1. Mensagem de Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil de Rec Inf, Guiné 1970/72, com data de 12 de Abril de 2009:
Caro Carlos Vinhal:
As minhas cordiais saudações.
Uma vez que, segundo percebi, estarás com a braçadeira de editor de serviço durante o mês de Abril, a ti dirijo aquilo que espero possa constituir um contributo para o esclarecimento de alguns aspectos da emboscada do Quirafo, oportunamente relatados neste blogue, que muito estimo.
Antes do mais, e em complemento da breve apresentação que o Paulo Santiago já aqui fez da minha pessoa, aquando da publicação no P1230 (Outubro 2006) (*) de uma mensagem que lhe dirigi, em resposta à questão que me colocava sobre o ranger Eusébio, passo a facultar a minha ficha de identificação e algumas fotos, por forma a cumprir escrupulosamente o regulamentado para a adesão à Tabanca Grande:
Nome: Mário Migueis Ferreira da Silva (**)
Data de nascimento: 19/11/1948
Naturalidade: Esposende
Residência: Esposende
Estado civil: casado
Profissão: Bancário (na situação de reformado há cerca de dois anos)
Experiência militar:
Por onde andei:
Após Caldas - Recruta - 4.º turno/69 e Tavira - Especialidade - 1.º turno/70, novamente Caldas como Monitor de Instrução - Abril a Out/70, inclusive.
Seguiu-se a Guiné dos meus sonhos.
Posto: Furriel Miliciano
Especialidade: Reconhecimento e Informação
Unidade: C.C.S. - Q.G. (Bissau)
Colocação: Com-Chefe / Rep-Info (Amura-Bissau)
Função: Serviço de Informações Militares (SIM)
Unidades em que estive em diligência:
Bart 2917 / Bambadinca (Novembro 70 a Janeiro 71, incl.);
CCaç 2701 e CCaç 3890 / Saltinho (Março 71 a Outubro 72, incl.)
Outros sítios importantes onde, ao longo da comissão, estive amiúde, em curtas estadias de serviço ou, simplesmente, em trânsito para outros pontos do território: Galomaro, Bafatá, Nova Lamego, Xitole, Xime, Mansambo, Aldeia Formosa.
(**) Conhecido por Migueis na Metrópole e no Serviço de Informações Militares (em Bissau); conhecido também por Silva em Bambadinca e Saltinho.
Ainda no âmbito desta minha, já longa, apresentação – antigamente, um bater de pala e um papaguear do número mecanográfico resolviam praticamente o problema -, ficam todos a saber que não tive o prazer de te conhecer, Carlos Vinhal, embora tivéssemos estado na Guiné na mesma altura, mas tu em Mansabá, de que muito ouvi, mas não cheguei a visitar. Relativamente aos restantes editores, descobri, já em 2006 (imediatamente após o primeiro contacto que o Paulo Santiago me fez a propósito do blogue, que eu não conhecia ainda), que o fundador Luís Graça era, nem mais nem menos, que o Henriques, que eu conheci na minha estada de cerca de três meses em Bambadinca. Quanto ao Virgínio Briote, não o conhecendo pessoalmente, era (sou) muito amigo do seu irmão Rui, a quem ele, com perceptível e compreensível amargura, já tem aludido em algumas das suas intervenções no blogue, uma vez que, gravemente ferido em combate em Moçambique, o Rui trouxe, no regresso ao lar e para o resto da vida, as sequelas de uma guerra, que, para os que combatiam do nosso lado, acabou por se revelar estéril e, nalguns casos, trágica (além de colegas de liceu, eu e o Rui fizemos parte da melhor equipa de futebol juvenil de sempre do Esposende S.C., que disputou os nacionais de futebol com “Portos, Guimarães, Bragas, Boavistas e outros que tais” no tempo dos famosos “Bébés do Leixões Sport Clube” – haverá algum craque da altura na Tabanca de Matosinhos?!...)
Este último parêntesis, com um pouquinho de futebol à mistura, não será de todo despropositado, já que sou de opinião que não devemos nunca perder a oportunidade de homenagear, recordando, todos os nossos camaradas que, pelos três cantos do mundo, hipotecaram generosamente a sua juventude e o seu futuro a favor de uma causa em que acreditaram ou à qual se viram compelidos a aderir, por razões que todos conhecemos. Por outro lado, suponho ser interessante que fiquem registados no nosso blogue, que é como quem diz, na Verdadeira História da Guerra do Ultramar Português – ou da Guerra Colonial, se preferirdes -, pequenas notas como esta, simples, mas capazes de ajudar a fazer perceber aos restantes portugueses as encruzilhadas de uma geração, feitas de separações, encontros e reencontros daqueles que, sobrevivendo, terão sempre na memória os momentos felizes de fraternal convívio entre si, mas também o drama do(s ) amigo(s ), do(s) parente(s), a dor e a agonia dos feridos em combate, a tragédia da morte violenta de cada camarada.
