terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5714: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (29): O «Lua»


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 29ª), com data de 16 de Janeiro de 2010:

O «Lua»

O Soldado José Pires Carreira, nado e criado em Batalha-Leiria, era conhecido na Companhia pelo “Lua”.

Está claro que a sua cara de “lua cheia” não era estranha à alcunha.

O “Lua” não deu particularmente nas vistas durante a comissão, podendo-se dizer dele que onde estava ouvia-se bem (falava habitualmente num de registo de voz um bocado alto).

De resto... foi um militar que nunca deu problemas, cumpridor que... fazia o melhor que era capaz.

Pertenceu à secção do Furriel Mesquita, do 1º. Pelotão do Alferes Costa. Foi um dos militares de Lenquetó e como todos os que estiveram nessa operação, que foi “o baptismo de fogo da Companhia”, passou um mau bocado.

Passou-se entre mim e o “Lua” um pequeno diálogo, completamente surrealista, que... nunca mais esqueci.

Estávamos cercados e debaixo de fogo.

O cronista – na qualidade de Enfermeiro - estava junto de uma árvore, que nos dava alguma protecção, e que se tinha transformado em posto de Comando... e Enfermaria.

Estavam lá o nosso Capitão, o telegrafista e o Cabo Marques, bastante ferido, que eu tentava manter o melhor possível – calmo, sem dores e controlado –.

Se ele entrasse em pânico como é se que iriam comportar os companheiros mais próximos!?

Aguardávamos o helicóptero e o ambiente era bastante tenso. Tiros de parte a parte recordavam-nos que, embora fosse hora do almoço, nesse dia não ia tocar para o “rancho”...

Numa fase de acalmia, quando deu para limpar o suor da testa, chega-me um “freguês”, com que não contava nada.

Rastejando aproxima-se de mim o “Lua” e queixa-se que lhe doía a cabeça. Eu que tinha a mania que tinha resposta para tudo... fiquei momentaneamente sem palavras.

O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?

E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género de que... as primeiras duas horas é que custam. Depois... passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!

Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.

Depois lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos.

Nos convívios anuais que o ex-Alferes Tavares e o ex-Furriel Caires Figueiredo têm organizado, nos anos que se seguiram ao regresso no já longínquo ano de 1966, o “Lua” sempre compareceu com a família.

Primeiro só com a mulher, depois com um filho, depois dois filhos e mais tarde três.

Marcou sempre presença ao longo dos anos.

O tempo passa para todos e os filhos cresceram e tornaram-se homens. E continuaram a vir e a acompanhar o pai “Lua” (e a mãe) nas festas da “675”.

Há uns dois ou três anos atrás o filho mais velho do “Lua” aproximou-se do ex-Alferes Tavares e pediu-lhe tempo para umas palavrinhas.

– Sr. Tavares acho estas festas uma coisa formidável. Não deviam nunca acabar. O meu pai está velhote e qualquer dia pode morrer. Se isso acontecer eu gostaria de continuar a vir às festas da “675”.

– Ok pá. Está claro que não deixarás de ser convidado. Mas o teu Pai está em forma e está ainda ali para as curvas. Mas o teu pedido fica registado. - Respondeu-lhe o ex-Alferes Tavares.

Meses depois recebi um telefonema do Tavares com voz de “caso”.

– Oliveira acabei de receber um telefonema complicado. O filho mais velho do “Lua” morreu num acidente de caça. Diz alguma coisa ao Pai, por favor. Ele precisa de uma palavra de apoio da malta.

Por causa do “Lua” fiquei mais uma vez... sem palavras.

Depois... telefonei-lhe a dar os meus “sentimentos”.
A vida por vezes prega-nos cada “partida”.

Depois desse drama pessoal o “Lua” não faltou às festas seguintes.

É rijo o nosso “Lua”.

E continua a trazer no seu casaco de civil o emblema da Companhia: 675 NUNCA CEDERÁ.


O "Lua" (José Pires Carreira)
Fotografia do autor,
Almeirim, Maio de 2008

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


7 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Jero

O teu testemunho, "tocou-me"...

Já vieste a Oeiras, mas ...nada.

Combina com o nosso amigo comum, o Trindade, OK?

Afinal ainda não nos conhecemos...

Um abraço, do,

Jorge Rosales

Anónimo disse...

Caro Amigo Jorge Rosales
Agradeço o teu comentário. Estou de facto em falta contigo mas é uma "conta" que vai ser paga em breve. Acredites ou não ainda hoje foste falado em Monte Real, a quando do almoço organizado pelo Joaquim Mexia Alves. Dos teus lados vieram o António Marques e o José Diniz. Foi uma excelente jornada de confraternização e solidariedade. Vou telefonar ao António Trindade para se marcar uma data.
Um grande abraço.
JERO

Anónimo disse...

Parabéns, Jero, mais uma bela história. És um craidor de personagens. Tens um particular jeito para, numa pincelada,em dois ou três parágrafos, "apanhares em flagrante" um pedacinho da realidade que nos emociona, interpela, interroga, comove, mexe connosco...

Além de teres talento literário, és uma das daquelas pessoa com quem a gente, de imediato, estabelece uma comunicação empática...

Orgulho-me de te ter na nossa Tabanca Grande, porque a qualidade humana não tem preço. ( O talento literário, a inteligência, a cultura, a literacia... vêm em segundo lugar, terceiro, quarto, quinto lugar, não são condição "sine qua non")... Mas tu até tens esses requisitos todos, podias não ter, tinhas o mais importante, que é a intrínseca qualidade de um ser humano, a capacidade de compaixão, com + paixão (cum + passio, a capacidade de sofrer com)... É isso que nos distingue, o resto é acessório (se és das Berlengas, da tabanca tal, do cluble tal, do partido tal, da religião tal, da corporação tal, ...).

