1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:
O SÉTIMO DIA
A vida militar cria laços difíceis de explicar para quem “não andou por lá…”
Depois, já na vida civil, com o correr dos anos esses “laços” estreitam-se $em relação a alguns camaradas. O contrário também por vezes acontece quando, com o decorrer do tempo, conhecemos um pouco melhor com quem lidámos quando éramos jovens de vinte e poucos anos.
Os encontros anuais dos ex-militares aumentavam ou diminuíam o "valor acrescentado” do que conhecíamos ou julgávamos conhecer em relação aos nossos antigos camaradas de armas. Nalguns casos foram precisos anos para perceber melhor com quem tínhamos lidado durante esses anos da guerra do Ultramar.
Apesar de tudo não tivemos muitas surpresas porque os maus bocados de uma comissão de dois anos definem o carácter e a maneira de ser de cada um… sem grandes margens de erro.
O mais irreverente dos Alferes da C.Caç. 675, que serviu na Guiné dos idos de 1964-66, Artur Mendonça de seu nome, nado e criado em Felgueiras, só voltou a aparecer anos depois dos primeiros encontros anuais da Companhia.
Na foto o Capitão Tomé Pinto e o Alferes Mendonça em Binta-Guiné (1965).
Era então já engenheiro têxtil, com sinais evidentes de estar bem na vida. Era um homem de sucesso que já tinha trabalhado mundo fora e que continuava brincalhão .Era um “gozão” nato.
Ao longo dos anos sempre que nos encontrávamos contemplava-me de imediato com a recitação de uns versos ingénuos que tinha escrito e publicado num “jornal de parede” da Companhia, no Natal de 1964.
«…Lá fora não se ouvem os sinos/repicando numa harmonia jubilosa…/mas debaixo de cada “camuflado/no coração de cada soldado/ rejubila uma alma nova.»
O Mendonça tinha uma memória prodigiosa…
Tivemos que aguentar esta piada ao longo dos anos, embora por vezes não nos faltasse vontade de mandar o nosso Alferes “abaixo de Braga”. Mas como o Mendonça já vivia em Felgueiras…
Há uns dois ou três anos soube pelo Belmiro Tavares - outro Alferes da C.Caç. 675 – que o Mendonça estava bastante doente . Tinha feito quimioterapia e já sabe que a partir daí a vida sofre grandes mudanças.
O Tavares, que tem as suas raízes familiares em Sever do Vouga, visitava-o de vez em quando.
Uma semana atrás o telemóvel tocou e vimos que do outro lado estava o Tavares: - Então Kamarada tudo bem?
Nem acabámos a brincadeira habitual entre nós – Kamarada mas com “K” – porque pelo tom de voz do Tavares percebemos que ele não estava bem.
Entre soluços e poucas palavras disse-nos que estava em Felgueiras e que o Mendonça tinha morrido. O seu corpo já estava na Igreja e o funeral ia ser dentro de meia hora. Desligou de seguida sem nos dar tempo de dizer nada.
Havia que deixar passar algum tempo e foi o que fizemos.
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No passado dia 4 de Agosto viajámos para Felgueiras. O Tavares veio de Lisboa e nós apanhamos a sua boleia na estação de serviço da Nazaré, na A-8.
Tínhamos entretanto combinado telefonicamente que uma representação da “675” deveria estar presente na Missa de 7º.Dia.
Connosco viajou também o Moreira, ex-Furriel Atirador da nossa Companhia.
Durante o tempo de viagem – mais de duas horas – recordámos entre risos inúmeras “estórias” do menino “Arturinho”, como mais tarde viemos a saber que era conhecido na sua terra natal . Rimos com gosto convencidos de que seria daquela maneira que o nosso Alferes gostaria de ser recordado pelos seus pares.
Viveu a vida militar sempre a “gozar com a tropa”no limite do admissível para não ser punido. Assumia que não seria voluntário para nada mas que cumpriria os “mínimos”, pois também não lhe interessava levar uma “porrada”.
No final da comissão ,na ausência do Capitão, desempenhou por alguns dias as funções de Comandante de Companhia Interino. Aproveitou o tempo para louvar os maiores “cromos” da Companhia. Quando dizemos “cromos” queremos dizer os militares que só teriam sido exemplo em “nabices”…
Por volta das 19H00 estávamos junto da mansão do menino “Arturinho” onde viemos a conhecer a sua viúva, dois filhos e um dos seus netos.
