domingo, 8 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9329: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (5): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - V Parte - Defesa do aquartelamento

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), com data de 5 de Janeiro de 2012:

Camarada Carlos Vinhal:
Quero agradecer em meu nome e da minha mulher os votos de Bom Ano Novo que retribuo para ti e família.
Igualmente agradeço a listagem que enviaste dos camaradas tertulianos que, com certeza, me vai ser útil.
Posto isto, vou enviar-te, para publicação no Blogue, a V Parte da minha participação, subordinada ao tema: "Defesa do Aquartelamento".

Com os meus cumprimentos
Manuel Vaz


MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (5)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (V Parte)

Defesa do Aquartelamento

O Aquartelamento de Gadamael Porto nasceu à volta de dois edifícios de construção europeia, colocados diametralmente opostos, relativamente ao último troço da estrada que ligava ao Porto, a uma distância um do outro, da ordem dos 300 metros. (13) O troço referido da estrada tinha um declive que não era acompanhado pelos terrenos que o ladeavam, particularmente do lado direito, quando virados para o rio. Esta situação colocava alguns problemas, na drenagem das águas, na localização e na construção de abrigos, paióis e, em geral, na segurança do aquartelamento. Apesar disso, é perfeitamente compreensível que os responsáveis militares decidissem por aquela localização. A urgência da situação não permitia hesitações, dado que o PAIGC iniciou de imediato as suas investidas, flagelando, emboscando, procurando evitar, ou pelo menos dificultar, a instalação da CART 494 que acabou por sofrer mesmo um ataque em força.
Nestas circunstâncias, as primeiras defesas do aquartelamento surgiram à volta dos edifícios inicialmente existentes, enquanto outros eram construídos.

A CCAÇ 798 substituiu a CART 494 a partir de 08/MAI/65. Desde início que a Companhia assumiu a defesa do Aquartelamento como a terceira grande tarefa em que se iria empenhar. Quando não havia operações, descarga ou colunas de reabastecimento, o pessoal disponível trabalhava nos abrigos e paliçada.

Um dos abrigos em renovação, junto do fundo da Pista de Aviação e que servia também de proteção ao Pessoal das Transmissões

Embora a situação militar de início, fosse de alguma tensão, com o tempo melhorou, o que conduziu à apresentação de nativos que pretendiam viver em Gadamael. Entretanto, no aquartelamento novas construções tinham sido edificadas, e a Seção Auto necessitava de mais espaço para ampliar a oficina e o parque auto, como referi na comunicação anterior.

Colocada a necessidade de aumentar o perímetro do Aquartelamento, havia que equacionar fundamentalmente dois aspetos: localização das “moranças” para os nativos e a segurança do aquartelamento. Analisada a situação, verificou-se que os aspetos referidos convergiam na mesma solução: alargar o aquartelamento do lado esquerdo, quando virados para o rio.

Para o reforço da segurança deviam ser cumpridos três objetivos: eliminar os ângulos mortos; impedir o tiro direto para o interior do aquartelamento; localizar os abrigos de maneira a cruzar o fogo das metralhadoras. Assim, do lado esquerdo criava-se um novo abrigo, protegido por uma árvore e enterrado pelo exterior, onde seria instalada uma Metralhadora Brauning 12,7 mm que batia todo o flanco que o IN tinha utilizado no ataque ao aquartelamento.

Construção do primeiro abrigo enterrado, em Gadamael (vista exterior). Ocupava o vértice do Aquartelamento (agora em forma de pentágono) virado para Sangonhá

Do lado contrário, para anular a elevação do terreno, dava-se um novo alinhamento à paliçada, elevando-se a sua altura e construindo-se um abrigo a condizer. (fig. seguinte)

Fase final da construção do abrigo, no lado direito do Aquartelamento (vista exterior)

Na entrada do aquartelamento, vindo de Ganturé, tinha de se evitar que o IN pudesse repetir o que aconteceu no ataque anterior, em que foi empurrando, até próximo do arame farpado, uma Metralhadora 12,7 mm blindada e com rodas, com a possibilidade de varrer o edifício da Messe de Oficiais, do Comando, das Transmissões e da Enfermaria. Aqui, a defesa do aquartelamento tinha ainda que transmitir uma mensagem dissuasora: - construiu-se um abrigo encimado por uma torre de vigilância e a entrada era feita em curva/contracurva, para evitar o tiro direto.

Croqui da entrada principal do Aquartelamento, virada para a fronteira

Sabíamos que, com a fronteira a poucos quilómetros, o IN poderia saber quase tudo o que queria sobre as nossas defesas. Então procurava-se transmitir a ideia de uma grande fortificação, já que, quanto a armamento, era mais fácil escondê-lo.
A propósito de armamento, para além da Metralhadora Brauning referida, o Aquartelamento apenas dispunha do armamento orgânico dos dois Grupos de Combate, ou seja, o equipamento individual acrescido de uma Metralhadora, um Lança-Granadas e um Morteiro 60 por cada grupo. O Morteiro 81 da Companhia estava instalado em Ganturé, mais próximo da fronteira.

