Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)
1. Mensagem de hoje, enviada pelo Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. É autor da série Estórias Cabralianas (1) cuja publicação em livro tem vindo a ser insistentemente reclamada pelos/as seus/suas inúmeros/as fãs...
Querido Amigo,
O Comentário fica para amanhã. Faces da Guerra? Só duas?
Sexta-feira (1) tive o prazer de conhecer e conversar com o Marques Lopes, o qual também aprecia as minhas estórias. Confessei-lhe que ia mandar esta. E aí vai.
Abraço Grande
Jorge Cabral
PS. 1) Devo a possibilidade de me ter recordado do episódio ao Ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (1971-73) que me enviou uma afectuosa mensagem.
PS. 2) Quando me vim embora, vendi por mil pesos ao Reis – Alferes do Pel Caç Nat 52 – que, me substituiu em Missirá, um belo armário com todo o seu recheio, incluindo a Obra Paroles, da qual faz parte o Poema (1).
Estórias cabralianas > Turra desenfiado encontra Alferes entornado...
por Jorge Cabral
Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste.
Moi je joue du piano
Disait un
Moi je joue du violon
Disait l’autre... (3)
Aborrecido com a situação, o Polidoro Monteiro (4) chama o Alferes Jaime da CCAÇ 12 e ordena-lhe que leve o Cabral, e só o largue dentro do Sintex, a caminho de Missirá. O Jaime cumpre, mas ao regressar ao Quartel, encontra o Comandante furioso.
O declamador voltou ao Bar e continua dizendo que está quase a acabar.
Moi je jouais au cerceau
À la balle au chasseur
Je jouais à la marelle
Je jouais avec un seau... (4)
Então o Tenente-Coronel mete-o no seu jipe, e transporta-o ao cais. É muito tarde porém, e o Sintex já não funciona. Como fizera em outras ocasiões, o Alferes vai acordar o barqueiro da piroga que, a troco de alguns pesos, lá o atravessa.
Em Finete, os Milícias querem impedi-lo de prosseguir, mas ele está determinado, e deixa-os estupefactos, falando-lhes em francês:
Et l’homme prit la petite fille par la main
Et ils s’en allèrent dans les villes
Dans les maisons dans les jardins... (5)
Continua o seu percurso, rememorando os versos, até que subitamente lhe surge pela frente um homem. É jovem, traz uma arma em bandoleira, e uma carga à cabeça. Sem dúvida um turra desenfiado, que acaba de passar um bom bocado amoroso em Mero (6), pensa o Alferes, que lhe grita:
Et puis ils se mirent à parler parler
Parler parler parler
on n’entendit plus la musique
et tout fut à recommencer! (7)
Parler parler parler
on n’entendit plus la musique
et tout fut à recommencer! (7)
Assustado o bom do turra desatou a fugir, metendo-se mato dentro. Quanto ao Alferes ficou radiante. Finalmente terminara de declamar o Poema…
Jorge Cabral
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último desta série > 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)
(2) Paroles [Palavras], livro de poemas, publicado em 1946, do grande poeta surrealista francês, muito popular, Jacques Prevért (1900-1977).
Também foi argumentista de cinema.
O título do poema recitado pelo J.C. era, em português, O órgão da barbárie.
(3) Tradução de L.G.:
Eu toco piano,
Dizia um,
Eu toco violino
Dizia outro.
(4) Último comandante do BART 2917. Considerado um oficial superior spinolista, corajoso, competente, desassombrado, truculento, usando e abusando da linguagem de caserna. O único, de resto, que vi, de arma na mão, a meu lado, no Sector L1, entre Julho de 1969 e Março de 1971... Já morreu. Era amigo de alguns dos nossos tertulianos: O Jorge Cabral, mas também do Paulo Santiago… Há vários posts publicados, fazendo referência ao Ten Cor de Infantaria João Polidoro Monteiro.
(5) Tradução de L.G.
Eu, eu brincava ao arco,
À bola, ao caçador,
Eu jogava à malha,
Eu brincava com um balde…
(6) Mero: Aldeia, balanta, considerada sob duplo controlo. Fica(va) a norte de Bambadinca, e a oeste de Fá Mandinga, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito). Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
(7) Tradução de L.G.:
E o homem pegou a rapariga pela mão,
E partiram dali para as cidades,
Para as casas, para os jardins...
(8) Tradução de L.G.:
E depois puseram-se a falar,
A falar, falar, falar,
Já não se ouvia mais a música
E tudo teve que recomeçar.
Eu toco piano,
Dizia um,
Eu toco violino
Dizia outro.
(4) Último comandante do BART 2917. Considerado um oficial superior spinolista, corajoso, competente, desassombrado, truculento, usando e abusando da linguagem de caserna. O único, de resto, que vi, de arma na mão, a meu lado, no Sector L1, entre Julho de 1969 e Março de 1971... Já morreu. Era amigo de alguns dos nossos tertulianos: O Jorge Cabral, mas também do Paulo Santiago… Há vários posts publicados, fazendo referência ao Ten Cor de Infantaria João Polidoro Monteiro.
(5) Tradução de L.G.
Eu, eu brincava ao arco,
À bola, ao caçador,
Eu jogava à malha,
Eu brincava com um balde…
(6) Mero: Aldeia, balanta, considerada sob duplo controlo. Fica(va) a norte de Bambadinca, e a oeste de Fá Mandinga, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito). Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
(7) Tradução de L.G.:
E o homem pegou a rapariga pela mão,
E partiram dali para as cidades,
Para as casas, para os jardins...
(8) Tradução de L.G.:
E depois puseram-se a falar,
A falar, falar, falar,
Já não se ouvia mais a música
E tudo teve que recomeçar.
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