terça-feira, 21 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3340: Os nossos camaradas guineenses (1): O meu tributo (José Martins, ex-Fur Trms, Nova Lamego e Canjadude, CCAÇ 5, 1968/70)


Foto Google – Zona Leste – Sector L 3 (a zona a sul do Rio Corubal foi abandonada em 6 de Fevereiro de 1969, durante a Operação Mabecos Bravios).


Tributo aos Combatentes Africanos

por José Martins

Após terminado o 2º ciclo do CSM (Curso de Sargentos Milicianos), promovido a 1º Cabo Miliciano em 18Abr68, apresentei-me no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2, em Torres Novas e, no regresso de umas breves férias intituladas “da Páscoa”, recebi a ordem de mobilização, gozei as férias da ordem e, após alguns adiamentos, em 28 de Maio de 1968 embarcava rumo à Guiné, a bordo do N/M "Alenquer".

Desembarcado a 2 de Junho de 1968 apresentei-me na Companhia de Caçadores nº 5, uma das três companhia africanas existentes na altura, no dia 9 desse mês, após uma viagem a bordo dum avião Dakota, até Nova Lamego (Gabu; 12º 15’ N 15º 35’ W).

Dois ou três dias depois enverguei o meu camuflado, ainda a cheirar a novo, para efectuar a minha primeira operação, integrado numa coluna militar que, a 15 de Junho, retirou a guarnição de destacamento de Beli (11º 55’ N 14º 12’ W) para o destacamento de Madina do Boé (11º 46’ N 14º 12’ W).

Não terminei a operação, já que fui evacuado, do Ché-Ché (11º 55’ N 14º 12’) para Nova Lamego, de helicóptero, com a primeira crise de paludismo.

Mas a nossa intenção não é contar a história de um dos muitos militares que estiveram num dos teatros de operações na época. Pretendemos, sim, prestar homenagem àqueles que, mesmo querendo, não conseguem fazer ouvir a sua voz ou publicar os seus escritos, talvez mais extensos do que outro qualquer militar metropolitano: os Militares Africanos.

Mas, na realidade, a referência às unidades do Exército, não esquecendo os outros ramos das Forças Armadas, deve-se à impossibilidade de referir todos e cada um dos cerca de 7.500 militares africanos que combateram ao lado dos metropolitanos. Também há que referir as unidades de milícias, uma força paramilitar mal armada e muitas vezes mal instruída, assim como os caçadores civis, os guias, os carregadores, os assalariados e outros, que também prestaram uma valiosa contribuição no esforço de guerra junto das unidades militares.

Quando passei por aquela terra, na unidade em que servi, conheci soldados cujo número mecanográfico terminava em 61, ou seja, tinham sido alistados em 1961 e, há poucos anos, ao ler relatórios sobre a minha companhia, datados de 1973 e 1974, lá constavam soldados alistados naquele ano. Isto quer dizer que houve homens – soldados africanos - que cumpriram 13 anos de tropa o que equivale a 13 anos de guerra, e que, na realidade, é muito tempo.

Em 1959/1960, com a nova orgânica das unidades nos territórios ultramarinos, foram atribuídas à Guiné três companhias de Caçadores Indígenas e um Grupo de Artilharia de Campanha, no que concerne a tropas operacionais.

Em 1960 já estavam criadas a 1ª CCaçI e a 4ª CCaçI, assim como o Grupo de Artilharia de Campanha 7. A 3ª CCaçI foi criada em Agosto de 1961. Estas unidades eram constituídas por praças africanas, enquadradas por oficiais, sargentos e praças especialistas europeus. Estima-se que nesta altura haveria cerca de 1.000 elementos africanos nas forças armadas

Com a chegada de unidades de reforço à província, muitos militares do recrutamento local foram atribuídos a essas unidades, transitando para as que vinham substituir as anteriores.

A partir de 1966, os africanos foram chamados a uma intervenção mais activa no esforço de guerra. Foi iniciada a constituição de Pelotões de Caçadores Nativos (Pel Caç Nat) tendo sido formados sete pelotões numerados de 51 a 57. Estas unidades eram comandadas por um oficial com a patente de alferes, coadjuvado por furriéis e praças especialistas europeias, uma estrutura adaptada à sua dimensão - entre 30 a 40 homens. Neste ano subiu, para 3.952, o número de tropas locais em serviço.

O ano de 1967 foi um ano de viragem. As companhias de Caçadores existentes foram redenominadas e transformaram-se nas CCaç 3 (ex-1ª CCaçI), CCaç 5 (ex- 3ª CCaçI) e CCaç 6 (ex- 4ªCCaçI), além da formação de mais um Pel Caç Nat, o nº 58.

Em 1968 foram criados 11 novos Pel Caç Nat, a quem foram atribuídos os números de 59 a 69, e em 1969 foram criadas as CCaç 11, 12, 13 e 14, a partir das CArt 2479 e CCaç 2590, 2591 e 2592, que já tinham uma constituição igual às anteriores companhias existentes do recrutamento local ou foram adaptadas.

No período entre 1970 e 1973 foram constituídas mais sete companhias de recrutamento local, as CCaç 15, 16, 17 e 18 (em 1970), a CCaç 19, (em 1971) e as CCaç 20 e 21 (em 1973). Em 1973 foi, também, constituído o Pel Caç Nat 70.

A partir das antigas equipas de comandos, nas quais já se integravam muitos militares africanos, foi constituída a 1ª Companhia de Comandos Africanos (1969) seguida da 2ª CCmds (1971) e 3ª CCmds (1973), constituindo, neste ano, o Batalhão de Comandos da Guiné.