Saltinho, 1972 - Estação das chuvas.
Muitas águas passaram entretanto, mas...
... o sacrifício dos nossos jamais será esquecido.
Fotos: © Mário Migueis (2009). Direitos reservados
2. Comentário de CV
Desculpa, caro Mário, cortei-te a palavra.
Os nossos leitores só vão perceber isto no próximo poste que te dedicar.
Este fica por aqui e será a tua apresentação à Tertúlia. Acrescento, e que apresentação.
Parece que não precisas de ser incentivado a escrever, pela amostra, pelo que nesta parte estamos arrumados. Venham os teus textos e as tuas fotos (legendadas, por favor) para serem publicados.
De facto não nos conhecemos, até porque andei dois turnos à tua frente nas Caldas da Rainha, fiz a Especialidade em Vendas Novas, e cheguei à Guiné sete meses antes de ti.
Com respeito aos bebés do Leixões, sou do tempo deles e fui colega de Escola Secundária de alguns. Havia um, o João Nunes, penso que o n.º 6. que era meu colega de turma. Também joguei a bola, no recreio, com o Barros que chegou a jogar no Benfica, o Chico, já falecido, que jogou no Sporting e que era irmão do Horácio que jogou sempre no Leixões, o Nicolau, hoje treinador de futebol. Havia ainda o Fonseca, célebre guarda-redes, ainda o vejo por Matosinhos, embora não tenha nenhum relacionamento social com ele. Eram tantos que se perde a conta. Tudo rapazes que o senhor Óscar descobria na Praia de Matosinhos e nos pequenos clubes da área. Mas reparo que o Chefe não me paga para falarmos de futebol.
Tenho aí em Esposende, além de uma familiar, dois amigos, ex-combatentes da Guiné. O Veiga Pereira, meu companheiro no Curso Industrial que pertenceu à CCAÇ 2405 e o seu irmão de nome André, se a memória não me falha, que era da 28.ª CComandos, e que esteve comigo em Mansabá.
Quanto a ti, convido-te, se para tal tiveres disponibilidade, a participar no nosso IV Encontro a realizar em Ortigosa, Monte Real, Leiria, no próximo dia 6 de Junho.
Apresentação feita, deixo-te o tradicional e indispensável abraço de boas-vindas em nome da Tertúlia, com votos de que contribuas o mais possível para escrever a Verdadeira História da Guerra do Ultramar Português, utilizando as tuas próprias palavras nesta tua apresentação.
Teu camarada
Carlos Vinhal
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1230: Onde se fala do Henriques da CCAÇ 12, do ranger Eusébio e da tragédia do Quirafo (Mário Miguéis)
Vd. último poste da série de 12 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4177: Tabanca Grande (133): Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Meu caro Miguéis (ou Silva):
Sou mal para nomes, menos mau para fisionomias... A tua não me escapou: almoçamos e jantámos juntos, bebemos alguns copos, seguramente algumas vezes, na messe e bar de sargentos de Bambadinca, entre Novembro de 1970 e Janeiro de 1971.
Já te tirei a pinta, embora já não fosse lá pelo nome. Muita gente entrava e saía em Bambadinca, sede de batalhão, cortação do sector L1 da Zona Leste... Estive lá, com a minha companhia de 'nharros', a CCAÇ 12, entre finais de Julho de 19690 e princípios de Março de 1971, quando veio o meu 'periquito' cujo nome, desgraçadamente, nem fixei... nem sei se está vivo.
Como sabes, ao fim daqueles quase dois anos de Guiné, um operacional de uma companhia de intervenção estava completamente 'apanhado'... e só tinha uma obsessão: 'esquecer a Guiné'... Foi o que muitos de nós fizemos durante décadas...
