1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 11 de Agosto de 2011:
Caro Editor e amigo Carlos Vinhal
Comemorando-se amanhã dia 12 de Agosto mais um aniversário de Miguel Torga, pensei prestar-lhe uma pequena homenagem, transcrevendo dele um pequeno texto e um poema, pois é mais um dos meus poetas preferidos.
Torga, é um dos Homens com quem gostava de ter falado!
Aos que possam não gostar peço desculpa, mas corremos sempre o risco de estarmos em desacordo.
Aceito seja qual for a sua decisão.
Um abraço para si e a toda a tertúlia.
Felismina Costa
Coimbra, 22 de Novembro
Dizia Torga, no seu Diário V, a páginas 59:
Não rezo. Mas, se rezasse, a minha prece seria esta: dai-me forças, Senhor, para continuar a ter a coragem da franqueza absoluta. Que não fique dentro de mim nenhuma palavra oculta por cobardia. Que a minha pena seja o meu coração a deixar no papel o gráfico de todas as suas pulsações. E que os meus livros me testemunhem como retratos sem nenhum retoque, fiéis e terríveis como a própria verdade:
Portugal
Avivo no teu rosto o rosto que me deste
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E sou a liberdade de um perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
Miguel Torga, in ”Diário X”
************
Biografia
Adolfo Correia da Rocha nasceu em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa (Vila Real), a 12 de Agosto de 1907 e faleceu em Coimbra, a 17 de Janeiro de 1995.
Adopta o pseudónimo de MIGUEL TORGA porque eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península. Pesou também na escolha do pseudónimo a influência de dois grandes escritores espanhóis: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno.
Depois de ter concluído a 4ª classe “com distinção”, o pai disse-lhe: tens de escolher ... aqui não te quero. Por isso resolve: ou o seminário de Lamego ou Brasil.
Daí a pouco tempo lá ia o rapaz rumo a Lamego: ia na frente, de fato preto, montado, a segurar o baú de roupa que levava diante de mim. Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas e ela de colchão e cobertores à cabeça", contará mais tarde em A Criação do Mundo. Aí permanece um ano. Durante as férias, e para grande satisfação da mãe, apoia a realização de eucaristias. Mas a sua decisão era outra. O Brasil passa a ser a única saída e para lá parte em 1920. Ficou em casa de uma tia que lhe impôs como obrigação, em todos os dias, carregar o moinho, mungir as vacas que davam leite para a casa, tratar dos porcos, prender as crias das vacas, curar bicheiros e procurar pelos matagais as porcas e as reses paridas. Um ano depois estava de regresso a Portugal.
O tio do Brasil prontificara-se a fazer dele um médico, custeando-lhe os estudos em Coimbra. Licencia-se em Medicina, aos 24 anos, especializando-se em Otorrinolaringologia. Começa por exercer clínica geral na sua aldeia mas a experiência foi negativa. Segue-se Leiria, uma cidade que gostava, mas, por causa das tipografias, optou por voltar a Coimbra.
O material que manda para a tipografia leva vários remendos colados uns sobre os outros. Chegam a ter umas sete e oito colagens. Por causa de uma vírgula é capaz de passar uma noite sem dormir...
Casou com a belga André Cabrée, professora universitária em Coimbra: vou tentar ser bom marido, cumpridor. Mas quero que saibas, enquanto é tempo, que em todas as circunstâncias te troco por um verso, confessará, em A Criação do Mundo V.
Foi na cidade de Coimbra, onde viveu e exerceu, durante largos anos, a sua actividade clínica – situação em que usava sempre o mesmo ritual: uma bata branca – a par de uma intensa e contínua produção literária, que o escritor se afirmou, quer em Portugal, quer no estrangeiro, como um dos grandes cultores da língua portuguesa.
Chega a ser preso pela PIDE, tendo algumas vezes vontade de sair do país: Mas abandonar a Pátria com um saco às costas? Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irremediável numa penitenciária de valores tão entranhados na minha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar.
Nunca se filiou em partido algum: o meu partido é o mapa de Portugal.
OBS: - Retirado do site da Câmara Municipal de Coimbra, com a devida vénia.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8630: Blogpoesia (155): Pôr-do-sol alentejano (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8637: Efemérides (53): O malfadado mês de Agosto de 1964 (António Bastos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Amiga Felismina
Ainda bem que nos trás o Miguel Torga que tão mal conheço para além do nome.
Vou emendar esta minha ignorância, pois abriu-me o apetite para o ler.
Obrigado
Cara "camarada" Felismina
O Dr. Adolfo C. Rocha,vulgo Miguel Torga,exerceu clínica privada quase até ao fim da sua vida em Coimbra, apesar de ter um pequeno defeito,parece que gostava um bocadinho do "vil metal", o que em si não tem grande mal, significava que também não teve grandes proventos com a sua obra literária.
