1. Mensagem José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 27 de Abril de 2011:
Amigo Vinhal
Junto esta pequena história (Galinha? Cá tem) para incluir nas "Memorias
boas da minha guerra"
Um abraço do
Silva da Cart 1689
Memorias boas da minha guerra (16)
Galinha? Cá tem!
De 29 de Novembro a 13 de Dezembro de 1967, a nossa CART 1689 esteve envolvida na implantação e construção do Destacamento de Gubia, na zona de intervenção de Empada. Depois de um desembarque em LDP’s, ao amanhecer, “à maneira da Normandia” e após a ocupação do local apropriado, iniciaram-se os trabalhos das construções defensivas. Para assegurar esses trabalhos e não só, os Pelotões saíam para patrulhar e emboscar, rendendo-se uns aos outros.
Quando ocupámos aquele local, apanhámos vários cabritos e muitas galinhas, que eram da população e que fugira ao ouvir o barulho dos motores das lanchas. Desde logo, sempre que determinado Pelotão saía, as suas galinhas estavam à mercê dos outros militares que ficavam no acampamento. E os “pilha-galinhas” só pararam quando, dos respectivos Pelotões “proprietários”, passaram a ficar um ou dois militares (“dispensados por doença”), para guardarem o “galinheiro”.
O Silva com o Darei, em Catió, onde ele ficou. O Una faleceu em Gandembel no dia 19 de Abril de 1968 durante a Op. Bola de Fogo.
Os soldados milícias Darei e Una, que eram do meu Pelotão, quase não falavam entre si, pois, sendo de etnias diferentes, sentiam dificuldades em comunicar. Porém, entendiam-se lindamente.
Estávamos sentados no chão, ao redor de uma fogueira, de lume brando e muito braseiro, enterrada num rego apropriado para se poisarem os espetos dos assados nas beiras de cada lado. Enquanto o Darei, de faca afiadíssima, se entretinha a dar os últimos retoques num espeto de vara verde, o Una saiu sem dar cavaco, aparentando não querer mostrar o seu apetite, provocado pelas “insinuações” do Darei. No entanto, pouco depois, ouve-se:
- Ladrões, filhos da puta. Eu fodo-vos! – gritava alguém lá ao fundo.
Ouvia-se também um restolho enorme de quem vinha a corta-mato e em fuga. Surge a uns 70 metros, o Una a correr, com uma galinha encostada ao peito, ao mesmo tempo que a depenava a uma velocidade incrível.
Logo de seguida, surge o Flausino, sempre a gritar:
- Filhos da puta, ladrões. Já vos apanho.
Ao passar junto de nós, o Una deixa cair a galhinha para as mãos do Darei, que logo lhe enfia o espeto, do cu até ao pescoço e o coloca imediatamente nas brasas. O Flausino aproximou-se em modos ameaçadores.
Olhando para os militares, que estavam em silêncio, a observar a galinha que esgravatava as brasas com as patas e pergunta, meio cansado e embasbacado:
- A galinha?... ga..ga..linha?...ga...aali ..li...li....?
Como ficou estarrecido a olhar também para “o assado” que mexia nas brasas, o Darei, imperturbável, respondeu:
- Galinha, inh’cá tem! ...Ess’é galo!
Silva da CART 1689
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8179: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (15): Xelorico, um rapaz sui generis
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Caro Ferreira da Silva,
Parabens pela forma interessante como alinhavaste a historia da galinha/galo.
A malta tinha necessidade de arranjar uns petiscos e desenrascava-se conforme podia.
Em Bissum, tinhamos um babuino que "roubava" nhec para o pessoal a troco de uma cervejita, e so largava a ave quando recebia a "loira"...
abraço
manuelmaia
Caríssimo Silva:
Iphoda-se!...
És o melhor contador de histórias de entre todos os tabanqueiros.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá
Grande história!
Já me ri um bom bocado!
Grande abraço
Belíssima estória.
Um abração do T.
Caro Maia, essa do babuino "alcoolizado" dava uma boa história. Um dia destes sai num dos teus poemas.
Manuel Carvalho, és muito simpático mas estás a exagerar e muito.
Mexia Alves, eu também me divirto muito a pensar e a reler estas histórias. Para mim, elas são um património importante da minha vida.
Torcat Mendonça, a história tem continuação. Imagina a cortesia daqueles dois Milicias, a distribuir delicadamente pedaços de galinha a fumegar da qual ainda escorria m com um cheiro horrível.
Obrigado pelo vosso comentário. Um abraço do Silva
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