terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6820: Tabanca Grande (235): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª Companhias do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos - 1972/74

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o António Inverno (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª Companhias do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74, que nesta sua primeira mensagem enviou um resumo do seu “passeio” pela Guiné, acompanhado de cinco fotografias do seu álbum de memórias, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional da sua Companhia e do seu Pelotão Nativo durante a sua comissão:



Apresenta-se o Ranger António Inverno
Aceitando o desafio que o Luís Graça me lançou, para me apresentar nesta Grande Tabanca, aqui estou, começando por descrever o meu Serviço Militar que se iniciou em 4 de janeiro de 1972, tendo assentado praça na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde completei a Recruta.

Dado o bom desempenho ao longo da Recruta, fui enviado para o C.I.O.E., em Lamego, mais concretamente para o Quartel de Penude, em Abril desse mesmo ano, onde concluí com aproveitamento o 2.º curso de Operações Especiais/RANGER de 1972.


Era hábito naquela Unidade, nesse tempo, os primeiros classificados serem convidados a ficarem por lá a prestar instrução e monitoragem, pelo menos ao curso seguinte.


Como a minha classificação final foi alta, aceitei o convite do Comandante de Instrução e fiquei por lá mais 3 meses a ajudar a “massacrar” o pessoal do 3.º curso de 1972.


Em Outubro fui integrado no Batalhão de Artilharia 6522, que embarcou para a Guiné em 6 de Dezembro de 1972.


Chegado a Bissau embarcamos numa LDG para Bolama, onde realizamos o I.A.O. e onde conheci o Marcelino da Mata, que, com o seu Grupo de Combate, nos presenteou com algumas demonstrações e nos intruiu com várias dicas sobre os modos como se devia andar no mato, bem como sobre os cuidados a ter em relação ao IN.


Logo no segundo dia em Bolama travamos o primeiro contacto com o IN.


Eles sabiam que tinham chegado os piras e resolveram flagelar Bolama a partir da ilha de S. João, digamos que a darem-nos as “boas-vindas”.


Acabado o I.A.O., o Batalhão foi colocado em Ingoré e procedeu-se à distribuição das Companhias pelo Sedengal, S. Domingos, Susana e Ponta Varela.


Em S.domingos, como um pouco por todo o território continuaram os ataques do P.A.I.G.C., com canhões sem recuo, morteiros de 82 mm e foguetes de 122 mm.


Obviamente era costume manter a tropa frequentemente no mato, para tentar evitar que o IN se aproximasse muito dos aquartelamentos, segurança às colunas de viaturas, colocação de minas nos locais mais suspeitos, etc.


Seria escusado dizer que todas as acções passíveis de maior perigo sobraram sempre aqui para este RANGER e, por isso, passei a comandar simultaneamente o meu grupo de combate e o Pel Caç Nat 60, já referenciado em anteriores mensagens neste blogue.


Assim acabei por percorrer várias áreas do Batalhão com o mencionado Pelotão Nativo.


Mais tarde apareceu para comamdar o Pel Caç Nat 60, o Alferes João Uloma (dos Comandos Africanos), de quem fiquei amigo e com quem fiz algumas incursões, por vezes dentro do Senegal e foi aqui que teve início a história da “Kalash”, que me foi trazida por ele juntamente com 5 carregadores cheios, experimentei-a, gostei dela e adoptei-a, e que passei a usar, não por ter algo contra a G3, mas porque era mais “maneirinha” e me dava mais mobilidade, além de ser útil porque confundia o IN.


Soube mais tarde que o Alferes Uloma foi fuzilado pelo PAIGC, como aliás tantos outros.


Em Setembro de 1974, fui eu que executei a cerimónia do arriar da última Bandeira Nacional em S. Domingos e testemunhei o acto de içamento da primeira Bandeira da Guiné-Bissau naquela localidade, antes de partir para o porto local onde me esperava uma LDM que me transportou para Bissau.


Jamais esquecerei a tristeza que vi estampada nos rostos dos Felupes do Pelotão de Caçadores Nativos 60, quando me vim embora. Pareceu-me que aqueles Homens já adivinhavam o que os esperava, principalmente a do 1.º Cabo Agostinho que muitas vezes me dava conselhos sobre a arte de montar emboscadas nos supostos percursos por onde o IN movimentava o seu material de guerra, a partir do Senegal para dentro da Guiné e nos locais de cambança.


Nunca me arrependi de ter aceitado as suas sugestões.


