sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8663: (Ex)citações (147): Guidaje – 1973. Esclarecimentos (José Manuel Pechorro)

1. O nosso Camarada José Manuel Pechorro, (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 - Guidaje -, 1971/73) enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

Tentei introduzir uma resposta no poste P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado), em seguimento ao meu comentário no P8644, mas como o texto é extenso não consegui.

Assim, agradeço a publicação do texto e 2 fotos anexas sobre Guidage, no blogue, tentando responder às duas perguntas do Juvenal.

Amigo camarada Juvenal:

Estive com o Sr. Cap Cav Salgueiro Maia em Santarém, estagiei no Centro Cripto, na Escola Prática de Cavalaria.

No dia 29 chegou a 6ª coluna auto a Guidage, comandada pelo Sr. Cap Jorge Rodrigues (Cmdt da CCaç 14), onde vinham integradas a 38ª CCmds, parte da CCaç 4512, CCaç 3414 - Cumeré, Gr esp  mil 342 – Olossato, Gr Esp Mil - Farim (?) e CCav 3420.

Segundo conversas que ouvi, foi a 38ª CCmds que teve o principal embate com a guerrilha, durante o percurso…

Dei pelo aproximar do Cap Cav Salgueiro Maia ao posto de comando, onde estava próximo o Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos, não dando mostra de esgotamento e vinha dizendo, já próximo e repetindo: "tenho ("8") homens que querem desertar para o Senegal", na presença de soldados do quartel e do Comandante de Guidage. Os soldados da CCav 3420 chegaram fortemente armados e muito cansados; reconheci um moço de Santarém.

Não li o livro deste oficial, que escreveu sobre o cerco, mas baseado em pequenos relatos que li neste blog, em:

Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos), Sábado, 6 de Fevereiro de 2010:

"O chão estava lavrado por granadas, as casas, todas atingidas, pare-ciam ruínas, os homens viviam em buracos, luz e água não havia... como que para nos cumprimentar, pelas 21 horas somos flagelados por um morteiro de 82, com as granadas a cair em grupos de cinco e, para cúmulo, granadas nossas de 81 mm, das capturadas na coluna de reabastecimentos, agora disparadas contra nós. No dia seguinte, pouco depois do alvorecer, inicia-se a coluna de regresso com o pessoal que, até à data, tinha sobrevivido e que, para além dos sofrimentos de que já padecia, deitado sobre colchões velhos, saltava como pipocas cada vez que a Berliet passava num buraco".

E a descrição que ele faz de Guidage é perfeitamente dantesca:

"A enfermaria e o depósito de géneros tinham sido praticamente des-truídos; como assistência sanitária, tínhamos um sargento enfermeiro e alguns maqueiros. O pessoal dormia e vivia em valas abertas ao redor do quartel. Esporadicamente, errava-se por lanços por entre os edifí-cios ou o que deles restava. Como dormir no chão não é muito agradável, na primeira oportunidade passei revista aos escombros e tive sorte: descobri dentro de um armário que tinha pertencido a um alferes madeirense que ficou sem uma perna uma farda nº 3, o que me permitiu lavar o camuflado e, como prenda máxima, um bolo de mel e uma garrafa de vinho da madeira quase cheia e inteira no meio de tudo partido. Com isto fiz uma pequena festa com três ou quatro homens, porque era perigoso juntar mais gente. Nesta altura pensei em, depois de regressar a Bissau ir ao HM 241 saber quem era o alferes para lhe agradecer tão opíparo banquete, mas tal não foi possível e ainda hoje tenho esse peso na consciência.

Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera quatro mortos e três feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 82 com retardamento; a granada rebentou a meio de uma placa feita com cibes; o resto do abrigo ficou totalmente destruído; o chão tinha um revestimento insólito - consistia numa poça de sangue seco, cor castanha com 2 a 3 mm de espessura, rachada como barro ressequido. O odor envolvente era um pouco azedo, mas sem referência possível; o sangue empastava os col-chões e as paredes. A minha preocupação era encontrar um colchão. Depois dar volta aos oito que lá se encontravam, escolhi o que estava menos sujo. Tirei-lhe a capa, mas o cheiro que emanava de dentro era insuportável; mesmo assim, consegui trazê-lo para a superfície, onde ficou a secar debaixo da minha vigilância, para não ser capturado por outro. Depois de bem seco e com os odores atenuados, levei a minha conquista para a vala, onde, para caber, tive de o cortar ao meio, fazendo bem feliz o meu companheiro do lado que, sem esforço, ganhou um colchão, e sem saber de onde ele tinha vindo".

