quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

1. Comentário do dia 8 de Agosto de 2011 de José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) ao Poste 8644:

Acabo de ler a postagem sobre a intenção do Nino desertar do PAIGC…

Na minha modesta opinião e sinceramente acredito na história descrita.

A batalha de Guidage (Estrada Binta – Guidage, os ataques e flagelações ao quartel, a acção da nossa aviação, e o nosso fortíssimo contra ataque contra a base do PAIGC em Cumbamory, que foi quase totalmente destruída, foi de facto uma pesada derrota para o movimento da guerrilha, que inseriu na zona cerca de 800 combatentes!

O PAIGC atacou e cercou uma companhia de recrutamento na Guiné, a CCaç 19, de etnia Mandinga e o Pel Art 24 com negros da tribo Balanta, sediados em Guidage. O Batalhão de Comandos Africanos, eram negros da província, que invadiram a base de Cumbamory; além de outras forças africanas da Guiné que participaram na batalha de Guidage… Esta gente teve papel preponderante na sua derrota! Deu-lhes que pensar.
Os negros africanos da Guiné faziam-lhes frente e combatiam por Portugal…

A operação Cumbamory desenrolou-se em confrontos no dia 19 de Maio de 1973, quem estava em Guidage a 5kms, ouviu todo o desenrolar dos combates. O Batalhão retirou para Guidage, onde chegou cerca das 18 horas, logo escurecendo, e foram aparecendo…

Cansados, alguns esgotados, sujos, enlameados, suados, carregando além do seu armamento pessoal, 1 ou 2 armas do PAIGC e espingardas G3 que encontraram nos armazéns do IN.

Ao chegar ao quartel deixavam-se cair no chão e adormeciam logo, em locais de risco, como perto do edifício do comando, longe das valas e até na parada os vi deitados…

No comando estiveram com o senhor TCor Cav Correia de Campos, os oficiais do Batalhão de Comandos Africanos, o Major João de Almeida Bruno (hoje General), os Cap António Ramos, Matos Gomes e Jamanca (negro) e o Alf Marcelino da Mata. O Cap Raul Folques foi para a enfermaria. A eles ouvi relatos do que acontecera durante o dia…

Escrevi que ao dormirem fora das valas estavam em alto risco! Ouvindo, um oficial branco comando disse-me: “Depois da sova que levaram, hoje não atacam Guidage. Estão a tratar dos feridos e dos mortos!”

Assim foi, o IN sabendo do mais provável ataque terrestre a Cumbamory, no dia 19 começou com uma flagelação cerca das 02h10 e outra 05h15, com morteiro 82 e canhão s/recuo, sem consequências; o dia 20 foi de descanso e só voltaram a incomodar no dia 21 cerca da 02 horas da madrugada, durante 30 minutos com morteiro 82 e canhão s/recuo, meteram as granadas quase todas na parada, numa noite de luar, fresquinha…

E será assim até desistirem, com flagelações de uma a duas por dia …

O seu esforço foi de tentar impedir a chegada de abastecimentos via estrada, que não conseguem evitar no dia 29 e onde a 38-ª Ccmds teve o principal confronto com o PAIGC no Cufeu…

O senhor Major Almeida Bruno deu-me o Relim da operação para remeter para Bissau, onde este descrevia o resultado da operação, que somado ao que ouvi na sala de operações aos oficiais comandos, desmente o que o senhor Manuel dos Santos “Manecas” (comissário político do PAIGC da zona norte) menciona no livro “A Última Missão”, do Maj (hoje Cor) Calheiros no que se refere a Cumbamory na batalha de Guidage. O senhor “Manecas” tentou limpar da história um acontecimento verídico: O PAIGC foi derrotado em GUIDAGE, e nesta batalha os soldados negros portugueses da Guiné tiveram papel de destaque no seu fracasso. É isto que eles não querem admitir... Porque tem ainda forte impacto político…

Se nós com 47 baixas mortais (brancos, e negros na sua maioria) nos angustiou; eles, com os seus cerca de 150 mortos (que já mencionei noutras intervenções) e a sua base principal na zona norte atacada e destruída, o abalo foi fortíssimo e compreende-se que o Nino procurou aproveitar o momento para dar outra solução para a Guiné Portuguesa… Os Mandingas da CCaç 19 não escondiam o seu desagrado em serem governados por Cabo Verde, se os portugueses abandonassem a Guiné…

Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto –71/73
Ccaç 19 – Guidage - Guiné

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2. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2011:

Ao ler a excelente e muito completa discrição do camarada José Perrocho, sobre o que se passou em Guidage em 1973, assaltaram-me algumas duvidas que gostava de ver elucidadas.

O que desejo perguntar é se nesta batalha e na defesa de Guidage, esteve o capitão Salgueiro Maia? Figura que todos nós conhecemos e eu pessoalmente admirava e na verdade li um relato seu sobre penso eu, o mesmo período.

Se o Nino Vieira pessoa que sempre detestei, foi posteriormente o comandante operacional no Sul e do ataque a Guilege?