Esses foram os verdadeiros heróis que, batendo-se nas mesmas condições de que qualquer militar metropolitano, já lá se encontravam quando chegávamos e lá continuaram quando partíamos, e a maioria lá ficou quando, ao abrigo do Acordo de Alvor, datada de 26 de Agosto de 1974, entregaram as armas [artigo 17º do anexo ao Acordo:

As forças armadas portuguesas obrigam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu controle (A Republica da Guiné-Bissau prestará toda a colaboração necessária para o efeito) e, receberam um punhado de dinheiro [artigo 24º do anexo ao Acordo: A Delegação do PAIGC regista a declaração do Governo Português de que pagará todos os vencimentos até trinta e um de Dezembro de mil novecentos e setenta e quatro aos cidadãos da Guiné Bissau que desmobilizar das suas forças militares ou militarizadas, bem como aos civis cujos serviços às forças armadas sejam dispensados.]

...tiveram que regressar às tabancas e iniciar uma vida para a qual não havia, e provavelmente ainda não há, futuro promissor.

Foram estes homens que, vivendo com as famílias a seu lado, se despediam delas sem saber se voltavam da operação de combate em que iam participar. Foram estes homens que faziam amizade com “o branco”, mas este terminada a sua comissão de serviço regressava, mas ele “o preto” ficava e continuava a luta.

Foram destes homens que se ouviu, muitos anos depois, frases como a que Assumane, um “mecânico de bicicletas” em Bissau, que tinha percorrido toda a região do Gabú quando foi soldado respondeu, quando lhe perguntaram porque não continuou no exército depois da independência: “Eu jurei bandeira do português, não pode jurar duas bandeiras”.

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O Autor




Nascido em Leiria em Setembro de 1946, foi recrutado em Julho de 1967 tendo frequentado o Curso de Sargentos Milicianos.

Foi mobilizado e embarcou para a Guiné em Maio de 1968, onde foi integrado na Companhia de Caçadores nº 5, unidade do recrutamento local do C.T.I.G., até Junho de 1970, data em que regressou, passando à disponibilidade no mês seguinte.



1968/1970 – Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria – Nova Lamego e Canjadude - Guiné.

2008 – Técnico Oficial de Contas – Grande Lisboa

8 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado José Martins, pela bela realidade que mostraste.O soldado Português de côr na Guiné, foi abandonado enão só traído pela Bandeira que juraram defender e o fizeram.
Tive dois soldados nativos (assim eram denominados)na minha secção. O serviço prestado não tinha qualquer diferença por causa da côr.
Só um pormenor sobre a 4ª. C.C. em 65/66 estava em Bedanda e integrava soldados de diversas étnias, incluindo Felupes. A C.CAÇ. 763 fez várias operações com eles em Cabolol e Caboxanque.
Um abraço,
Mário Fitas

Anónimo disse...

É pena que os milhares de africanos aqui retratados, não podessem ser ouvidos, porque com certeza chegariamos à conclusão que o sonho íntimo de independência da Guiné, era tão ou mais genuino, do que o de muitos líderes dos movimentos de libertação.

Parabens José Martins, e continua a "gritar" a tua verdade.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Obrigado José Martins por esta homenagem aos nossos soldados guineenses.

Ainda me custa falar e pensar no modo como foram abandonados.

Será com certeza uma nódoa na história de Portugal.

Para já mais não digo!

A C. Caç. 15, constituida por Balantas, em que servi e durante uns tempos comandei, estava sediada em Mansoa.

O Pel. Caç. Nat. 52 que foi comandado por alguns que por este espaço andam, (comigo inclusive), esteve pelos "lados" de Bambadinca.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Muito bem Camarada!

Mas porque não é referido o Pel.Caç.Nat.63?

Abraço Grande

Jorge Cabral

Anónimo disse...

Tenho seguido os trabalhos do José Martins no blog ultramar.terraweb.biz que muito aprecio.
A vergonhosa atitude (para não lhe chamar outro nome) de figuras que ainda hoje são gente com muito poder neste país, para com os soldados africanos que serviram a bandeira portuguesa, condiciona e faz com que se tente esquecer esta parte da nossa história. Só quando o “politicamente correcto” desaparecer é que se poderá fazer história.
Desejo que tenha muita força para continuar.
Henrique Matos

Carlos Vinhal disse...

Caros camaradas
Portugal descartou-se dos guineenses, angolanos e moçambicanos que combateram pelo nosso lado, assim como tentou ignorar os metropolitanos. Veja-se o exemplo da autarquia de Matosinhos que tem relutância em erguer um memorial a lembrar o esforço da nossa geração na guerra colonial.
Nem respodem às minhas cartas.
Sintomático.
Carlos Vinhal

scg disse...

Muito obrigada pelo seu texto. A equipa do IGNARA (http://projectoignara.blogspot.com) admira estes testemunhos. Este seu texto surge precisamente na altura em que estamos a pesquisar sobre esse tema. Deixei um excerto e o link para o seu texto no nosso blogue, espero que não seja inconveniente.
Cumprimentos,

Susana Gaspar

Rui Moio disse...

Precisamos muitos "José Martins" para mudar o rumo desta agulha que há décadas nos oprime e nos humilha. Como foi possível que tão poucos (ainda por cima, maioritariamente militares de carreira) tivessem traído tantos, o nosso povo do Minho a Timor!?...
Obrigado José Martins
Rui Moio