Agora vamos ao TPC... Deformação profissonal ? Não, apenas uma sugestão de um leitor, atento, empenhado, fã, mas crítico...

Um conselho estilístico: Gere melhor a ligação entre orações. Tens páragrafos demasiado curtos... Pode ser apenas da escrita em teclado de computador... Uns abusam dos parágrafos longos (do tamanho de um comboio). Tu estás nos antípodas...

Um exemplo: tu escreves (7 parágrafos, curtíssimos)...

(...) O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?

E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género de que... as primeiras duas horas é que custam. Depois... passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!

Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.

Depois lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos. (...)

Mestre, eu escreveria assim (e quem sou que tenho jeito para contar histórias, como tu e tantos camaradas aqui contam, com talento e mestria)...

Eu escreveria assim (três parágrafos, curtos), de modo a "manter o fio narrativo e a tensão dramática":

(...) O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?...E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género... que as primeiras duas horas é que custam. Depois, passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!... Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.
Depois, lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos. (...)

Jero: não é uma crítica, é uma sugestão de um fã teu, de um leitor teu, de um camarada que te lê com prazer e empatia... De qualquer modo, a gente só critica quem ama ou aqueles de quem gosta...

Luís Graça, o leitor, não o editor

Anónimo disse...

Ah!, e já esquecia, Jero!... O blogue, o nosso blogue, quando nasceu era para todos... Infelizmente, não é. O "Lua" não nos lê... Mas quando tiveres com ele, deseja-lhe da nossa parte "muitas luas"... Que ele saiba ao menos que fomos capazes de manifestar-lhe apreço e compaixão... Luís Graça

Tabanca Grande Luís Graça disse...

À terceira é que é de vez: Jero, no melhor pano (que presunção a minha!...) cai a nódoa (a asneira, a calinada, o erro)...

E neste caso que nódoa, a confusão entre "ter" e "estar"... (frequentíssima, aliás, nos nossos discursos quotidianos).

Mão amiga (através de mail pessoal) mandou-me também o seu TPC... Diz-me que não é para publicar, mas eu não resisto (mesmo não citando o seu nome). E publico porque contem também um grande elogio (merecido) ao nosso Jero e uma elegantíssima crítica à crítica do crítico-leitor:

(...) "A estória que o Jero nos conta (a dor de cabeça do Lua debaixo de fogo) é um verdadeiro gag num cenário de guerra magistralmente descrito no texto porquanto me manteve pregado ao "enredo" até final.

"Desculpa-me, Luís-leitor, perante o didático preciosismo porquanto não consegui enxergar a diferença rítmica da narrativa perante a tua sugestão.

"Como provavelmente terás acesso à edição dos textos, tomo a liberdade de sugerir que emendes o teu 2º comentário quando dizes quando tiveres com o Lua ... quando deverias querer dizer quando estiveres com o Lua ... pois aí sim, poder-se-à perder o verdadeiro entendimento da ideia. Digo eu...".

E dizes bem, meu caro amigo e camarada... Temos a obrigação de velar por (e sobretudo cultivar) a nossa língua... Porque o nosso lema é: "Em bom português nos entendemos"...

Mas que isso mão nos paralise ao ponto de levar os menos "letrados" a pensar que o blogue é só para os "canetas de ouro"... Eu escrevo com esferográfica, lápis, giz e teclado de computador... E dou também as minhas calinadas, em grande parte devido à pressa, à pressão do tempo, aos automatismos... Sempre que tenho dúvidas (e são muitas), consulto o dicionário... E temos um bom, em linha (O Priberam, com cerca de cem mil entradas lexicais):

http://www.priberam.pt/DLPO/

Compete aos editores zelar pelo bom português no nosso blogue (ou, pelo menos, pelo português sem erros de palmatória...).

Por outro lado, e felizmente, os editores não podem "editar" os comentários aqui postados...A única maneira de corrigir uma "calinada" é eliminar o comentário e voltar a publicá-lo... Mas isso seria viciar as regras do jogo... Posso fazer isso em relação aos meus próprios comentários (usando um privilégio de editor) mas não editar os comentários dos outros... Que fique claro!...

Aliás, não gosto de aparecer aqui como editor, mas como simples leitor ou membro do blogue, em igualdade de circunstâncias...

Luis Graça

Anónimo disse...

Caro Luís Graça
A 10 minutos do dia 29 de Janeiro -dia tão especial para todos nós (para quem és uma pessoa tão importante) tive o gosto de ler os teus comentários à minha história do "Lua".Com devido respeito " a mão amiga" que apanhou o meu gag (dôr de cabeça debaixo de fogo)acertou na "mouche".Era isso exactamente que eu queria transmitir.O "non sense" do momento.
Quanto ás frases curtas não é fácil mudar pois aqui entram muitos anos de jornalismo.A frase curta agarra o leitor(digo eu).
No próximo encontro da minha CCaç. 675(9 de Maio na EPI-Mafra) está claro que lhe vou transmitir a grande generosidade das tuas palavras.
O resto amigo e tão importante é sentir-me da Família do blogue do "nosso" Luis Graça".
Teu dedicado amigo, JERO

emartins disse...

Procuro 1 camarada Armando da Fonseca Pereira(Furriel) 1962 na Guiné, era natural da freguesia de RENDO concelho de Sabugal, pertenceu ao B.Telegrafistas alistado no ano de 1957