Noutra parte, que não recordo onde li, talvez no blog, seguindo a mesma lógica,  afirmou, salvo erro:

- "Dos cerca de 40 ou 50 ataques do mês anterior (Abril), em Maio Guidage sofreu 167!":
Em Abril sofremos um ataque com armas ligeiras no dia 6, o dia dos mísseis Strela e do abate das duas DO27 e do T6,e uma flagelação no dia 28.
Durante o mês de Maio fomos atacados e flagelados 45 vezes; sendo a última a do dia 29 pelas 21 horas. 36,foram antes do dia 19...

- “Em Guidage os mortos foram enterrados na parada!”

As campas foram abertas entre a vala e o arame farpado, próximo da caserna abrigo do 1º pelotão.
. . . . 0 . . . .

Trata-se de uma versão adaptada, de Guidage… Parece descrever uma batalha, de zona habitacional francesa, próxima das trincheiras da 1ª Guerra Mundial, tudo arrasado e destruído!

Fomos flagelados com granadas de mort 81 (1 ou 2 não explodiram) e deduzimos tratar-se das granadas que vinham nas viaturas da coluna Binta-Guidage, do dia 8 de Maio, acidentada com mina anti-carro e fortemente atacada durante a noite e madrugada do dia 9, foram abandonadas, sendo destruídas de imediato pela nossa aviação… Mas estas granadas apareceram 3 ou 4 dias depois da coluna, não a 29…

As moranças (casas da tabanca), edifícios do quartel e abrigos, em parte atingidos, não ficaram destruídos ao ponto de não continuarem a ser utilizados...


Foto adquirida ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Ao lado o espaldão do morteiro 81, vê-se o bloco de comando a casa do gerador e mota-bomba da água, o depósito, as viaturas e a porta da cantina de bebidas… Avistam-se embalagens das granadas do morteiro 81. O aspecto do terreno era este, as granadas de mort 82 e canhão s/ recuo quase não se notavam nesta terra dura… Os edifícios atingidos mostravam o que o tecto do comando mostra…

A enfermaria tinha placa em betão armado, atingida “duas ou três” vezes, aguentou e continuou a ser frequentada e utilizada.

Fotos adquiridas ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Enfermaria depois de atingida 2 ou 3 vezes, por flagelação de morteiro de 82 mm. Tinha placa de betão armado a protegê-la…

A descrição do abrigo alvejado, na madrugada do dia 25, não corresponde... Faço ver o que aconteceu na P5479 de 16/12/2009. A granada de morteiro caiu e explodiu, no canto da placa, em cima da parede do abrigo. Devido á explosão os estilhaços do próprio tecto causaram as baixas sofridas... Só o canto do tecto de troncos de palmeira, enfraquecido pelo tempo ficou destruído. Os que estavam próximos do canto e do tecto foram atingidos. Um alferes madeirense (o Alf Mil Inf Luciano Dinis, da CCaç 19), ficou ferido com certa gravidade no abrigo, mas ficou inteiro... Não soube de Alferes que tivesse ficado sem uma perna, naquelas condições teria falecido… O pavimento do abrigo, tinha vestígios de sangue, mas não como está descrito... Eu vi logo que se fez dia. Este sim deixou de ser utilizado.

Havia um depósito de água, um gerador eléctrico e moto-bomba que tirava a água de um furo:

No quartel não faltou a água e nem a electricidade, embora houvesse cortes: Aguardávamos nas valas, e sem luz de propósito… segundo informações, teríamos um forte ataque de vingança (algumas deram a entender que o IN estava a abandonar a zona, depois do dia 19). Houve noites escuríssimas e também de luar que parecia dia.

Desligou-se o gerador, a certa hora, para poupar combustível, devido ao falhanço de 2 colunas que não passaram...