A família estava conformada com a partida do seu ente querido. Tinham durante cerca de três anos feito tudo o que era possível para o ajudar na sua luta contra a doença e estavam convencidos que o seu familiar tinha partido sem sofrimento.
A Igreja e o Cemitério eram a poucas dezenas de metros da casa do Artur Mendonça.
Um seu neto de 7 anos, com ar de esperto que nem um rato, andava de bicicleta à nossa volta com à vontade e destreza.
Tinha sido um dos grandes amigos dos últimos tempos de vida do seu Avô, a quem ensinava com paciência como gravar programas da televisão e outras habilidades informáticas.
Seguiu-se a missa do 7º. Dia, celebrada por um sacerdote despachado.
Vinte sete minutos mais tarde estávamos fora da Capela da Pedreira.
Visitámos o cemitério, com a surpresa de ver o nosso amigo sepultado num jazigo pouco vulgar.
«…Lá fora não se ouvem os sinos/repicando numa harmonia jubilosa…/mas debaixo de cada “camuflado/no coração de cada soldado/ rejubila uma alma nova.»
Depois foi o tempo do regresso.
Viajámos até Sever do Vouga onde pernoitámos numa das casas do Belmiro Tavares.
Na noite longa que se seguiu dormi mal, muito mal e pensei longamente no menino “Arturinho”.
Julguei perceber finalmente a sua maneira de ser e a irreverência congénita de que fazia alarde.
Tinha sido criado em berço de ouro -o seu Pai tinha sido um respeitado médico da região de Felgueiras - e atingiu os diversos patamares da vida sem grandes dificuldades porque alem de ser esperto era “filho de família”…
O que, quer se queira quer não, dá sempre jeito.
Quando chegou à vida militar percebeu rapidamente os pontos fortes e fracos da vida castrense.
E gozou sempre que pôde com a tropa. Na boa…
«…Lá fora não se ouvem os sinos/repicando numa harmonia jubilosa…/mas debaixo de cada “camuflado/no coração de cada soldado/ rejubila uma alma
nova.»
Até sempre, menino Arturinho.
Até sempre, meu Alferes Mendonça.
JERO
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
6 comentários:
É fatal.
Nesta altura só há a tabuada de DIMINUIR.
E que falta nos vão fazendo!!!!!
Jero
Para trás ficou a irreverência que afinal tinha muito sentido.
Que dizer para além disto/ Lá fora ouviram-se os sinos/Repenicando numa harmonia triste/Mas quem vestiu um camuflado/Bate sempre o coração de soldado/E tristeza invade almas que outrora rejubilaram.
Gostei, só lamento que tenha aquele fim triste mas inapelável.
Um abraço
Oh Jero!!!
Um abraço grande, forte, camarigo
Caríssimo amigo JERO
Nesta bela/triste história há várias coisas que não me surpreendem.
Uma, a de que cada vez mais e de forma mais acelerada, iremos tendo conhecimento de situações idênticas, de 'passamento' de camaradas nossos, pois a idade vai avançando e, salvo outros percalços, estamos todos a aproximarmo-nos da data de 'fim de validade';
Outra, a de que já é recorrente (e, sinceramente, acho muito edificante e de forte significado) a tua Companhia formar como que uma 'delegação' que lá vai aparecendo nesses momentos mais fortes emocionalmente;
Outra coisa ainda que não me surpreende é a forma sentida, quase poética, mas ao mesmo tempo carregada de capacidade de amor ao próximo como tu escreves e descreves os acontecimentos. É, por assim dizer, a tua 'marca de água'.
Um forte abraço, meu amigo.
Hélder S.
Esta, caíu-me mesmo ao lado....fui colega e admirador dele em Mafra, do mesmo pelotão e estivemos na Guiné sem nunca nos encontrarmos. Para além de ser seu conterrâneo...Tínhamos uma maneira de estar na vida muito diferente. Ele era irreverente mas respeitador.
O comboio não pára...
Peço ao meu Deus que acolha o Mendonça na Sua glória.
JlMendesGomes
P.S. Em complemento do meu comentário e reforçando a minha homenagem, acho bem remeter para as linhas que, sobre ele, constam registadas no Post 7098.
JLMG
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