1.º
Cabo Cond auto/Rádio VELEZ - A modéstia em pessoa
A
CCaç 675 continua a honrar os seus mortos.
Mais
uma vez acompanhei o ex-Alferes Belmiro Tavares na honrosa e digna missão de recordar
os nossos mortos, com a colocação de uma lápide na sua última morada.
Já
são quarenta os nossos mortos!... Na
Guiné tivemos 3 baixas. Regressámos em Maio de 1966 e desde então até aos
nossos dias já nos deixaram mais 37 camaradas.
Na
missa que mandamos celebrar nos dias dos nossos convívios, que têm lugar
habitualmente no 2º domingo, de Maio desde 1967 até aos dias de hoje, recordamos
sempre os nossos mortos. Quando a já longa lista é lida em voz alta pelo
Belmiro Tavares cada nome é saudado com o grito de “presente”.
Francisco
Diogo Velez, que faleceu em 23 de Março de 2010, foi um dos nomes referido em
passado recente.
Acompanhado
de um seu familiar – José Godinho, seu sobrinho por afinidade - fomos visitar a
sua campa no cemitério Municipal Vale Flores, em Feijó.
“Presente”. Velez. 1º Cabo Cond/Auto/ 2458/63
da CCaç 675.
... Dr.
Francisco Diogo Velez, da Central de Cervejas, completou seu sobrinho José
Godinho.
O
Belmiro olhou para mim e eu olhei para o Belmiro. No
Outono deste 2011 estava-nos reservada uma surpresa. Das grandes.
Dos nossos tempos da Guiné recordava o Velez como um militar disciplinado, cumpridor, bom no que fazia mas sem dar especialmente nas vistas. Era um bom militar como era apanágio da maioria dos militares da Companhia do Capitão Tomé Pinto. O Velez só se transfigurava e dava nas vistas quando jogava futebol. Era o nosso melhor jogador. Simplesmente o melhor.
Dos nossos tempos da Guiné recordava o Velez como um militar disciplinado, cumpridor, bom no que fazia mas sem dar especialmente nas vistas. Era um bom militar como era apanágio da maioria dos militares da Companhia do Capitão Tomé Pinto. O Velez só se transfigurava e dava nas vistas quando jogava futebol. Era o nosso melhor jogador. Simplesmente o melhor.
Em
termos pessoais recordava-o como parceiro de uma cena meia caricata, de que não
me orgulhava particularmente mas que tinha efectivamente acontecido. Constava
até do nosso “Diário”.
«…na noite de 13 de Setembro de 1964 tivemos a
surpresa de um ataque ao quartel, em Binta. Estávamos – vários furriéis e
sargentos - numa sala que tinha duas saídas. Uma para o lado donde vinham os
tiros e outra pró outro lado. O lado bom… dava para a sala dos telegrafistas.
Arrombámos a porta e passámos pelos telegrafistas como uma manada de búfalos a
fugir de leões. Eu fui um dos “heróis” que atropelou o Velez na minha corrida
desenfreada “pró lado bom”.Nunca mais esqueci a sua cara de espanto…».
Saímos
do cemitério do Feijó e visitámos a casa do [sobrinho] do Velez. E soubemos tantos
anos depois o que tinha sido a vida pessoal e profissional do nosso Velez, da
Guiné.
Já
na casa de José Godinho vimos uma sala preenchida com troféus e fotografias do
“Chico” Velez, como os seus familiares mais próximos o tratavam.
Nasceu
em 1942 em Benavila, concelho de Aviz, distrito de Portalegre. Alentejano
de um meio rural, filho de uma família de camponeses, muito humilde, teve a
companhia de mais 4 irmãos. Fez a 4ª Classe, jogava a bola e foi aprendiz de
sapateiro, com um seu tio. Viveu
na sua terra natal até aos 20 anos. Chegou o tempo da vida militar, e foi
mobilizado para a Guiné, onde o viemos a conhecer.
Depois
do regresso em Maio de 1966 – soubemos pelo seu sobrinho José Godinho – que
ingressou pouco tempo depois na Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, em
Vialonga, onde veio a trabalhar toda a vida.
Foi
servente e depois ajudante de motorista. Tirou a carta de condução profissional
e foi promovido a condutor. Por volta dos 40 anos resolveu estudar. Estudou à
noite e em dois anos fez o liceu. Ingressou depois na Faculdade de Economia, em
Lisboa, e em 5 anos conseguiu terminar o seu curso. Na sua empresa
reconheceram-lhe os méritos e o seu esforço para se valorizar e quando já andava
no 2º ou 3º ano da Universidade ingressou nos escritórios da Empresa, como
tesoureiro. Quando terminou a sua licenciatura passou ao Departamento de
Finanças e nos últimos anos da sua vida foi Director Financeiro da Central de
Cervejas.
