segunda-feira, 17 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)

A CART 3331 em Cuntima (1970/72)

Texto e imagens de Vítor Manuel Silva, o novo membro da nossa Tabanca Grande ,

A CART 3331 foi mobilizada para a Guiné pelo RAP 2, Vila Nova de Gaia. Composta por 158 militares era comandada pelo Capitão Miliciano Art Manuel Sena Boléo. A Formação era chefiada pelo 1º Sargento de Art Manuel Joaquim Moreira Dias.

Esta dividia-se nas seguintes secções:
- Comando
- Alimentação
- Manutenção Auto
- Sanitária
- Reabastecimento e Manutenção de Armamento.

A 1ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) foi feita no RAP 2.
A Companhia embarcou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos para a Guiné no dia 14 de Dezembro de 1970, a bordo do navio Uíge.


O Vítor Silva no Uige, em pleno Atlântico, a caminho da Guiné.

A CART Chegou à Guiné no dia 19 de Dezembro de 1970. No dia 21 de Dezembro embarcou na LDG Alfange com destino ao Centro de Instrução Militar de Bolama. O pessoal fez treino de adaptação ao mato, iniciando a 2ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional.
A 25 de Janeiro de 1971, de novo na Alfange, a Companhia deslocou-se para Farim onde chegou no dia 28 de Janeiro. Aí participou em algumas acções no mato e na estrada Farim-Jumbembem.

A 20 de Fevereiro a CART 3331 deslocou-se em coluna-auto, rumo a Cuntima, dependente do BCAÇ 2879, onde rendeu a CCAÇ 14, durante a qual tomou conhecimento directo com a Zona de Acção (ZA).

Guiné > Zona Leste > Cuntima > A Avenida Central (também conhecida por Av do Senegal).
Enfim, estávamos em pleno teatro da Guerra.

O terreno

O terreno, aliás como de uma maneira geral em toda a Guiné, é plano. Convém no entanto referir que Cuntima é ligeiramente mais elevada que o restante terreno da Z.Z. Daí, talvez o antigo nome de Colina do Norte?

A nossa Z.A. era muito extensa. Delimitada a Norte, numa extensão de aproximadamente 30km, pela República do Senegal, a Este pelo rio Corlá (Sare Dambé Badoral, Sitató, Sinchã Fogã e Sare Tombom), pela bolanha de Sinchã Massa e a Sul pela bolanha de Sinchã Massa e bolanha do rio Norobanta e pelo marco 107.

O sector era servido pela estrada Farim-Cuntima, por onde eram feitos os reabastecimentos.

Inimigo

O IN não se encontrava instalado nem tinha bases dentro da nossa Z.A. Irradiava sempre do Senegal, pelo tradicional corredor de Sitató. De uma maneira geral evitava os contactos.
As suas acções contra as NT manifestaram-se especialmente por ataques ao aquartelamento, implantação de minas na estrada Farim-Cuntima e, esporadicamente às colunas de reabastecimentos.

População

Na sua maioria era de etnia Fula, de religião muçulmana. Apenas uma pequena parte era Mandinga.


Cuntima todas as manhãs bem cedo tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia à distância conveniente, da máquina e dos militares.


O Vítor (de bigode), um Camarada, a bajuda e o Pilão. Para a fotografia.


Cuntima vista, salvo erro, da pista.


Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses).

Dia de festa na Tabanca. A alegria e o colorido das gentes Guineenses.
Cuntima: Poço de água utilizado pela população.

Cuntima: A Escola Primária.


Vendedores ambulantes (djilas) e a curiosidade da população e dos militares. O Vítor com um menino ao colo.


Cuntima. Reservatórios de água, as duas professoras ao fundo e a casa do agente da PIDE/DGS.


O ex-libris de Cuntima.



Cuntima. Vista aérea.