Chegamos a ter 800 homens juntos no aquartelamento, se levavam comida, retidos alguns dias, consumiam o que levavam, tinha que haver uma diminuição na quantidade e na qualidade. A vida degradou-se… Fui sempre comer as refeições ao refeitório, mas, algumas vezes fugi para o local de abrigo mais próximo…

As granadas de mort 82 não danificavam muito o terreno… Falo em flagelações com morteiro 120, a ter acontecido, só foi entre 22 e 25 de Maio... O Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos afirmou tratar-se de mort 82... Mas as que explodiam no quartel, notava-se mais o local da explosão no chão endurecido.

O quartel de Guidage recebeu instalações novas, cobertas com chapa de zinco, feitas pela BEng em 71/72. Não havendo ataques ou flagelações, com retretes com chuveiro de água canalizada e luz do gerador, onde ia a avioneta do sector, “estávamos na cidade”…

Cobertas as valas interiores e demolidos a maior parte dos abrigos, restaram as 4 casernas abrigos dos 4 pelotões e se não erro 5 pequenos abrigos espalhados… O aquartelamento pequeno e superlotado, teve as suas consequências…

O Sr. Cap Cav Salgueiro Maia (e a CCav 3420), salvo lapso, abandonou Guidage, na coluna auto em 12/6/1973 onde foi o Sr. Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos. Substituído no terreno pelo futuro Cmdt do COP 3 Sr. Maj. Inf. Carlos Alberto Wahon da Costa Campos. Os 3 já morreram.

Com calma e serenidade, os que lá estiveram, cercados, numa batalha dura e cruel, vivendo a guerra! Concordará que a realidade não foi como está descrita pelo Ex. Sr. Cap Maia...

Quanto ao abandono de Guilege:


- Em Guidage recebemos mais "duas" flagelações em Junho: No dia 1 e a 17.

Não tenho a certeza se foram três, é provável que tenha sido mais uma no dia 11, que aconteceu o que descrevo: Ao chegar a coluna, cerca das 18,15 h, com mort 82. Durante 10 ou 15 m. Além dos estrondos, foram nítidos os clarões... Caíram na parada perto do comando e da enfermaria, local de maior aglomeração de soldados... A rapidez como desapareceram! Por milagre não tivemos baixas.

O Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos estava no canto exterior do edifício do comando e não nos acompanhou em corrida para o refúgio do posto de rádio; apareceu e lá se meteu, foi das poucas vezes que o vi procurar abrigo. Fechamos a porta.

O suposto ataque de vingança, pelo nosso ataque a Cumbamory e a sua quase total destruição, tinha por fim reter as nossas forças operacionais no norte? Não chegando socorro a Guileje ou Gadamael nas devidas condições.

- Não quero julgar ninguém. Cada quartel teve a sua cruz... Não sou a pessoa habilitada para o fazer:

Em Bissau e o PAIGCV, certamente esperavam maior resistência em Guilege e se esta tem acontecido, não daria tempo para o socorro aparecer?

Um abraço a todos,
José Pechorro
1º Cabo Op Cripto da CCaç 19
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

11 de Agosto de 2011 >Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado) 

10 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Pois é, nem sempre as descrições de livros correspondem à realidade observada, segundo me parece.

Sem mais comentários!

Um abraço camarigo para todos

Luís Dias disse...

Caro Camarada José M.Pechorro

Excelente descrição de quem viveu "in loco" os acontecimentos e que pode ajudar a lembrar o sofrimento de todos aqueles que por ali passaram e a sua estóica resistência, coragem e carácter.
Obrigado pelas tuas observações serenas e pelas imagens ilustrativas daquele campo de luta.
Um abraço
Luís Dias

Anónimo disse...

Pois é!
Eu não devia meter-me nisto!
Mas só vou dizer uma coisa, uma só coisa, porque se não o disser, rebenta-me a alma.
Entre um cap.de cavª.que por acaso, por mero acaso,teve o papel que teve,(espero ninguém ter dúvidas sobre isto)no desencadear, e, não o esqueçamos, no evoluir, no dar a volta, quando a "coisa estava preta",na serenidade, no bom senso, na condução de homens, voluntários que o acompanharam,e que, se calhar, morriam por e com ele, ali na praça do Comércio e na rua do arsenal, e depois no Carmo,e que se chama,infelizmente se chamava SALGUEIRO MAIA, dizia eu, entre ele e um cabo op.cripto(sem desprimor, uma especilialidade chave,e com mérito, mas que passava inf.reservada para cima, e cessava responsabilidades)repito, entre estas duas fontes, eu sinceramente, bebo a água cristalina de um(se calhar o mais puro, o menos político e finalmente o mais azarado, do ponto de vista passoal) Capitão de Abril.
Sem querer entrar em "guerrinhas estéreis", porque não vou voltar ao assunto,tinha que desabafar, e já desabafei, ponto final.
Abraços camarigos

Francisco Godinho

Anónimo disse...