C.Martins
Filha ilustre de Sabrosa, e mais exactamente de São Martinho de Anta, além do Miguel Torga, é a nossa querida camariga Giselda Antunes, ou melhor, Pessoa. A primeira mulher, camarada de armas, a cerrar fileiras no nosso blogue. Disse-me em tempos que o seu pai fora amigo do Miguel Torga.
Sabrosa é também a terra natal de Fernão de Magalhães, o grande navegador que, ao serviço da concorrência (o rei de Espanha...) fez a primeira volta ao mundo. Aliás, Trás-os-Montes foi berço de outros grandes navegadores...
Sobre Fernão de Magalhães vd. na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_de_Magalh%C3%A3es
Obrigada meus amigos pelos vossos comentários!
Ao Dr. C. Martins, direi, que os poetas me interessam pelo que dizem e mais ainda, pelo que são capazes de dizer. Há muito tempo que leio Torga e conheço pessoas que o conheceram e escuto opiniões, mas adoro a poesia dele, é rude como a terra e a urze, mas pura, sentida, e bela e forte.
Quanto aos proventos da obra literária, quem diz que é o mais importante? se o fosse, procuraria apoios e as suas obras sempre saíram como edição de autor.
O mais importante para quem escreve, é que o mundo conheça as suas ideias.
Saudações amigas
Felismina Cost
Viva Caro Fundador deste espaço onde nos encontramos sempre que queremos!
Congratulo-me por termos tão ilustres personagens Transmontanos!
Desconhecia que Fernão de Magalhães era de Sabrosa, como aliás desconheço tanta coisa, quanto a Giselda Pessoa, já tinha lido uma referência, penso que num poste do Prof. Luís Graça.
É sempre interessante realçar as origens quando elas nos oferecem referências agradáveis.
Ligar a pessoa ao lugar, é valorizar os dois.
Grata pelas informações
Felismina Costa
Tenho um especial carinho pelas gentes transmontanas,um dos meus maiores amigos ,infelizmente já falecido, era bragançano e nordestino como ele gostava de se apresentar.
Trás-os-montes sempre foi terra de gente ilustre.
Caro Luís Graça,desculpa mas Fernão de Magalhães não completou a volta ao mundo, morreu em combate numa praia onde hoje são as Filipinas.
Já agora sabiam porque é que a "Isabelinha,católica ,apostólica, romana"financiou a expedição, foi para comprovar se a "ilha das especiarias" actual Siri-Lanka pertencia a Portugal ou Castela segundo o tratado de Tordesilha.
F.Magalhães enfrentou revoltas constantes durante a expedição reprimindo-as de forma sangrenta, na altura não podia ser de outra forma.Antes de partir fez um testamento..para salvaguardar a família..nada foi cumprido.
Parece que a sua morte foi quase um suicídio, enfrentando sozinho na praia uma grande de quantidade de indígenas.
Cara amiga Felismina,agradecia que não me tratasse por dr., aqui no blogue somos apenas e só camarigos.Também eu sou um grande admirador de "Miguel Torga".No meu comentário anterior não foi minha intenção diminuir ou menosprezar um dos grandes vultos da nossa literatura.Nada tenho contra o Dr.Adolfo Rocha,e admiro a obra literária de Miguel Torga.
C.Martins
Caro C.Martins
Fico muito contente por ser também admirador da obra do nosso Adolfo Correia da Rocha, o que no primeiro comentário não me pareceu, mas, como vê, defendo as minhas convicções e agradeço os "confrontos" para esclarecer ideias.
Sou uma Patriota,que defende o que é nosso, desde que lhe reconheça valor e, como sabe, a valorização é muito subjectiva, no entanto, certos valores, sobrepõem-se a valorizações individuais, por serem detentores de uma qualidade inegável.
Agradeço as suas palavras.
Permita-me um abraço fraterno.
Felismina Costa
Cara Felismina
Interessante, esta 'chamada' do Miguel Torga e os comentários que suscitou.
Gosto bastante dos "Novos contos da Montanha" e particularmente da figura do "Alma Grande". Da figura e da 'função social'.
Abraço
Hélder S.
Caro Hélder
Os Novos contos da Montanha, despertaram em mim o gosto por ler "contos": não sei quantas vezes li o prefácio à segunda edição, feito pelo autor. andei anos com o livro na mala, é de uma riqueza de vocabulário extraordinária.
Extraordinária a narrativa do Alma Grande...e a função, que eu desconhecia poder existir: será apenas ficção, ou seria mesmo real?
A Confissão e o Sésamo e o Artilheiro são mais três contos do livro que me encantou.
Aproveito para aconselhar o Juvenal Amado, começar por ler os Novos contos da Montanha, porque é a forma mais directa para o encantamento, para quem começa a ler Torga.
Foi muito bom falar de Torga com todos vós.
Um abraço fraterno da amiga
Felismina Costa
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