Nos
convívios da CCaç 675 o Dr. Velez nunca contou nada da sua vida e sempre se
manteve discreto e sem alardes ou jactâncias da sua meteórica subida na vida
profissional. Sabíamos que trabalhava da Central de Cervejas mas pouco mais.
Manteve-se
solteiro e sempre próximo dos seus familiares. Comprou uma casa com 9
assoalhadas, onde viveu grande parte da sua vida. Essa casa de 9 assoalhadas é
em Lisboa, na Avenida Miguel Bombarda, nº 139.
Na fase da sua doença, que lhe veio a causar a
morte, esteve nos últimos meses de vida em casa do José Godinho e da sua
sobrinha favorita, a Cita, em Fernão Ferro, na margem Sul. Já
muito doente fez questão em fazer testamento e deixou as poupanças da sua vida
aos seus familiares mais próximos.
O
seu funeral foi uma sentida manifestação de pesar. De gente do futebol – jogou
nas reservas do Benfica e do Sporting Clube de Portugal nos tempos em que Juca
foi treinador do clube – e de gente do ténis de mesa. Nesta modalidade o
“Chico” Velez foi durante alguns anos campeão nacional de veteranos pelo Clube
Desportivo do Millennium BCP. Sem nunca ter sido bancário.
Nunca
contou aos seus camaradas da “675” os problemas de saúde que marcaram duramente
um ano da sua vida. O último. E só mais tarde soubemos que já não estava entre
nós.
A
surpresa estava para acontecer quase um ano e meio depois da sua morte. O 1º
Cabo Velez da “675” morreu “Dr”. Doutor
em economia mas principalmente em simplicidade. Sem ostentação de títulos nem vaidades.
Francisco
Diogo Velez foi a modéstia em pessoa. Cultivou em vida valores que vão para
além da morte. Merece
o nosso apreço. A nossa homenagem póstuma.
Em
termos pessoais começo hoje a pagar-lhe uma dívida de gratidão.Com a expressão
da minha saudade. Da nossa saudade.
Um
Alfa-Bravo dos teus camaradas da Guiné.
JERO
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
8 comentários:
Abraço-te, José Eduardo e, esse abraço, estendo-o a toda a "675".
Felizmente há Homens assim e curvo-me á sua Memória.
T.
Meu caro Jero:
Em semana de delícias celestiais, lá no teu Mosteiro, devo dizer que adorei, mais uma vez, a tua saborosa história, ou a história (de vida), surpreendente, de um 1º condutor auto rádio... que, graças à mobilidade social, acabou por chegar a diretor financeiro de uma grande empresa... Mas quantos "Chico" e quantos "Velez" não ficaram pelo caminho, por falta de efetiva igualdade de oportunidades ?
Não me levas entretanto a mal se te pedir para me explicares o que era esse posto e essa especialidade de 1º cabo condutor auto rádio...
Com açúcar e com afeto... Luis Graça
Caro Luís
Como vou responder ao teu comentário começo por cumprimentar o nosso Torcato Mendonça, um dos Homens Grandes da nossa Tabanca Grande.Para esclarecer a especialidade do "1º.Cabo condutor auto rádio" telefonei ao meu General Tomé Pinto, que tem sempre tempo e disponibilidade para falar com os seus homens.Disse-me o meu General que o Velez foi condutor e rádio telegrafista.Tão só.E 1º. cabo, acrescento eu(três em um). E um homem de grande valor, que merece ser apontado como exemplo. E graças ao nosso blog é agora conhecido e reconhecido como tal,
Um grande abraço conventual de Alcobaça. Hoje ainda "sem açúcar" porque a mostra dos ditos só começa na 5º:feira, dia 17.JERO
Oh Jero, que história, homem!
Não só a delicadeza e a ternura com que tratas os teus camardas de armas, mas o testemunho de alguém, que tendo lutado pela vida sempre se manteve na humildade dos homens com H grande, sem alardes, nem jactâncias.
Que lição, para mim e para tantos.
Já ganhei o dia, pois obrigaste-me a reflectir nos meus pobres orgulhos.
Um grande abraço
Explicação do nosso camarada
José Colaço
josebcolaco@gmail.com
18:59
Caro Luís na mensagem do Jero só falta a palavra telegrafista ou transmissões. Exemplo: O nosso poeta popular Francisco dos Santos, a especialidade dele era 1º cabo condutor auto, rádio telegrafista.
Um abraço
Camaradas
Um Homem com H grande.
Simples e cheio de qualidades.
Um exemplo.
Mais Palavras para quê?
Que descanse em PAZ...
Luís Borrega
Grande Jero
Ainda vou a tempo para te "dizer", que adorei este teu testemunho.
Que a memória destes nossos camaradas, ajude o pessoal a reflectir...
Um abraço,
Jorge Rosales
Continua a ser lembrado e a fazer parte da nossa vida, porque ele vive sempre nos nossos corações !!!
Sou filha da Cita e do Godinho e orgulhosamente sobrinha do Tio Xico !!!
Obriga pelo vosso imenso carinho ....
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