Caro F.Godinho
É costume e é verdade que duas pessoas que observam o mesmo acontecimento relatam-no de forma diferente.
Com o todo o respeito que me merece a figura do Cap. Salgueiro Maia, porque é que o relato feito pelo J.Pechorro também não pode ser verdadeiro.. só porque foi cabo..francamente.
Conheço a versão do saudoso Cap.SALGUEIRO MAIA e li agora a do J.PECHORRO e não vi qualquer contradição, cada um relata o que sentiu e viveu..só isso

C.Martins

Anónimo disse...

Caros Camaradas:
No dia 28 de Julho/72, em Buba, dei a assistência possível, durante uma noite sem fim, num abrigo/enfermaria, a um soldado de da C.Caç.3398, gravemente ferido, na Bolanha dos Passarinhos.Esse soldado, só evacuado no dia seguinte, veio a falecer, no dia 01 de Agosto, no Hospital de Bissau.
Durante muitos anos, ao narrar tão infeliz acontecimento, sempre referi que, durante aquela negra noite, o soldado implorava que não queria morrer sem ver a sua filha. A verdade é que, há dois anos, numa visita à sua campa e em conversa com seus conterrâneos, fiquei a saber que o soldado em causa era solteiro e não tinha qualquer filha.
A questão é: como é que, passadas dezenas de anos, esta cabecinha, involuntariamente, acrescentou um dado inverdadeiro, a uma história real ?!...
Por isso, saber em situações destas, quem diz a verdade, com mais rigor, é um problema sem solução. A não ser que o narrador tenha registado os factos em diário, de preferência, (passe a expressão) em horário.Sabe-se bem porquê.
Um grande abraço

Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Diz o Candeias Godinho que não devia meter-se nisto … Porque será que um homem honesto (eu conheço-o), parece recear emitir opinião sobre o conteúdo do Post em que o camarada Pechorro acrescenta alguns dados aos escalpelizadíssmos “acontecimentos de Guidage? Tinha que o fazer, senão rebentava-lhe a alma … dá o que pensar! Mas, por outro lado, vem o C. Martins questionar, e muito bem, “porque é que o relato feito pelo J. Pechorro também não pode ser verdadeiro ... só porque foi cabo … “. Sou levado a concordar com o Martins, a sua posição parece-me a mais equilibrada. Por estas palavras que são minhas, acho que não existe qualquer razão, excluindo algum percalço de natureza literária, para que o mesmo filme visto pelos olhos de um Cabo que aqui desempenha também o papel de narrador, reflicta uma realidade diferente daquela outra, observada por patente mais elevada. A realidade é, por natureza, objectiva. A subjectividade estará na consciência do espectador. E aqui reside o nosso problema; neste filme, ambos foram figurantes/actores/espectadores! Segundo berbicacho: Não é impossível que, para o mesmo filme, exista mais do que um guião: Um, oficial, e todos os outros apócrifos. E o que não falta na nossa praça são excelentes guionistas como o demonstra vastíssima produção que atafulha as montras das nossas livrarias. A questão da verdade, é outro assunto. Quanto á minha posição sobre a matéria … já consegui confundir-me a mim mesmo! Mas sempre vou dizendo que em garoto, acreditava em bruxas e lobisomens, mais tarde passei a aceitar a teoria do azeite, agora estou naquela do algodão … ! Continuação de boas férias para todos e um abraço do,
Vitor Junqueira

Anónimo disse...