E por último volto aqui a fazer uma pergunta já noutro poste feita, se não estou em erro pelo C. Martins: - Porque não se defendeu Guilege? Porque não foram disponibilizados os meios que se utilizaram em Guidage? Porque foi pedida ajuda e ela não foi disponibilizada em tempo útil? Onde estavam os comandos africanos e brancos? Onde estavam os pára-quedistas? Os fuzileiros que raramente para aqui são chamados onde estavam? Porque só foram utilizados depois? A contra guerrilha não é atacar o inimigo quando ele se prepara para nos atacar a nós?

Já se tem falado aqui amplamente, sobre a diferença de seis combatentes portugueses para cada um do PAIGC, para além de blindados aviação, artilharia pesada e ligeira. Porque não se utilizou essa supremacia?

Por que é que um militar com o prestigio do General Spínola é substituído no comando da Guiné, quando ele foi o impulsionador da chamada dos Guinéus à sistema politico e militar do território, com a sua famosa acção psicológica?

Praticamente a nossa tropa nativa era equivalente em número de homens do PAIGC, mas eles com muito menos logística.

Por que se abandonaram zonas e nunca mais foram por nós ocupadas?

Como também já aqui foi referenciado o nosso governo levou jornalistas e observadores a alguns desses locais em visita relâmpago, mas não ficou lá ninguém a ocupar o terreno.

Já por mais de uma vez, foram apontadas como parte da revolta dos capitães, a situação militar na Guiné para além da ditadura na Metrópole. Também afirmações de que Angola era caso arrumado e Moçambique estava a caminho disso têm sido um constante. Se estávamos tão bem, por que se resolveram as coisas da forma que foram resolvidas? Acaso a Junta de Salvação Nacional não era composta por oficiais superiores com larga experiência nas questões Ultramarinas? Ou os galões que ostentavam saíram em alguma rifa?

O decréscimo da actividade das guerrilhas, que de repente reaparecerem com violência redobrada, são tácticas conhecidas em todo o lado. Não há frente nem retaguarda. É uma táctica movediça que obriga a quem ocupa, um esforço enorme de meios em equipamento e homens. São como incêndios que temam em reacender-se, depois de terem sido dados como extintos.

Quero deixar bem claro, que em nada belisco a valentia dos nossos soldados, que considero como os únicos no Ocidente, que aguentaram as condições em que vivemos na Guiné.

Desculpem mas estes casos já foram aqui aflorados por diversas vezes, mas porque num comentário, foi utilizada uma frase meio nebulosa ou fora do contexto, logo os assuntos em discussão descambam em ataques pessoais e ficam relegados para a velha «Guerra Perdida ou Ganha».

Como popularmente se diz Perguntar não Ofende, espero não ter melindrado ninguém.

Um abraço
Juvenal
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Notas de CV:

Sobre os acontecimentos de Guidaje, vd. postes de:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

4 de Abril de 2010 Guiné 63/74 - P6105: (Ex)citações (63): O Ten Cor Correia de Campos foi um dos heróis de Guidaje (José Manuel Pechorro)

4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5763: Notas de leitura (62): Salgueiro Maia (1): Crónica dos Feitos por Guidage (Beja Santos)

6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8646: (Ex)citações (145): Uma afirmação, um desabafo, uma pacificação (Joaquim Mexia Alves)

5 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas,
O Juvenal coloca-nos à reflexão alguns aspectos relativos à guerra na Guiné e acontecimentos subsequentes.
Questões que andam ignoradas ou ao livre arbítrio.
Por isso eu pego em algumas delas e exponho o meu ponto de vista:
Sobre Guilege, o então major Coutinho e Lima refere no seu livro que, na ocasião, havia tropas especiais disponíveis, e refere-as. Naquele enquadramento, porém, queixam-se os Fuzileiros na Guiné, que o ComChefe os desprezava, não lhes atribuindo tarefas atinentes à competência adquirida.
Outro aspecto já aqui referido, salvo o erro, tem a ver com a eficácia dos obuzes e respectivas munições, pois teria havido uma troca de calibres.
Porque não se utilizou a supremacia, pergunta o Juvenal. Provavelmente por displicência ou incompetência, que comprometem qualquer organização. A entourage de Spínola deve saber.
A contra-guerrilha assume múltiplas formas para além da luta armada. Spínola tinha verbas para manter a população (uma boa parte) do lado português. Em Angola, foi o extraordinário desenvolvimento sócio-económico, que absorvia cada vez mais trabalhadores, especializados ou não, que contribuíu para o amainar da guerra, a que devem associar-se as tricas internas, e entre movimentos.
Quanto ao abandono de zonas que não teriam especial valor estratégico no momento (a região do Boé é rica em minério), pode levar-se em consideração por questões de economia de guerra. O Alberto Branquinho parece referir-se à matéria. Li-o há pouco, e agora estou baralhado. Era preciso, era conquistar as populações, como primeira condição.
Sobre os finalmentes:
O MFA teve como principal motivação a angustia da Guiné. Se tivesse sido um golpe político, no seu desencadear já se sabia quem iria desempenhar a governação, e os respectivos termos. Mas desenrolou-se ao sabor dos acontecimentos, e aí ganhou prestígio a tradição das esquerdas contestatárias e anti-situacionistas. A tropa claudicou. O poder caíu na rua.
A Junta de Salvação Nacional não teve poder e estava ferida por rivalidades. Nem se percebe que convivência poderia tar com o MFA e quejandos. Não se tratava de generais incompetentes, mas de pessoas que constituiam um ramalhete revolucionário, com personalidades e ideologias muito diferentes, e passaram a ser mais uma razão para condicionar a política (que não havia).
Foi uma espécie de "simplex", ainda mais complicado.
Finalmente, corroboro o que o Juvenal refere sobre os soldados portugueses, talvez os únicos heróis, que aguentaram pesporrências, maus tratos, e as dificuldades de uma tropa pobretanas, e que deram sempre o que tinham para dar: a generosidade patriótica.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Caro Juvenal

