Amigo Carlos
Agradeço todos os contactos que me foram facilitados pelas vossas informações, espero que alguns episódios não tenham ferido a sensibilidade de ninguém, mas a realidade não é dizer mal ou tentar denegrir A ou B, a realidade é só uma: A VERDADEIRA HISTÓRIA, com maus ou com bons a nossa vida segue sempre.
Assim tem-me ocorrido episódios, alguns engraçados e outros de arrepiar, que gostaria de compartilhar.
Como vos disse estive em Bedanda, povoação, mas antes estive na Companhia em Amedalai. Aqui, logo na primeira noite, tiroteio por todo o lado, mas como eu não via nada nem ninguém, nem um tiro disparei, aliás como em todos os combates em que fui envolvido, só granadas, morteiradas e basucadas! Neste, não senti o perigo dos ataques do inimigo. Ainda neste quartel fomos atacados mais duas ou três vezes com os mesmos resultados, num destes o capitão Sacramento vai à rua ver como se estão a portar os civis que estavam armados pelas Lee Enfield e pelas Kropatscek, cada um possuía 150 balas!!! Passa então por um atirador e ele culatra à frente, culatra atrás e pum, pum! Um monte de invólucros ao lado e o capitão perguntou:
- Então o que estás a fazer? - o tiroteio do lado de lá já tinha acabado e ele voltou-se para trás e disse:
- Captão, tou a fogueale!!!!
Entre o que já tive ocasião de contar ao Mário Fitas àcerca do nosso armamento e da qualidade das munições, refiro agora as granadas GEGP para o morteiro 81.
Como disse estive num Curso de Minas e Armadilhas em Tancos e sabia alguma coisa de explosivos.
Um dia, resolvi descascar uma dessas granadas para fazer um candeeiro no Continente, e meu dito meu feito, maluco sou eu...
Isto passa-se dentro do Depósito de Material de Guerra, desenrosquei o detonador e pu-lo na bancada, longe de mim e do meu trabalho. Com uma faca consegui tirar o cilindro de ferro que albergava um explosivo reforçador do detonador, com paciência e muita calma, consegui sacar aí uns dois a três milímetros, e depois dando uns pequenos impulsos como para abrir uma garrafa de champagne, retirei aquele cilindro. Então, com uma cavilha de ferro e um martelo, há que retirar o Trotil. Nisto entra o Cabo Quarteleiro que logo sai aos gritos:
- O nosso Alferes Santos vai rebentar connosco!!!
O Capitão que tinha o gabinete em frente deste edifício, veio a correr, e eu paulatinamente TRUZ, TRUZ, TRUZ. Disse qualquer coisa, mas como apenas olhei para ele e encolhi os ombros, foram-se todos embora e a granada ficou linda, com as alhetas abertas em cima da mesa da nossa messe, amarela e com as letras pretas, até vir comigo para Sacavém e ser oferecida a um qualquer amigo do meu pai!
A minha ocupação e as ordens que tinha era destruir morros de baga-baga, árvores, tocos de árvores e... canoas, e colocar minas à volta do quartel (grande parte delas e dada a humidade do clima só faziam... PLUFFFF), quando não andava passeando a pé ou de jeep pelos matagais em volta, e em especial pela adorável mata do Cantanhês, pois se não fosse o perigo sempre presente, aquela fragrância das flores e da mata em si, deixam saudades a qualquer um...
Como tinha fartura de tudo, desde Trotil em embalagens de 125; 250 e 1000 gramas, ao plástico 808 embrulhado naquele papel oleado em caixas de madeira com 4 quilos cada, detonadores eléctricos e detonadores para cordão de pólvora, além de cordão detonante e alguns explosores. Tudo isso me dava prazer, em especial o perigo de mandar pelos ares canoas a cerca de 500 metros das aldeias do inimigo.
Uma destas vezes fui demasiado perto da aldeia de Incala, o capitão resolveu fazer uma patrulha com os nossos vasos de guerra M1, banheiras um pouco maiores, com cerca de cinco metros por 1,80 e de espessura... about 3 milímetros, navios (tínhamos 2) de alto poder de fogo (era de cima para baixo, em pé), aí fomos até Cubumba e depois Cumbijã acima até quase ao Chugué, mas na curva perto de Incala, podem ver no mapa, estavam duas belas canoas sobre a lama da bolanha. Aí o chefe disse através do PRC10:
- Santos, destrua!