Por ultimo quero só dizer que jamais esquecerei a Guiné por todos os motivos já conhecidos e sentidos por todos nós e um, em especial, que não posso deixar de referenciar, que era o cheiro/odor da mata e da bolanha às 07h00 da manhã, que me entrou no sangue e perdurará para sempre.



Em cima de um dos obuses de 10,5 cm que tanto auxílio nos prestaram

Um aspecto das trincheiras no quartel

Instalações atingidas pelos foguetões 122 do inimigo

Posando para a foto junto de um morteiro de 80 mm

Restos de foguetões de 122 mm
Um abraço, António Inverno Alf Mil Op Esp/RANGER do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 2. O António Inverno é o segundo elemento do BART 6522/72 a dar notícias suas nesta tertúlia “bloguista”, existindo no poste P6004 informação sobre o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria, de que o António Inverno é amigo pessoal, que foi o comandante da 3.ª Companhia do BART 6522/72, mobilizada pelo RAL 5. Partiu para a Guiné em 7/12/1972 e regressou à Metrópole em 3/9/1974 - Ingoré e Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim.
3. Amigo e Camarada António Inverno, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de seis mil e tal postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam. Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados. Fotos: © António Inverno (2010). Direitos reservados. _____________ Nota de M.R.: Vd. último poste desta série em:
31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6813: Tabanca Grande (234): Tina Kramer, 27 anos, etnóloga, da Universidade de Frankfurt, Alemanha

4 comentários:

Luís Dias disse...

Caro Camarada António Inverno

Benvindo à nossa imensa Tabanca Grande.
Também eu passei a usar a Kalash por ser mais "maneirinha" (mais leve e ergonómica), transportar mais munições e poder confundir o IN.
Deve ter sido muito difícil vir embora naquelas condições e saber (adivinhar) o que poderia vir a acontecer aos elementos do PELCAÇNAT.
Olha e também fui brindado com um ataque comandado da zona de S. João pelo já falecido Nino Vieira, quando estava em Bolama, no Curso/Estágio da Unidades Africanas, em 14 de Dezembro de 1972, após a chegada de um batalhão de piriquitos para o IAO. Acho que era imagem de marca do IN (Eh!Eh!Eh!).
Apenas um apontamento em relação à foto com o morteiro, não será o morteiro médio de calibre 81 mm, em vez de 80?
Um abraço

Anónimo disse...

Boa noite Amigos Inverno e Luís Dias,

O nosso Camarada luís Dias inseriu um comentário no teu poste, com uma questão muito pertinente, que nos surgiu também no C.I.O.E. em Lamego.

Se o morteiro é de 80 ou 81 mm.

Toca a pegar num paquímetro e andamos a medir um dos ditos morteiros.

Se bem me lembro o resultado foi o seguinte:

O diâmetro interior do morteiro mede efectivamente 81 mm e o diâmetro exterior de uma granada do mesmo mede 80 mm.

O milímetro de folga, obviamente propositado e estudado pelo seu autor e fabricante, permite que a granada na súbita saída do tubo não tenha atrito e eventualmente ali fique retida por "gripagem".

E mais nada digo pois sobre esta matéria disse o que sabia.

Um abraço amigo para ambos do Eduardo MR

Anónimo disse...

Boa noite Amigos Inverno e Luís Dias,

O nosso Camarada luís Dias inseriu um comentário no teu poste, com uma questão muito pertinente, que nos surgiu também no C.I.O.E. em Lamego.

Se o morteiro é de 80 ou 81 mm.

Toca a pegar num paquímetro e andamos a medir um dos ditos morteiros.

Se bem me lembro o resultado foi o seguinte:

O diâmetro interior do morteiro mede efectivamente 81 mm e o diâmetro exterior de uma granada do mesmo mede 80 mm.

O milímetro de folga, obviamente propositado e estudado pelo seu autor e fabricante, permite que a granada na súbita saída do tubo não tenha atrito e eventualmente ali fique retida por "gripagem".

E mais nada digo pois sobre esta matéria disse o que sabia.

Um abraço amigo para ambos do Eduardo MR

Antonio Inverno disse...

Camarada Luis Dias,com que então tambêm gostas de Kalash,a tua cara não me parece estranha,talvês daquele bar de oficiais em Bolama onde á noite a malta bebia uns copos,o ataque a bolama de que falas é o mesmo de que eu falo,feitas as contas fui para a guine em 6 de dezembro,cheguei a 12,o ataque ao 2º dia,14 de Dezembro,portanto estavamos lá os dois.
quanto ao morteiro,é de facto o 81,não havia outro alem do 60 que usavamos no mato.
Um grande Abraço!