domingo, 24 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5704: Humor de caserna (19): Mansambo no seu melhor (Parte III) (Carlos Marques dos Santos, CART 2339, 1968/69)



Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) >  Foto 10 >  "Vamos entrar na marcha, pergunta-se ?"




... Foto 11 > "Começa a marcha. Nem as mesas escapam."




... Foto 12 > "Em bicha de pirilau”.



... Foto 13 > "E no final porque não cantar um fado de Coimbra ?"


Fotos e legendas: © Carlos Marques dos Santos (2007). Direitos reservados



1. Terceira e última  parte do texto e imagens enviadas pelo Carlos Marques dos Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Os Viriatos, Mansambo, 1968/69), em 18/3/07 > O bunker de Mansambo no seu melhor, uma noite de alegria colectiva, aí por volta de Novembro de 1968, um ano antes o regresso a casa, à doce casa...


Epílogo:

As noites longas de Mansambo. Rentabilizar o tempo entre guerras era a palavra de ordem.

Nota final:  fotos pessoais.  Os figurantes são pura ficção e aparecem porque estavam no âmbito da focagem.

As fotos foram conseguidas por acção de uma Olimpus Pen e reveladas em Mansambo (o fotógrafo e o técnico de fotografia eram residentes).

Os slides foram revelados em Barcelona, porque na Metrópole ainda não havia o conceito das novas tecnologias. Estávamos orgulhosamente sós e por aí continuámos mais uns anos.

CMSantos
Ex-Fur Mil

2. Comentário de L.G.:

Em 14 de Abril de 2006, o Carlos interrogava-se, a ele próprio, e interpelava-nos:

"(...) Fico, às vezes, espantado com a fluência de histórias que aparecem contadas e, muito mais, vividas. Eu que estive sempre, mas sempre, entre quatro arames farpados, que estórias tenho para contar!? Nenhumas.

"Nada, rigorosamente nada, a não ser, o ter comido mancarra verde para matar a fome de três dias, mandioca apanhada da terra, água dos charcos das picadas, feijão frade durante um mês, a ração de combate deitada fora porque era doce e salgada ao mesmo tempo.

"Sede. O banho, aproveitando a água das chuvas. Ou, então, sem água durante um mês em destacamentos isolados. 5 ou 10 litros de água bebida em sofreguidão quando chegava ao aquartelamento." (...).

Carlos:

Quem te disse que não tinhas histórias para contar ? Viveste meses e meses a fio a constuir um aquartelamento, os bunkers de Mansambo, de pá e pica na mão... Dormiste meses e meses nesses bunkers... Sobrevivestes meses e meses a fio, neste sítio que não vinha no mapa... Tu e milhares e milhares de camaradas, ao longo de anos, em dezenas e dezenas de bu...rakos como este... A CART 2339, unidade de quadrícula do Sector L1,  no famoso triângulo Xime-Bambadinca-Xitole,  cumpriu a missão que lhe atribuiram, que era manter aberta a estrada Bambadinca-Xitole...

Quantos Mansambos não houve na Guiné, de norte a sul, de leste a oeste ?... Era um universo concentracionário... Não cometeste nenhum crime para seres condenado a um tal degredo, a não ser teres nascido porventura no ano errado e no país errado... Sobreviveste, não enlouqueceste,  roubaram-te uma parte da tua vida, da tua juventude, dos teus sonhos...

A tua foto-reportagem sobre uma noite de Mansambo (para quê adjectivar ? louca ? longa ? absurda ?...) é um notável documento que um dia os teus netos irão  ver e ler com outros olhos que não os nossos... E seguramente compreender:
- Um dia o meu avô foi para a guerra, lá longe, na Guiné-Bissau,  e teve meses e meses a fio a viver e a dormir debaixo de terra como os ratos, as toupeiras... Ao todo dedicou 3 anos à sua Pátria como soldado... Eu tenho orgulho no meu avô que foi um homem digno...

Carlos, obrigado pelas tuas fotos e legendas: este também é o outro lado (oculto e, muitas vezes, ocultado) da guerra... Não vamos ignorá-lo, nem escamoteá-lo, nem branqueá-lo. Não vamos vitimizarmo-nos, mas também não vamos pormo-nos em bicos de pés. Simplesmente estivemos lá, em Mansambo e em tantos outros bu...rakos da Guiné! ... E sabíamos uma coisa importante: que o nosso país não poderia continuar a estar ou sentir-se orgulhosamente só...

Nós estávamos sós, nos Mansambos da Guiné, mas não orgulhosamente... Batemo-nos, com dignidade, para que o poder político de então encontrasse uma saída,  histórica,  para a nossa solidão... Podes achar que as histórias de Mansambo não tiveram nada de exaltante nem muito menos de heróico: deixemos os heróis no Olimpo, junto dos deuses; retomemos o nosso lugar entre os homens... neste pequeno rectângulo do mundo que nos coube em sorte. 

Espero que esse coraçãozinho continue a bater forte, meu amigo e camarada Carlos Marques... Um beijinho à tua Teresa. E até ao nosso próximo encontro.  Luis

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores da série:

16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5654: Humor de caserna (18): Mansambo no seu melhor (Parte II) (Carlos Marques dos Santos, CART 2339, 1968/69)

 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5585: Humor de caserna (17): Mansambo no seu melhor (Parte 1) (Carlos Marques dos Santos, CART 2339, 1968/69)

6 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Carlos Santos

O comentário do Luís Graça diz tudo.
Não te preocupes, não és o único a pensar que o que viveste, o que sofreste, o que superaste, não é suficientemente relevante para ser contado. Há muito mais gente que assim pensa e fazem mal, porque o conjunto das diferentes experiências é que acaba por caracterizar o universo da presença dos militares portugueses naquelas terras e naquelas condições.
Um abraço
Hélder S.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Helder: Obrigado pelo teu comentário. Vem reforçar o sentido da minha mensagem: este blogue não é de heróis, como o Ulisses, que, no regresso de Tróia, levou 20 anos a chegar a casa, em Ítaca... Nós somos 'common people', e levámos 40 anos a chegar aqui.