Caros camarigos,
(I)
(Sem exclusão dos demais, permitam-me que referencie especialmente 2 dos nossos, o C.Martins, que se me dirigiu pessoalmente no seu comentário, após o meu, e ao meu amigo V.Junqueira (por onde tens andado Vítor?) este, por razões mais chegadas e mais profundas: fomos e continuamos a sêr,"irmãos de sangue,da açoriana C.Caç 2753").
Posto isto, vamos ao que interessa.
Quem me conhece sabe que, nunca medi a veracidade de determinado assunto/facto/acontecimento, neste contexto histórico/militar, pelo nº. de divisas, galões ou até estrelas, que cada qual tem (ou teve)nos seus ombros. Não, não se trata disso. No meu entender, a questão é outra.
Se calhar, vou dar um exemplo, passado comigo e que me ocorreu agora mesmo,-nem o Vítor saberá disto,pelo menos não me recordo de o ter contado,-e que, penso, ilustrará melhor a minha posição sobre este assunto.
Uma ressalva apenas, omitirei nomes de pessoas e locais/Unidades militares, por razões óbvias e que compreenderão a seguir.
Algures em finais de 69, princípios de 70, numa Unid. Militar da então Metrópole, já eu Cabo Milº.fui nomeado/escalado para
chefiar/enquadrar uma coluna(4 ou cinco viaturas)que iria buscar/rebocar uns atrelados de cozinha de campanha, e salvo erro, um ou dois atrelados para água, a uma outra Unid. Militar.Tudo a postos, tudo nos conformes,requisições, guias de marcha, guias de transportes, e ala que se faz tarde.Pernoitei(pernoitamos, eu e o pessoal deslocado) na outra Unid. e no dia seguinte, tudo entregue e conferido, regresso à minha Unidade, faço a entrega ao Sarg.de material, tudo certinho,e vou para o meu quarto/camarata de 10 ou 12 camas, que naquela dita Unid. eram fora do Quartel(ali perto mas fora da porta d'armas).Não tarda nada, aparece-me um soldado todo esbaforido, a pedir-me para me apresentar "imediatamente" no gab. do Oficial de dia. Claro que geri este "imediatamente" com um banho,ataviei-me convenientemente, fui ao Bar de Sarg. comer qualquer coisa, e apresentei-me ao Homem.
Uf!Nem queiram saber!.Que tinha faltado à parada/formatura pois estava escalado em OS como Sarg. de dia, que me tinha ausentado do Quartel sem autorização,nem me deixava falar, ou contra argumentar.Ia participar de mim,já o teria feito, que contasse com uma porrada, talvez até mobilização imediata, sei lá que mais...!. Até que me ofendeu.Chamou-me um nome que me fez saltar a tampa, e eu, já destemperado, retorqui-lhe, gritei-lhe: Se o meu Aspirante(era dum
Asp.Milº.que se tratava)quer participar, pois participe que eu me defenderei como puder e souber, e quanto à ofensa, se quizer, vamos lá para fora da Unid.tiramos a farda, e resolvemos o assunto já. Claro que não fomos,continuou ameaçando, eu bati com a porta e a vida continuou.Também não terá participado, pelo menos não fui mais incomodado com tal, apenas e só nos evitávamos, e nunca mais nos aproximámos/convivemos.Passado algum tempo, fui mobilizado, fui aos Açores(Angra do Heroísmo)juntar-me aos camaradas da C.Caç. 2753, fizemos uma "entourage" em Lisboa, e zarpamos à Guiné.
Ele, pelo que soube posteriormente, também lhe tocou a Guiné(Leste)integrado numa Companhia Independente.
Muito tempo depois, já era membro deste n/Blogue, quando deparo num post qualquer, que tinha morrido em combate.Se porventura ainda existisse, e já não existia, garanto-vos,mas se existisse algum resquício/constrangimento do passado longínquo,ele evaporou-se, extinguiu-se no preciso momento daquela notícia/constatação.Ele passou a ser para mim, uma memória a respeitar, um soldado de Portugal(neste caso um alferes, mas é a mesmíssima coisa)caído ao serviço de Portugal, tombado, como muitos outros, na flôr da vida, por uma causa, que agora, se calhar,consideramos menos nobre e menos justa, mas que, na altura, não pudemos ou não quizemos questionar. Mas isso, não altera em nada, mesmo nada, o respeito que me merece a sua, tal como a de todos,(alguns até amigos de infância, conterrâneos) memória.

Francisco Godinho

Anónimo disse...

