20 de Julho de 1969 > Apolo 11 > O astronauta Edwin 'Buzz' Aldrin caminha sobre o solo lunar... A quinta missão tripulada do Programa Apolo, constituída pelos pelos astronautas norte-americanos Neil Armstrong, Edwin 'Buzz' Aldrin e Michael Collins, chega à lua... Faz hoje 40 anos. Foto da NASA.
Na Guiné portuguesa, seis anos depois do início da guerra colonial, em Samba Cumbera, a sudoeste de Galomaro, na zona leste, um tuga, o Alf Mil Rui Felício, tem os olhos pregados na lua e mantém uma conversa filosófica com o seu amigo Samba, chefe da tabanca e homem sábio...
Onde é que estacam os meus camaradas da Guiné nesse dia ?
Eu (e a malta da minha CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, saímos de Contuboel, a caminho de Bambadinca, sector L1:
"A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Durante a sua primeira comissão (1969/71), actou sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulado Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (...).
"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21 [de Julho de 1969], três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá] (...).
"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos]" (...) (*).
Nesse dia, em todo o TO da Guiné, apenas terá morrido um homem, não em combate, mas por doença, o Sold Morna Nalé, diz o obituário da Liga dos Combatentes... (LG)
Foto: Apollo 11 > Wikipédia (Copyleft)
1.Reprodução de um texto de Rui Felício, ex-Alf Mil CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Subsector de Galomaro, Zona Leste), na altura destacado em Samba Cumbera, com o seu 3º Grupo de Combate :
O dia em que o homem foi à lua (**)
por Rui Felício
Era domingo… Durante todo o dia a rádio ia noticiando a chegada do homem à Lua… A célebre frase do astronauta afirmando que o passo que acabara de dar em solo lunar era um passo de gigante para a humanidade (***), era escutada repetidamente nos pequenos transistores que nos mantinham ligados ao mundo.
Claro que não havia televisão na Guiné e, mesmo que houvesse, jamais seria vista em Samba Cumbera, pequena tabanca onde a luz nos era fornecida através de garrafas de cerveja cheias de petróleo, nas quais se embebiam torcidas de desperdício que, depois de acesas, nos enchiam os pulmões de fuligem e fumo.
Mas nos confins da mata, longe de toda a civilização, a importante notícia precisava de ser partilhada e divulgada... Os soldados se encarregariam de o fazer à sua maneira, junto das bajudas.Por mim, preferia meditar sobre o assunto, silenciosamente... Afinal os nossos avós jamais imaginariam que alguma vez o homem pudesse chegar à Lua, apesar de Júlio Verne, o visionário do século anterior, já o ter previsto…
E, longe das mais modernas evoluções da ciência e da tecnologia, os naturais da Guiné que nasciam e morriam na sua aldeia da selva sem nunca sairem do pequeno perímetro onde viviam, muito menos sonhariam com essa utópica possibilidade de o homem chegar à Lua.
Como muitas vezes fazia, depois de jantar, sentei-me numa cadeira de fula, onde descansava semi deitado, olhando o céu, nessa noite muito limpo e estrelado…Bem alto, a luz branca da lua, em quarto crescente, derramava-se pela orla da floresta e pelos cones de capim dos telhados das tabancas, desenhando sombras fantasmagóricas pelo terreno limpo do centro da aldeia.
E mantive-me assim deitado, o olhar fixo na lua, tentando prescrutar o mais pequeno sinal da presença do homem que eu sabia estar ali vagueando, em qualquer lugar do Mar das Tempestades…
Não sei quanto tempo assim me mantive, absorto, atento e quieto… Despertei e voltei à realidade com a voz do meu simpático amigo Samba, Chefe da Tabanca de Samba Cumbera, que me perguntava se podia sentar-se a meu lado, para o qual arrastara uma cadeira semelhante à minha…
Era um homem de grande cultura árabe, que conhecia muito da história do islamismo, que sabia com um estranho rigor a exacta direcção de Meca, que lia e escrevia árabe, que conhecia em pormenor toda a história dos Fulas e da razão de ser da sua permanência na terra da Guiné… Para onde, dizia, foram empurrados em sucessivas lutas tribais com os seus rivais Mandingas…
As nossas conversas eram normalmente muito agradáveis e, posso dizer, sempre aprendi mais com ele do que ele comigo…Temos a tendência e o preconceito de avaliar os outros, pelos nossos parâmetros e pela nossa cultura, catalogando-os de bárbaros e analfabetos só porque não têm o conhecimento e a instrução, medidos pelos nossos padrões.