Construção do abrigo da entrada principal do Aquartelamento (vista exterior)

Diga-se de passagem que as noites passadas em Gadamael, quando os dois Grupos de Combate (o terceiro estava em Ganturé) partiam para operações no “corredor de Guiledge” eram de alguma apreensão: defender o Aquartelamento com armamento muito limitado e um grupo reduzido, de cozinheiros, mecânicos e pouco mais... causava alguns calafrios.
No entanto, o empenhamento nos trabalhos de defesa do Aquartelamento era notório para quem entrasse em Gadamael.

Outro aspeto da construção do abrigo anterior (vista interior)

Um dia, uma alta patente militar, Brigadeiro se não me engano, em trânsito pela zona, aterrou na pista sem se fazer anunciar e ao visitar informalmente o Aquartelamento, foi tecendo algumas considerações. Das observações feitas deixou-nos a impressão que achava excessiva a atenção que dávamos ao aquartelamento.
Restava-nos o “conforto” vindo da parte do IN: - quando um grupo do PAIGC, falava com habitantes de uma tabanca da República da Guiné, junto à fronteira, alguém perguntou se não pensavam atacar Gadamael. A resposta foi: “Gadamael ?! ... Manga de chatice !...” (14)

Identificação das camadas sobrepostas, nos tetos dos abrigos, depois de construídos. O cascalho com cimento servia para nivelar a superfície dos troncos de cobertura.

Apesar da construção dos abrigos ser feita com robustez, pode perguntar-se, à luz do que aconteceu, anos mais tarde, se reuniam as condições de segurança necessárias para resistir aos ataques da artilharia do PAIGC. Claro que não. Na altura, o IN ainda não utilizava artilharia e os ataques às posições das NT eram feitas com armas de tiro direto, RPG e Morteiro 60.

O Aquartelamento de Gadamael, com o perímetro deixado pela CCAÇ 798, deve-se ter mantido até ao reordenamento da população e talvez da instalação do primeiro Obus, no tempo da CART 2410. (10)

(continua)

(13) – Ver fotografias da II Parte
(14) – Informações recolhidas pela CCAÇ 798
(15)- Deixo aqui uma sugestão aos camaradas da CART 2410 e Companhias seguintes para, na hipótese de não haver uma fotografia aérea, indicarem a localização, quer do(s) Obus(es), quer do reordenamento da população, face ao “corpo do Aquartelamento primitivo”.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9193: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (4): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - IV Parte - Movimento de cargas e descargas em Gadamael Porto

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada Manuel Vaz

Excelente trabalho.

Informo que o que fizeram serviu e muito para todos nós que estivemos aí em alturas posteriores.

Entre agosto de 73 até à data da entrega ao paigc em 74 a dotação do aquartelamento era constituído por 3 companhias, 1 pelotão de canhões s/r,1 pelotão de morteiros 81, 2 pelotões de milícias, e 1 pelotão de artilharia de obus 14 com 3 obuses.
Outros tempos.
O pelart tinha os 3 obuses, no enfiamento entre o abrigo de transmissões no fundo da pista e o posto de vigia junto ao cais, todos com espaldão e abrigo, e virados obviamente para a fronteira.
Várias vezes foi necessário fazer uma rotação de 180º para apoiar jamberem, o que causou alguns estragos, de pouca monta, em infra-estruturas do aquartelamento devido à onda de choque provocada pelos disparos.

Um grande alfa bravo

Um artilheiro de Gadamael

C.Martins

Anónimo disse...

Camarada C Martins:
Agradeço o comentário e a prontidão com que o fizeste. Tenho, no entanto, uma dúvida: - quando te referes á pista, é a nova ou a antiga?
A razão de ser da minha dúvida tem que ver com o meu comentário ao teu comentário, Poste 7796. Se tiveres tempo e disposição, esclarece-me.
Obrigado
Manuel Vaz

Anónimo disse...

Caro Manuel Vaz

Refiro-me à pista nova.A antiga julgo que foi desactivada em 70.
Tinha a direcção este-oeste, isto é alinhada com ganturé.
No meu tempo e após a evacuação de Guilege, apenas existia o aquartelamento de Gadamael,Cameconde e Cacine, para sul, e para norte o aquartelamento de Mampatá e Aldeia Formosa, actual Quebo,no que se refere ao alinhamento com a fronteira.Entre Gadamael e Mampatá o aquartelamento "tampão" era Bedanda.
Para o mato saia-se apenas a nível de companhia e na maioria das vezes reforçada com mais um pelotão de outra companhia.
Gadamael tinha em 74 "enfermaria abrigo", abrigo de transmissões, e abrigos por cada pelotão,os postos de sentinela eram bunkers com metralhadoras pesadas browning... a seguir ao arame farpado tínhamos campos de minas com comando eléctrico a partir dos postos de sentinela, etc. etc...outros tempos.
Flagelações eram quase diárias e às vezes mais do que uma vez por dia...uf.. fico por aqui..

Um alfa bravo

C.Martins