Amigo Armandino

Quando a flagelação começou em Canjadude, pouco passava das 22h00, eu estava na enfermaria junto dos dois camaradas que tinham perdido a vida, no rebentamento da mina, por volta das 08h00. Elaborou-se uma escala de presenças, de maneira a que estivesse sempre pessoal junto dos defuntos.

Logo que começou a flagelação todos abandonámos a enfermaria, visto esta estar muito exposta ao perigo e cuja construção ser de adobe com telhado de placa zincada. É lógico que se intuiu logo, que o fogo partia do lado da Bolanha, mas era de todo impossível ver o IN e aferir que estava protegido pelas rochas, por um lado a escuridão, por outro as barreiras naturais, que não permitiam do Aquartelamento ter uma noção, á priori, de onde partiam os disparos. O mesmo critério não se aplicava á posição que o morteiro da Tabanca, lado nascente, que tinha uma visibilidade dum ângulo lateral em relação à posição do IN, por isso logo que este morteiro começou a fazer disparos o IN dispersou. Que houve muito fogo da nossa parte, talvez exagerado, eu sou testemunha disso. Se foi uma maneira de expressar um sentimento de revolta pelo desconsolo que estávamos a passar pela morte do Cecílio e do Dinis, não sei?! Que estávamos tensos é um facto, que não tínhamos muita experiencia de flagelações, poderá ter alguma verdade, pois a primeira e última a que eu tinha assistido já tinha passado mais de um ano! Que realmente depois de se ter verificado a posição do IN, se pôde concluir que os disparos com eficácia para destroçar este eram efectivamente os do morteiro e os dilagramas, mas isto foi á posteriori.

Um abraço

José Corceiro

Unknown disse...

Caros Amigos José Martins e José Corceiro

Eu compreendo o vosso estado de espirito mas para isso é que existia o Comandante de Companhia e os Comandantes de pelotão. Esses senhores tinham obrigação de refrear os homens que comandavam. E se em vez de 59 eram 100 e em vez dos 25 minutos era uma hora. Vocês ficavam sem munições e eram apanhados à mão . Foi por isso que a última companhia que esteve em Madina do Boé logo no 1º ataque que sofreu ficou sem munições e teve que ser reabastecida pela Força aérea. Mas como diz o José Martins tem que se prestar contas. O 1º Sargento da minha Companhia ficou retido em Bissau porque lhe faltavam 5.000 Kg de batatas
Armandino Alves

Anónimo disse...

Amigo Armandino

Como eu disse, terá havido algum excesso de fogo da nossa parte, mas nada de muito exagerado, houve controlo suficiente, mesmo estando o Capitão da Companhia de férias, mas quem o substituiu não era paramécico.

Dos 25 meses que passei na Guiné, os acontecimentos que tenho mais vivos são os deste dia, por diversas razões que não vou enumerar.
Por aquilo que escrevi e tenho presente, pois eu estava próximo do paiol, ao qual, praticamente, não houve necessidade de recorrer para abastecer munições durante a flagelação.

Embora eu tenha sentido que houve um pouco de excedente de fogo da nossa parte, a minha opinião vai de encontro ao que atrás o José Martins disse no comentário –“ mas, muitas vezes, havia necessidade de "justificar" material danificado, extraviado, etc, ou não era?”

Poderá ser essa a razão porque aparece no Relatório da Flagelação, quantidade tão elevada de munições gastas. Aliás, eu tenho presente do aproveitamento feito nesse sentido, quando tivemos um incêndio no Depósito de Fardamento e no Bar dos graduados, onde ardeu tudo o que estava e algo que faltava.

Um abraço

José Corceiro

antunes disse...

Eu não sei quem o Amigo Armandino, mas ao ler os comentários feitos, verifico que nunca foi responsável por nenhuma " carga de material "de uma companhia.
Eu substitui o Furriel José Martins na C.Caç 5 e no rebentamento da mina de 5 de Agosto na viatura de transmissões foi justificado material de transmissões que não ia na viatura, como por exemplo 5 baterias de 12 volt's que supostamnete iam para ser abatidas em Bissau duas secções de antena de AN/GRC-9 que tinham sido perdidas em outras colunas e que iam para abater como partidas, dois auriculares de rádios "utilizados entre nas secções", estes rádios nunca foram utilizados durante a minha permanência na companhia e nesse dia iam com os respectivos auriculares.
Nunca tive problemas de consciência por ter feito isso, nem me permito criticar alguém que o tenha feito, pois sei bem quais foram as razões.
Porque tenho a certeza se fossem contadas as munições existentes no paiol estariam muitas mais do que as registadas na carga, porque nem sempre o material pedido chegava com a urgência necessária, por isso se utilizava estas "imprecisões",esperando às vezes observações menos agradáveis do comandante de Batalhão ,como pude ler.
Deste modo não aceito que se façam criticas aos comandantes de Pelotão que conheci bem.
Um Abraço

Antunes