Pois, eu era o tal Furriel Henriques, com ar de intelectual, livro de baixo do braço, copo de uísque com água de Perrier na mão, camarada do Arlindo Teixeira Roda (de Pousos, Leiria), do Levezinho, do Humberto Reis, do António Marques, do José Luís Sousa (madeirense), do Joaquim Fernandes, do Branquinho (de Portalegre), do Pina (algarvio, de Silves), do Luciano, do Martins (enfermeiro), do Jaime (vagomestre), do Zé Fernando (das transmissões), do 1º Cabo Cripto GG (Gabriel Gonçalves) e de mais velhinhos da CCAÇ 12, como os sargentos Videira e Piça ou os Alferes Moreira, Carlão, Rodrigues e Abel (cito de cor e estou a omitir alguns, como o bom do Cap Inf Carlos Brito, 38 anos, comandante da CCAÇ 12, já em vésperas de ser promovido a major: honra lhe seja feita, não conhecemos mais nenhum durante a nossa 1ª comissão, Maio de 1969/Março de 1971)...
Mas também gente da CCS do BART 2917, como o nosso inseparável amigo Alf Abílio Machado, da secretaria, o Bilocas da Cooperativa (naturald e Riba d'Ave e hoje a viver na Maia)... Quase tudo malta ruidosa, das cantorias e dos copos até às tantas da noite (o único período do dia em que nós, os operacionais, vivíamos). Das cantorias, dos copos e de alguma contestação, rebeldia e irreverência...
Esse período em que estivemos juntos, ao serviço do comando do BART 2917 (1970/72), foi dramático para mim:
(i) Em 26 de Novembro de 1970, sofri a mais violenta emboscada que as NT alguma soferam na Ponta do Inglês;
(ii) No dia 1 de Janeiro de 1970, a PIDE/DGS veio buscar o nosso amigo Alf Capelão Puim, o magricelas açoriano que vivia no quarto do Bilocas, de quem era grande amigo (ainda há tempos, no Porto, estivémos a recordar este e outros episódios, para nós dois dolorosos...);
(ii) Em 13 de Janeiro de 1971, saltei com a minha GMC sob uma potente mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões...
Pois é, sou o tal Henriques que chamou raios e coriscos ao major A. C. (e por tabela a toda a hierarquia militar), na noite de 26 de Novembro, em plena parada de Bambadinca, frente ao edifício do comando e messe de oficiais, depois da trágica Op Abencerragem Candente, na zona do Xime (em que morreram, entre outros, o Fur Cunha, da CART 2715, que estava no Xitole, amigo do David Guimarães, da CART 2716, Xitole) ...
Quiseram-me mandar compulsivamente para a psiquiatria, felizmente ainda tive grandes amigos e valentes camaradas que me valeram nessa difícil ocasião, que nunca mais esqueci... (e onde incluo o Alf Med Vilar, para quem tenho uma dívida de gratidão: deu-me um Valium 10 e palavras de conforto e solidariedade, recusando-se a 'psiquiatrizar' a minha contestação e o meu distúrbio emocional...).
Seguramente que tu estás lembrado das trágicas consequências desta operação, em que págamos caro erros de comando. Gostava de reencontrar o jovem Cap QP, 24 anos, da CART 2715, a quem o major A.C. ameaçou levar de novo à Ponta do Inglês, nem que fosse amarrado por cordas a um GMC...
Sofre isto já escrevi vários postes que podes consultar (*). Sê bem vindo a esta magnífica caserna virtual (outros lhe chamarão blogue, tertúlia, rede social, grupo de autoajuda, casa de doidos, clube dos poetas mortos, inferno de memórias climatizadas..., para mim simplesmente é a Tabanca Grande onde ainda podes descansar à sombra de um poilão, mesmo que virtual).
Espero poder abraçar-te dentro em breve. Luís Graça (Henriques noutra encarnação)
____________
(*) Vd. postes de:
25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)
(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)
(...) De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo).
No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação, lá de cima, arrogante, a partir do seu PCV... Que Deus lhe perdoe...Eu, que não sou Deus, não tenho o poder de perdoar; em contrapartida, não consigo esquecer - por muito que me esforce - essa descida aos infernos do Xime.
As duras palavras que lhe disse, a quente, à noite, no regresso da operação, na parada de Bambadinca, não as vou repetir aqui... Como as pedras que são lançadas contra alguém, essas palavras não têm regresso...mas só fazem sentido no contexto, de grande tensão, física e emocional, que era próprio daquela guerra...
Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados a fazer aquela operação - três dias depois da invasão de Conacri! - e sobretudo por é que cometemos tantos erros infantis... Na guerra, os erros de comando pagam-se carros (...).
Migueis
Que apresentação, diz o Vinhal e com verdade!
Pela foto do monumento, dominas(te) a fera cavalgando-a por cima das vicissitudes que o monumento representa e ao que me é dado ver pela dita apresentação, o mesmo vai acontecer na Tabanca com as tua escrita de estórias, que fico a aguardar
Abraço
Luis Faria
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