Aprendi que no meio daquela gente, existiam homens com conhecimento mais vasto e aprofundado que muitos dos nossos soldados… O Samba era um deles…Perguntou-me porque estava tão pensativo e quieto… Respondi-lhe que aquela noite era muito especial para o mundo, porque estava se passando algo que nunca antes tinha acontecido…
Franziu o rosto, comentando que, pelo meu ar, não devia ser coisa boa… Sorri, dizendo-lhe que era exactamente o contrário…E, embora sabendo de antemão a resposta, perguntei-lhe apenas como forma de iniciar a revelação do que estava acontecendo:
- Sabes que neste preciso momento um homem como nós caminha na lua que está ali em cima diante dos nossos olhos?
A reacção foi inesperada e contrária a tudo o que eu teria imaginado:
- Alfero! Não é um homem como nós, não! É o profeta Maomé que, juntamente com Alá dali nos vigia a todos, para nos proteger, nos ensinar o caminho justo e para nos castigar quando dele nos desviamos…
E prosseguiu:
- Como é possivel que homem grande e instruido como o Alfero, só hoje soubesse isso? Não entendo mesmo!...
Pensei durante uns segundos se devia argumentar, puxar dos meus galões de homem civilizado, e demonstrar-lhe a minha superioridade, provando-lhe que não era nada daquilo que ele dizia. Desisti de o fazer…
Afinal, ambos nos estávamos alimentando de sonhos… e, cada um à sua maneira, sentiamo-nos felizes pela beleza insubstituível de um luar africano em noite calma e limpída…Independentemente de quem lá estava caminhando naquele momento…
Rui Felício,
Ex-Alf Mil Inf,
3º Gr Comb
CCAÇ 2405
(Dulombi, 1968/70)
P.S. - Passados dias, com a chegada de um jornal de Lisboa, mostrei-lhe as fotografias do astronauta pisando a Lua. E, então expliquei-lhe o que realmente se tinha passado naquela noite… Pelo seu ar meio trocista, ainda hoje não sei se o convenci… Mas como ele também não me convenceu que por lá andavam Alá e o Maomé, ficamos quites, cada um na sua... em paz! (****)
2. Comentário de L.G.:
Camaradas, é uma efeméride como muitas outras... Era domingo e o Rui Felício estava em Samba Cumbera, a sudoeste de Galomaro, destacado com o seu pelotão... Numa pobre tabanca, fula, em autodefesa. Escreveu este belo texto (e até agora o único, creio eu, publicado no nosso blogue,na I Série), em que se fala da nossa chegada à lua...
Eu tinha acabado de chegar a Bambadinca... Alguns dias depois, a 24, ainda em farda nº 3, a malta da CCaç 12 apanha o seu primeiro enxerto de porrada... A vida era simples, na Guiné, longe do Vietname, a menos de 400 mil km da lua...
E vocês onde estavam nesse dia, camaradas ?
Um Alfa Bravo para todos. Boas férias para quem está de partida...
Luís Graça
PS - Fiz questão de recuperar o texto do baixinho de Dulombi...
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)
(**) Vd. poste de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL [640]: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
Vd. também poste de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXV: Paulo Raposo e Rui Felício, dois novos camaradas (CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)
(***) O astronauta Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua... Ficou célebre a sua frase: "Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade". Os outros dois tripulantes da nave Apolo 11 eram Edwin Aldrin e Michael Collins.
(****) Vd. último poste da série Efemérides 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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8 comentários:
O Paulo Raposo, outro dos baixinhos de Dulombi, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405 (Dulombi, 1968/70), mandou-nos o seguinte comentário:
Olá pessoal - Corpo de Bó?
Quando os americanos chegaram à Lua, já lá estava um alentejo sentado à espera.
Todas as filmagens foram feitas aqui no Alentejo.
Que o diga o meu cripto, que ontem apanhou outra cadela.
Hoje nem se pode mexer
Um ab para todos do
Paulo Lage Raposo
Alf Mil Inf
BCaç 2852
CCaç 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira
7050 Montemor O Novo
Um abraço para os dois "Baixinhos" Felicio e Raposo.
Hoje falei aos meus filhos que em 69, quando o homem chegou à Lua, na placa de Bissalanca, estive a olhar admirado para a Lua , na esperança de ver algum movimento que confirmasse as noticias que iam dando.
Riram-se da patetice, mas isso foi o que aconteceu. Omiti o Gin e cerveja que já tinha bebido.
Depois de ler a historia do Felicio e do Raposo, vou lhes pedir para a lerem também.
Ao Felicio um grande abraço de saudades.(será que só nos iremos ver quando o homem chagar a marte?)
Jorge Félix
Pois é também eu me recordo dessa noite, sem muita certeza, penso que estava Lua cheia, não garanto.