(II)

Caros camarigos,
Tive que interromper, partir em dois o meu comentário, para não acontecer o que me sucedeu hà bocado, excedi o limite de caracteres, e foi-se o que tinha alinhavado.
Retomando o fio à meada,mas o que é que isto tem a vêr com o Post em questão: Guidage-1973 do camarigo José M. Pechorro?
Pois aqui vai.
Se eu estivesse em Guidage em 1973 por alturas do acontecimento, e não estava, já tinha regressado em Julho de 72,e por consequência já lia e ouvia o que a imprensa debitava, o que a "Task Force intelecto-cultural" digamos assim, e que a abertura marcelista permitia, ou melhor já não podia calar, sobre a evolução da guerra da Guiné,mesmo não concordando aqui e ali, com algum exagêro/alarmismo sobre a tendência negativa,para o n/lado, que a mesma vinha manifestando, mas se eu tivesse estado em guidage naquela época, e conseguisse reunir todos os dados na minha mente, os respigados no posto cripto(sem dúvida privilegiados e importantes, já o disse e repito-o)os susurrados na messe de oficiais do QG em Bissau,
na 5ª. Rep (na verdadeira, e na falsa)se tivesse na mente todos estes dados, mais os de um Comdt, de companhia de quadrícula em fim de comissão-Salgueiro Maia estava em Bissau, com a sua Companhia em fim de comissão, praticamente à espera de embarque, e sem grandes baixas - se eu, repito,
abrangesse essa informação toda,a equacionasse, se tivesse sido escalado/obrigado/empurrado a fazer uma segurança a nível de companhia,e se calhar até mais que uma companhia.(daí, talvez a sua presença física) a uma mega coluna de reabastecimento, reabertura de trajecto,a Guidage que estava sob enorme pressão,só aliviada com a acção, pelos vistos fulcral e determinante, dos Comd. Africanos, em território senegalês,em Cumambary,se eu, volto a repetir, tivesse tido esta abrangência de dados, sentimentos, emoções, vivências, enfim todo este filme na minha cabeça, porque estive lá, e passados estes quase quarenta anos, ainda cá estão sem uma falha milimétrica, mesmo assim, se encontrasse alguma discrepância de pormenor, mas que verdadeiramente não alterasse a veracidade e a autenticidade da situação dramática, então vivida, entre o que vivi, senti, compreendi e assimilei, e o que o Cap. Salgueiro Maia escreveu, sentiu e teve necessidade de mandar cá para fora, há já alguns anos, eu sinceramente, não me atreveria a beliscar sequer.
Até, pelo respeito que me merece o seu trajecto de vida, infelizmente curto.
E isto não tem nada a ver, creiam-me, com a baixa patente do N/camarigo José Manuel Pechorro, que afianço,não quiz e não quero menosprezar.

Abraços camarigos

Francisco Godinho
(Qualquer dia temos que almoçar juntos Vitor,o outro Vitor, o mecânico, tem o meu contacto)

Anónimo disse...

O que acho interessante no poste de José Pechorro é que, contrariamente ao que seria de esperar, ameniza o dramatismo da situação que viveu. Ser-lhe-ia muito mais fácil "colar-se" à descrição de Salgueiro Maia ou mesmo acentuar-lhe as cores negras.
Ora, isto só abona em favor do carácter de JM Pechorro, admitindo mesmo que a memória o tenha traído, esbatendo a intensidade dos dramas que a sua unidade viveu.

Um abraço,
Carlos Cordeiro

Simoa disse...

Em consequência de ter os acontecimentos de Guidage bem vivos, reforçados com algumas anotações, venho rectificar:

“- Em Guidage recebemos mais "duas" flagelações em Junho: No dia 1 e a 17.
Não tenho a certeza se foram três, é provável que tenha sido mais uma no dia 11, que aconteceu o que descrevo: Ao chegar a coluna, cerca das 18,15 h, com mort 82. Durante 10 ou 15 m. Além dos estrondos, foram nítidos os clarões... Caíram na parada perto do comando e da enfermaria, local de maior aglomeração de soldados... A rapidez como desapareceram! Por milagre não tivemos baixas.”

Por lapso, o que descrevo no dia 11 verificou-se no dia 01 de Junho de 1973.
A flagelação do dia 11 de Junho de 1973 não aconteceu!
Um abraço,
José Pechorro