efectivamente fui eu que colocou a questão da estratégia ou a falta dela, especificamente no sul da Guiné.
No meu ponto de vista é completamente incompreensível, por exemplo, ocupar Gandembel só com uma companhia, serviu como se previa apenas para os seus elementos serem "carne para canhão",Guilege ter só uma companhia e um pelart com peças 11,4, quando já havia poucas granadas, mesmo em Beirolas, e salvo erro um pelotão de milícias,quando era nessa zona a rota de infiltração de toda a frente sul, a não reocupação de Guilege,etc.
Em fev/74 o então comandante do COP5 capitão-tenente fuz. Heitor Patrício, quis fazer campos de minas em zonas junto à fronteira onde o acesso era mais fácil para infiltrações do paigc (não havia qualquer população)para além do "nega" ainda levou com uma reprimenda dos "inteligentes" de Bissau.
É evidente que não se ganha uma guerra de guerrilha sem o apoio das populações e enquanto existir um único guerrilheiro.
Não vou entrar no campo do descalabro político que foi fundamental para o 25/4/74, mas da parte militar podia-se ter feito muito melhor.

C.Martins

Luís Dias disse...

Camaradas

Na generalidade é usual e costume dizer-se que ninguém vence uma guerra de guerrilhas, mas existem excepções e uma delas prende-se com a única vitória que uma potência ocidental obteve contra um inimigo que empregou a luta subversiva e a guerra revolucionária.Trata-se do conflito que a Grâ-Bretanha travou na Malásia entre 1948 e 1960.
Houve alguns pormenores em que na Guiné, os portugueses adoptaram alguns dos métodos que tinham sido tão eficazes ao serviço das forças britânicas. A recolocação de elementos da população em aldeamentos novos e sob a protecção militar, retirando aos guerrilheiros comunistas malaios a possibilidade de viverem à custa da população local. O uso cada vez mais gradual de tropas nativas a combaterem pela potência colonial. No entanto, houve uma área muito importante que Portugal não terá tido o sucesso que os inglese tiveram, que foi o de combaterem o inimigo com as mesmas tácticas de guerrilhas, de acampamento e nomadização, com um mínimo de suprimentos e recurso a grupos pequenos mas que prolongavam no tempo a sua acção no terreno, que patrulhavam o terreno de forma ofensiva.Os ingleses derrotaram a guerrilha comunista malaia porque o seu exército estava pronto para os vencer utilizando os meios do inimigo.
Um abraço
Luís Dias

Anónimo disse...

Caro Pechorro

Conheci o Sr. Manuel dos Santos em Dakar em 98, quando se desenrolava a guerra civil na Guiné,falamos sobre vários assuntos , nomeadamente sobre a guerra, onde negou que tivesse havido tal feito das NT e de alguma forma foi pouco abonatório com a nossa actuação em geral no T.O. da Guiné, apesar de ser compreensível falar assim , revelou facciosismo da sua parte, por isso não me mereceu grande credibilidade.Não era o comandante das baterias anti-aéreas do paigc, apesar de ter feito um curso de misseis anti-aéreos na u.r.r.s. como muita vez se diz, mas sim comissário político na frente norte.Estudou no I.S.T de Lisboa mas não chegou a terminar o curso de engenharia, porque, segundo ele, decidiu ir para a "luta" de libertação nacional.
Sou amigo do Coronel comando Folques, e apesar de não falar muito sobre o assunto, confirma a tua versão sobre os acontecimentos em Guidage e o assalto à base "cumbamory".Sei mais alguns pormenores que são do foro pessoal (dele) por isso não os vou revelar.
Um alfa bravo

C.Martins

Simoa disse...

Rectificação:

Onde está:
"Escrevi que ao dormirem fora das valas estavam em alto risco!"

Deverão considerar: Afirmei que ao dormirem fora das valas estavam em alto risco!

Um abraço,
José Pechorro