Enquanto que o barco almirante ficou dando voltas no meio do rio, o do Alf Mil foi até à margem, desembarcou o Santos e pirou-se para o pé do outro!
Aí fui até junto das canoas que tinham de comprimento cerca de 8 a 9 metros e de largura cerca de 0,90m. Ora, as granadas não se podem atirar nestas ocasiões, só nos filmes, porque batiam no fundo e saltavam para fora, logo tinham que ser deixadas mesmo dentro do alvo, pois se fosse um pouco mais longe a própria cavilha desviava o curso da granada. Deste modo vai a primeira, tudo correu bem. A segunda mais longe da margem, por consequência mais perto da povoação, estava dentro dum lamaçal que me atolava, mas mesmo assim BABUN!! Só que a proa da canoa subiu cerca de 4 metros e vem a caír na direcção do moi. Tentei fugir mas a lama não deixou... mesmo assim, safei-me sem uma bota que por sorte ficou fora do alcance do míssel, agarrei-a e corri como pude para ser embarcado, e logo que saímos da curva na direcção à retirada, Cobumba, eis que RATATA RATATA e elas a baterem nas águas junto de nós, mas ficamos todos contentes porque... missão comprida!!
Desculpem mas esta era a guerra, que levava na brincadeira dizendo: eles não me acertam pois tenho um escudo invisivel!!
A propósito, um dia, já com o meu Pelotão em Bedanda, alguém resolveu fazer galinha de Chabéu. Panelas na mesa, os meus sargentos já sentados, o sorna que era o cabo do mar ou barqueiro, mais dois cabos um pouco escuros e o meu condutor, 25/61, Brama Djaló, da mesma cor, que vinha de lavar as mãos. Eu que já tinha o prato atestado, bem como o copo, mesmo em pé, agarrei numa perninha, mas quando ia a meio caminho do objectivo (eram 12h45) RATATA, RATATA TREU BUMMM. É claro que corremos para os postos. Foi logo no meu início neste destacamento, onde a minha arma era o casaco camuflado que tinha sempre 8 granadas ofensivas, 4 defensivas e duas incendiarias, e a minha pistola Beretta de 7,65 que andava sempre enfiada no cinto do lado direito com o cano para trás e a coronha para cima.
Fui ver os postos no meio daquela fuzilaria toda. Quando estava perto do abrigo da Madsen, do lado do cavalo de friza virado a nascente, e junto de um sargento que fogueava lá para fora, eis que na laranjeira que estava à minha esquerda passou uma bala que abalou a folhagem. O sargento gritou:
- Ponha-se para baixo!!!
Disse-lhe que eles estavam sem pontaria, nesse tempo o murete de protecção tinha apenas 80 centímetros.
Fui ver outros postos de defesa e, mais ou menos três quartos de hora depois, fomos ao chabéu que já estava frio. Como o microondas estava avariado, foi arroz e galinha para a panela e aquecido tudo junto, o que já não tinha o mesmo sabor.
Bom para a próxima há mais.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2010
Rui Santos
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Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 8 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5613: Lembrando camaradas da Guiné, amigos para a vida (Rui Santos)
Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5715: Estórias avulsas (71): As indecências necessárias (José Marques Ferreira)
1 comentário:
Combatentes, sempre presentes
Combatentes, sempre presentes
Nossa pele se engelha,
O cabelo branqueia, os dias convertem-se em anos...
Fomos soldados de Portugal e não,
Soldados colonialistas
Como chama-nos alguns iluminados políticos
As nossas forças e fé não têm idade.
Atrás de cada conquista, vem um novo desafio.
Enquanto estivermos vivos
Continuam a lutar
Se sentes saudades do passado,
Volta e reencontrar-te com os companheiros
Não vivas de fotografias e nem nos traumas...
Continua e não desistas.
Não deixes que os ossos se oxidam.
Faz que te tenham respeito
Quando não conseguires, junta-te a nós!
Junta-te aos teus velhos camaradas do exército ou da Marinha.
Autores: os dois Combatentes Militar,Carlos Pombo, Carlos da Silva (Fuso)
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