Torcato Mendonca disse...

Carlos M.S. Amigão
Que se passa camarada? A fotoreportagem está boa e testemunha o que era aquele "buraco". Fui vendo e nada disse. O álcool ou a brincadeira sem ele era um escape.
É difícil amigo escrever em aberto.
Logo telefono. Hoje é tarde.
Eram homens fortes, homens fortes e ponto final.
Um abraço bem forte do teu camarada e amigo Torcato

Joaquim Mexia Alves disse...

O que dizer de algo que todos vivemos, uns mais e outros menos, uns tentando tirar partido das situações para amenizarem as distâncias, outros mortificando-se com cruzes assinaladas num calendário de dias que nunca mais passavam!!!

É assim, nós portugueses somos assim!
Somos capazes de chorar com dramas pequeninos e grandes e somos capazes de nos adaptarmos às piores circunstâncias e delas até fazermos motivo de riso!

Não sei se vem a propósito, mas que se lixe, escrevo na mesma!

Há uns anos decidi finalmente ver um filme do Manoel de Oliveira que se chama, (não tenho a certeza), qualquer coisa como "Non ou a vã glória de mandar?"
Confesso que não sou muito adepto do realizador e depois de saber que o filme tratava mais de "derrotas" portuguesas, do que de vitórias, logo fiquei de pé atrás.
Realmente com uma história tão rica, falar de "derrotas"!!! Enfim!
Mas heroicamente, (para mim, claro), pus-me a ver o filme.
Depois de cenas caricatas tais como um Furriel ou Soldado, (já não me lembro), num unimog, numa picada, (o que passava era o cenário, o unimog estava parado), dizer esta pérola: Oh meu Alferes fale-me da génese de Camões! eu pensei cá para mim, não sabia que o Manoel de Oliveira fazia comédias!!!
Pouco depois, ou antes já nem sei, deparo com uma "porradaria" de militares a canatrem a "Oliveirinha da serra" e aí fartaei-me mandei aquilo à merda, e não vi mais nada!!!
Se ainda fosse a "Maria bardajona"!!!

Porque é que me lembrei disto não sei, mas escrevi!

E agora chamem-me inculto e ignorante, mas já está escrito!

Abraço camarigo para todos

Torcato Mendonca disse...

Peço desculpa ao Carlos M dos Santos pela utilização do espaço.
Camarigo Joaquim M Alves:
O filme é esse e do Manoel e é curioso certas gentes passarem a Manoel Ruy Thomaz e outros que tais mas não tenho paciência e fica felizmente a decência e um fulano embucha e nada diz e dizes então tu o tipo fala de e do quê e eu de pronto esclareço falo deste e do comentário de cima e deste te digo Camarigo a cena do filme não seria antes com observadores guiados por libertadores para fazerem relatórios e Camões não teria influência guerreira e se te lembrares houve observadores a ouvirem Bach e em altas conversas culturais e outras que tais e eu tenho pena lástima ainda hoje ou outrora e certamente os meus camaradas de eles por lá não terem aparecido e se observadoras também viessem além de aliviar tensões áquelas gentes certamente aliviariam tesões e tudo ficaria feliz e gente feliz é bonito diz a carocinha o aniki bóbó e outros bóbós que sempre atravessaram a história do homem do homem dos homens que naquela fotos aparecem e se não fosse assim como estariam hoje ou ontem no minuto seguinte áquela festa se o in viesse cumprimentar era a cereja em cima do bolo da festança tu sabes porque estiveste lá estiveste lá a comer o feijão frade de pequeno almoço almoço e jantar a fome e a sede a entrar e noutros lados que alegria o bife o macaco ou outra mistela e se festa havia partias navegando em sonho para Leiria lisboa Faro Coimbra Porto porra tinhas 22 23 24 e porque estavas ali carago e logo ao lado havia cama comida e...geração da porra..............AB do TM

Anónimo disse...

Caro Carlos Santos
Gostei da tua reportagem fotográfica e dou-te os parabéns, pela coragem da publicação. Pode ser que seja rastilho e inspiração para eu fazer o mesmo.
Em percurso fotográfico, parece ter havido muitas semelhanças:
Tinha e tenho, uma máquina fotográfica Olimpus Pen FT (reflex), outra Olimpus Pen EES mais maneirinha para poder andar no bolso, à altura, e tenho mais uma Nikon e uma Canon três delas adquiridas na Guiné, outra já levei da metropole. As Olimpus, usava pelo formato do negativo, ainda que 35 mm duplicava-o e, geralmente, usava uma para diapositivos e outra para fotos. Sou um humilde amador, só que com 15 anos já gostava de fotografia.
Slides da Kodak, mandei centenas deles para Espanha e Alemanha, os da Agfa não me satisfaziam visto realçarem muito a cor azulada e o roxo, enquanto o Kodacrome evidenciava mais os encarnados, rosas.
Revelações fotográficas, mandava para Nova Lamego (milhares) Casa Caeiro onde era dizer material do Corceiro já sabiam o que queria. Já não tenho presente, se o Sr Caeiro ou a filha, mandavam revelar em Bafatá ou em Bissau.
Manda mais fotos.
Um abraço
José Corceiro