Nossas Tropas

Em virtude da nossa ZA ser muito extensa, a defesa e ocupação ficou a cargo de duas Companhias, a CART 3331 e a CCAÇ 2547, ambas instaladas em Cuntima. Para além da ocupação e defesa do Sector, a nossa missão dominante e primordial era evitar a infiltração do IN para dentro do TO.
O cumprimento fiel desta missão tornou-se bastante penoso para as NT, pois exigiu delas um trabalho aturado e um elevado grau de sacrifício. Poder-se-á mesmo dizer que a nossa missão foi bastante ingrata pois que foi prática e humanamente impossível fechar os corredores de infiltração numa extensão de fronteiras de 15 km.


Entrada em Cuntima, podendo ser visto o posto nº 1 e a 1ª Caserna, aquela que foi o Hotel do Vítor Silva durante os 23 meses que lá passou.


Um dos três Obuses que existiam em Cuntima.


Como é fácil de ver, para procedermos à contra-penetração usámos como dispositivo dominante as emboscadas sucessivas, quer diurnas quer nocturnas, nos corredores mais propícios e mais prováveis à infiltração.




Pois, elas existiam mesmo. Depois, os bocados chegavam ao aquartelamento envoltos em lençóis.
Para além da actividade principal, procedíamos a frequentes patrulhamentos e seguranças afastadas, diurnas e nocturnas (para evitarmos ataques ao aquartelamento) bem como numerosas operações, colunas e picagens.

Militar à porta de entrada de quem vinha do Senegal.


Sempre que necessário montávamos segurança aos trabalhos agrícolas da população, embora existisse um Pelotão de Milícias que nem sempre era suficiente.

Pessoalmente não me posso esquecer do ataque ao aquartelamento no dia 30 de Maio de 1971. Eu estava de Serviço ao Posto avançado nº 9.


Posto avançado nº 9. Estive lá de serviço no dia 31 de maio de 1971, no que foi considerado o maior flagelamento IN a Cuntima. As tropas do IN vieram mesmo ao arame farpado.

Cerca das 23 horas ouviu-se um barulho junto ao arame farpado. Pensámos que se tratasse de galinhas ou outro animal qualquer. Mas não! Eram mesmo eles que ali estavam. A 50 metros de nós. Foi uma coisa incrível que jamais esquecerei.
O Céu ficou completamente iluminado. Muitos feridos (alguns com gravidade, amputações, cegueiras...) e 3 mortos na População. Felizmente a nossa Companhia não teve qualquer baixa no pessoal.
(...)
A Psico de Spínola


Exemplar de salvo conduto. A Psico de Spínola.



O Vítor e a lavadeira.


O Vítor e o Hélder na Secretaria da Companhia.

A CArt 3331 regressou, num avião dos T.A.M, à Metrópole no dia 25 de Novembro de 1972, orgulhosa de ter cumprido o seu dever. Era o que eu pelo menos na altura pensava.

Pelos bons serviços prestados à Pátria, o Vítor Silva trouxe o apreço do Comandante Militar

o Guião e o crachá da CART 3331

e o livro da História da CART 3331
Fotos: © Vítor Silva (2008). Direitos reservados.
__________

Fixação do texto e sublinhados de vb: ver artigo de
6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

1 comentário:

Anónimo disse...

Andava eu à procura de um Vitor Silva do BC1933 e aparece este Vitor Silva de Cuntima.
Eu ainda não estava aqui no Blogue, por isso nunca vi tanta fotografia bonita e as bajudas do Senegal. Como o editor diz, se não fosse o Blogue, muitos locais da Guiné não apareciam no mapa, ninguém os conhecia.
Venho só aqui, escrever num Poste de 2016 da CART 3331, na esperança de alguém o ler.
Tem aí numa foto o dia 31 de Maio de 1971, o dia do maior ataque a Cuntima.
Hoje, faz precisamente, 50 anos, meio século, é obra.
Se isto for visto por alguém, mandem os meus parabens por esta data, tão longa.

Virgilio Teixeira
Ex-Alf Mil do BCAÇ1933, 21set67, 04agosto69. Nova Lamego e São Domingos.

Abraços a todos estes homens que estiveram na fronteira do Senegal, como eu estive também.