Recordo-me de estar olhar para a lua, alternando para o Cruzeiro do Sul e para o horizonte do local, “media” a silhueta das sentinelas, enquanto tentava com os ouvidos destrinçar sons suspeitos que obrigassem a procedimentos específicos. Estava numa operação de três dias entre Coma e a Serra da Canda, a um dia do aquartelamento. Estava em Angola, norte, a escassos kms do Congo. Estava deitado de costas, tinha a minha capa camuflada presa a um arbusto e a outra ponta, aos pés, presa à minha faca de mato espetada no chão. Olhava e voltava a olhar na estúpida esperança de ver um pontito que indiciasse onde os tipos tinham “estacionado”.
Tinha pedido ao meu saudoso pai que me comprasse a LIFE, tenho-a aqui a meu lado, é uma “Special Edition” e o Título na capa é “ To the moon and Back”, parece nunca ter sido folheada, está “nova” com 40 anos.
À malta da tabanca, um grande abraço, para o J. Félix, continuação de boas Férias. Aos “baixinhos” espero um dia conhecer-vos pessoalmente. Já agora, um aparte, há uns dois meses, à vinda da capital para o Norte, fiz um desvio por Santarém para cumprimentar o J. Rijo, camarada com quem não me encontrava há 42 anos, depois de Lamego. Depois de o abraçar, a primeira coisa que fiz foi medir, ombro a ombro as nossas alturas, claro que depois teve que explicar porque eram os baixinhos de Dulombi.
Finalmente, a imagem que tenho na capa da minha LIFE, é a mesma aqui publicada, diferindo que a minha está apenas a meio corpo.
Um abraço,
António Brandão (Ccaç 2336)ala.br@hotmail.com
Pois é meus velhos, nesse dia estava eu a pensar no dia 28, data da minha incorporação, e imaginem...com a finalidade de formar Batalhão para a Guiné(B. Caç 2912, pois embarquei em 24/4/1970 - Destino Galomaro, fazendo parte da CCS que substituíu a C. Caç 2405 do B. Caç 2852. Puras coincidências.
Um abraço a todos do Vasco Joaquim - ex 1º cabo escriturário da CCS/B.Caç 2912
Caros Amigos:
Onde estava nesse dia já não me recordo, mas era sem dúvida na Guiné e ... sem televisão! Recordo, no entanto, um aerograma recebido da minha avó, que estava quase cega, e que dizia mais ou menos isto: Olha filho, sobre isso da chegada do homem à Lua, não te acedites porque, se assim fosse, já tinham caido aqui na terra muitos vidrinhos porque a lua é de vidro!
NOTA: a minha avó havia nascido ainda no séc. XIX...
Um abraço para todos do
Baixinho do Dulombi
Alfero victor David
Um abraço ao Victor David. Ainda ontem passei pela página da tertúlia e pensei que já não havia noticias dele, pelo menos no blogue, há já bastante tempo.
Sobre a história que conta, a lua de vidro, ouvi no dia 20, numa rádio, o comentário sobre a empregada doméstica que um dos convidados tinha em casa dos pais.
A senhora nunca duvidou da ida á lua, tese que defendia com unhas e dentes e, melhor ainda, louvava o feito, já que tinha sido efectuado numa altura de Quarto Crescente, quando teria sido mais fácil uma aterragem em Lua Nova.
Abraços
José Martins
Manuel Vieira Moreira para eu
mostrar detalhes 21 Jul (Há 1 dia) Responder
Mensagem do Manuel Vieira Moreira, com data d2 21 de Julho de 2009, chegada à nossa Caixa de Correio:
Camarada e Amigo Luís Graça
Em 20 de Julho de 1969 já estava em casa, havia um mês e seis dias, regressado da Guiné pois cheguei a Lisboa no dia 13 de Junho, mas, no dia 20 de Julho de 1967 entrei no navio UIGE
e embarquei para a Guiné.
Um Abraço
Manel Moreira
Caros camaradas
Tendo estado de férias, comecei a fazer uma busca de tudo o que foi publicado na minha ausência e só agora aqui cheguei, como diz o Fausto na sua canção se não estou errado.
Pois neste dia ainda não era Cap Mil, se bem que já soubesse que daí a um mês, mais dia menos dia, teria de entrar nos corredores do Convento de Mafra, para preparar a minha "conversão".
Ainda estava em actividade profissional e recordo-me que me desloquei ao Concelho de Vila da Feira para, acompanhando o técnico que dava apoio aos agricultores dessas terras, visitar uns pomares.
Aqui a lua encontrava-se, praticamente toda visível (lua cheia) e nessa tarde perguntamos a uma anciã, que andava de enxada na mão a sachar uma leirita de milho:
Então o que nos diz de andar um homem na lua?
Olhou para ela, a lua, e para nós, com um ar de espanto e incrédula respondeu-nos:
Isso são tudo patranhas desses hereges que querem enganar os crentes!
Nem a ver na TV, a piedosa velhinha se convenceu.
AB
Jorge Picado
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