Camaradas,
Ao dar aqui umas voltas aos meus velhos manuscritos, dos tempos já distantes do serviço militar onde a minha memória se vai perdendo, encontrei mais este texto que achei interessante pela sua morbidez, enviar para vossa leitura.
A DANÇA DAS BAZUCAS
Estávamos no fim de Maio de 1969, acabadinhos de chegar á Guiné, éramos ainda uns imberbes periquitos.
Apesar disso, fomos enviados para o teatro de guerra, tocando-nos Buba (COP 4), comandado pelo Major Carlos Fabião, que nessa altura tinha a seu cargo a fatídica construção da estrada Buba-Aldeia Formosa (já por diversas vezes referenciada, em outros postes, aqui no blogue).
A minha CART 2519 foi mandada para Mampatá, numa coluna em que seguia um conjunto de máquinas da Engenharia do Exército, que a partir de Sare Usso, iriam desbravar a floresta em direcção a Buba.
Aqui começa a nossa história:
Chegados ao local onde decorriam os trabalhos de abertura da estrada, flectiam para a mata, e, depois da segurança montada pelas forças presentes, avançavam as máquinas da Engenharia desbravando a floresta na direcção já referida.
O IN que, com certeza, vigiava todos os nossos passos, esperava habitualmente por nós emboscado, e, certa manhã, quando flanqueávamos uma coluna que seguia para as obras, para meu total espanto, um dos soldados que seguia à frente chamou-me a atenção, para um cartaz preso no tronco de uma árvore.
Normalmente as hostilidades despoletavam então com um “baile de bazucadas”, que era para nós um “show” completamente desconhecido, “orquestrado” sob uma música brutal e arritmada, constituída por sons acutilantes e terríveis de fortes explosões, para uma fatídica e dantesca dança mortal.
Eram shows” de curta mas eficaz duração, que obrigava os “piras” da Companhia recém-chegados ao teatro de operações a “bailarem” num palco desconhecido, um tanto desnorteados como baratas tontas, a disparar as suas armas para tudo o que mexia na paisagística, misteriosa e insondável mata em redor.
Lembrava-me um género de opereta com final trágico, que nos arrasava psicologicamente e que rapidamente nos afectou, até porque foi neste período que tivemos, infelizmente, um morto e alguns feridos.
O IN não nos dava tréguas trazendo-nos sempre ocupados, ou através de emboscadas, ou colocando minas na estrada, ou flagelando a zona de trabalhos, e, à noite, quando pretendíamos alguns momentos de descanso, no quartel de Mampatá, lá vinha o maldito “baile das bazucadas”, acompanhado, muitas vezes, de várias morteiradas.
Esta nova estrada foi assim um “salão de baile”, onde o PAIGC sempre orquestrou a música que quis para nos pôr a “bailar”.
Quando pela primeira vez por ela nos movimentámos, em coluna motorizada, levámos mais um ensaio de todo o tamanho, com um festival de bazucada, morteirada e outra musical metralha, dividida em três sessões dignas de um filme de Spielberg, saldando-se as contas finais em três mortos e vários feridos para as NT, que ficaram nas nossas memórias para todo o sempre.
Assim, por aquelas bandas de Mampatá, o maquiavélico espectáculo foi-se manifestando, meses a fio, numa sinfonia mais justa e equilibrada, cujos sons passaram a ser mais “democráticos”, mais próprios de um "Agora danças tu, depois danço eu e… vice-versa".
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
19 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5678: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (34): O turra branco "Capitão G3" (Mário G R Pinto)
2 comentários:
Caro Mário Pinto
De uma forma aligeirada,simples e até com certo humor,descreves a realidade vivida por tantos e tantos Camaradas nesses tempos dificeis e marcantes. Realidade que afectava pelo menos psicologicamente e nos obrigava a viver dia após dia como se pudesse ser o último,aproveitando-o sempre que possivel.O futuro era ...a Esperança,nada mais !
Um abraço
Luis Faria
Ao Mário Pinto, do Mário Oliveira,só me resta "aumentar a minha admiração e prestar mais que justa homenagem a todos aqueles que, tal como o Mário Pinto passaram por situações como a que ele (MP) descreve de uma forma invulgar mas real... - assustadoramente "mórbida" para quem ler e recordar os ecos emitidos pelas detonações das armas usada. Imagino...mas só isso mesmo...imagino os suores e o medo "dos piriquitos" recem-chegados.
Não...eu minto com quantos dentes tenho na boca (só faltam dois dos originais)quando digo que "imagino"! Imagino o quê? O que é que posso imaginar se nunca passei por situações como as que o MP descreve? Pura mentira...nunca poderei imaginar porque...apesar de ter chegado no mesmo mês de Maio, dois anos antes, nunca fui para o TO onde o risco de morte era constante. Felizmente para mim, nem uma pistola tive distribuida. Por isso, retiro o que dise antes..."imagino" porque ninguém que não passou por "elas" pode imaginar absolutamente nada!
Por um lado, é bom mas por outro, acho muito injusto que "só alguns" - e foram muitos só alguns"- é que foram expostos, sacrificados, condenados a padecer o inamaguinável! HONRA LHES SEJA FEITA! Quantos dos nossos "governantes" deveriam de ser "ambientados" á priori" para que soubessem respeitar mais e melhores todos os Mários Pintos que passaram por lá...no TO.
Abraço a todos.
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